ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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7.6.10
COISAS DA SÁBADO: A CONDIÇÃO DE POLÍTICO EM TEMPOS DE AUSTERIDADE Nos momentos como o que vivemos, de enormes dificuldades para os portugueses, a mais impopular das afirmações é esta: o problema dos salários dos políticos é um problema de estado e só a falta de homens de estado e a abundância de politiqueiros permite trata-lo ao nível mais rudimentar da demagogia e do populismo. Explico-me para alimento de muitas fúrias: a contínua degradação dos salários e das condições do exercício de cargos políticos tem um efeito perverso na qualidade da democracia portuguesa: atrai apenas para o exercício de funções aqueles para quem salários ao nível de um quadro inferior de uma empresa privada, são atractivos, ou que nunca tiveram emprego e fizeram apenas carreira política, ou, pior ainda, os que são ricos ou vendem influência e para quem o acesso à vida política é uma vantagem competitiva em certas profissões, advogados lobistas, por exemplo. As excepções confirmam a regra. Claro que muito pouca gente vê as coisas assim, e prefere, ao fim de duas capas de um qualquer jornal tablóide, ou de uma petição na Internet, mostrar logo que são mais papistas do que o papa e apelam a que os políticos “dêem o exemplo”, cortando salários e regalias, algumas puramente protocolares e cujo efeito é a degradação do lugar da política democrática, na hierarquia do estado, permitindo a subversão das relações de dependência institucional. Ao fazê-lo, sempre de modo pontual e ao sabor do populismo, esquecem-se de uma coisa: o populismo nunca se satisfaz, cortem 5 que pedem 15, cortem 15, que pedem 25. É que a lógica do populismo é o de um ataque às instituições e aos políticos em democracia e não combater qualquer excesso ou desequilíbrio que merecesse correcção. Outra coisa que estes populistas esquecem é que nunca qualquer corte tem retorno, como se viu desde o tempo de Cavaco Silva, que também fez esta política punitiva dos políticos em democracia, como se eles tivessem um ónus especial de culpa e nunca quem neles vota ou os escolhe. Esta rasoira dirigida a todos, por serem políticos em democracia, tem também o efeito de diluir responsabilidades e culpas, metendo todos no mesmo saco. Sucede que, como se passa com a crise actual, meter todos no mesmo saco é a melhor maneira de continuar a fugir de responsabilidades cujo apuramento é um elemento fundamental do debate público. Acresce que esta maneira de tratar as questões de forma auto-punitiva e ao sabor das conjunturas impede de considerar racionalmente os salários e regalias no exercício de cargos políticos com um critério estrutural: associar o seu valor ao da função pública, começando no Presidente da República e depois aplicar a ratio resultante para os outros cargos. E numa democracia essa relação faz-se pelo topo da função pública, para permitir a normal cadeia hierárquica que deve existir no estado e que também passa pelo salário. E depois o destino é comum: sobem os salários na função pública, sobem os dos cargos políticos, descem, descem todos, mas o critério permanece sempre estrutural e associado a uma ideia do estado democrático. O mesmo se passa com outras regalias que devem ser equilibradas com a de outros funcionários, como por exemplo os diplomatas, ou com os lugares do topo da carreira administrativa. Esta relação foi inicialmente pensada nestes termos mas ao primeiro aumento que houve do topo da função pública foi suspensa por Cavaco Silva, até hoje. Isso não faz de governantes e deputados funcionários públicos, que não são, mas torna a questão do seu salário em algo de estruturalmente consistente e não excepcional. Isto significa também que regalias despropositadas, ou que não tenham a ver com o carácter especial da função (o que não é o caso da imunidade parlamentar, fundamental num parlamento democrático), devem ser abolidas. Deve de facto haver austeridade e austeridade para todos, pesando mais naqueles que mais tem e podem, o que significa também os políticos. Mas apenas porque tem rendimentos muito superiores aos portugueses e em conjunto com os que tem os mesmos rendimentos. Pode até ir mais longe do que se foi, mas também para todos que estão na mesma condição. Começar a tratar os salários dos cargos políticos de forma excepcional, para “dar o exemplo”, é participar num assalto populista e demagógico à democracia, que já custa muito caro aos portugueses e vai custar ainda mais. Só que desses custos ninguém fala. (url)
© José Pacheco Pereira
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