CAVEAT LECTOR (6): NAVIO DE GUERRA PRODUZINDO FUMO
Há para aí muito navio de guerra fazendo fumo para se esconder. Ninguém diz o que pensa, ninguém fala das coisas como são, não se lê, só se treslê. Uma assustadora hipocrisia enche o espaço público.
O PS fez bem uma coisa durante a campanha: a fábrica de casos. Conhecendo muito bem os mecanismos comunicacionais, o PS e as suas agências de comunicação sabiam que se alimentassem os órgãos de comunicação com sucessivos casos, não sobraria espaço para uma campanha que fizesse o escrutínio da governação e falasse da situação real do país. Houve alturas em que no interior da sala Manuela Ferreira Leite estava a falar do desemprego, da crise económica, da dívida, etc. e os jornalistas nem sequer se davam ao luxo de entrar e estavam apenas à espera cá fora para perguntar sobre o caso do dia.
Para além disso não passou despercebido a ninguém que a fábrica de casos era desigual. O PSD podia ter feito o mesmo? Podia, mas não fez. Podia, só a título de exemplo, ter perguntado quem pagou o bilhete do TGV Paris-Bruxelas, quando o Primeiro-ministro utilizou esse meio de transporte para fazer declarações de campanha eleitoral, quando ia a uma reunião informal de chefes de Estado e de Governo da União Europeia? Todos os dias havia coisas destas que ninguém utilizou como a do carro da Madeira.
Também remete para a responsabilidade da comunicação social, o saber por que razão dois casos idênticos no seu teor (a “compra” dos votos no PSD e a “compra” com prebendas de apoios eleitorais na emigração), ambos já conhecidos e antigos, embora actualizados por declarações em viva voz de pessoas envolvidas, um tivesse chegado á abertura de noticiários e outro não tivesse sequer entrado neles. Aqui sim, também há muitas perguntas a fazer.
APELO: A colaboração dos leitores é fundamental para manter este registo actualizado, cobrindo a maior quantidade de materiais de todos os partidos concorrentes a nível nacional e local. Neste momento estes são os concelhos (e no seu interior dezenas de freguesias) que estão parcialmente cobertos.:
Abrantes, Alcanena, Alcobaça, Alcácer do Sal, Almeirim, Amadora, Amarante, Arganil, Arronches, Azambuja, Beja, Benavente, Caldas da Rainha, Caminha, Cartaxo, Cascais, Chamusca, Constância, Évora, Faro, Ferreira do Alentejo, Ferreira do Zêzere, Funchal, Golegã, Grândola, Lisboa, Loures, Lourinhã, Lousã, Mação, Marinha Grande, Marvão, Matosinhos, Moura, Odemira, Odivelas, Oeiras, Ourém, Paredes, Peniche, Pinhel, Porto, Rio Maior, Salvaterra de Magos, Santarém, Sardoal, Seixal, Serpa, Tomar, Torres Novas, Torres Vedras, Valongo, Vendas Novas, Viana do Castelo, Vila Nova da Cerveira, Vila Nova de Gaia, e várias freguesias.
Este fim de semana é crucial para completar e aumentar esta amostra, não só porque muitos novos cartazes estão a ser colocados na fase final das eleições, como também, a curto prazo ,a chuva destruirá os que ainda existem. Toda a colaboração é bem vinda, e mais vale fotografar e recolher tudo, sem medo de estar a repetir trabalho, porque falta sempre alguma coisa e algumas fotografias ficam melhores do que outras. Eu próprio e alguns amigos do EPHEMERA iremos viajar por diferentes partes do país em diferentes equipas para fotografar mais cartazes e recolher panfletos, autocolantes, objectos de propaganda, para colocar a público aquela que neste momento é a maior recolha de materiais de propaganda das eleições autárquicas de 2009. Lembro que nenhuma instituição oficial faz este trabalho, pelo que a memória deste momento da nossa democracia depende do nosso trabalho de amador.
A SIC (Anabela Neves) inventou uma nova forma de nomear uma ou duas pessoas do PSD com quem supostamente falou (e do PS, mesmo método) como "o PSD" e "o PS". Pelos vistos, agora esse "o PSD" "acha" que o Presidente quer "presidencializar" o regime e é por isso que fez a comunicação que fez. Nosso Senhor, onde é que isto já vai em imaginação criadora e mau jornalismo! "O PSD"?
Será que os jornalistas do Diário de Notícias já perceberam que quando alguém souber da "fonte" que passou o email do Público, não terá a mais pequena hesitação em divulgá-la, agora que tal prática "deontológica" é defendida como boa pela direcção, redacção e provedor do Diário de Notícias? E acaso essa revelação não é de "interesse público", agora que o Presidente da República acusou o jornal de participar numa "manipulação" do PS?
Este é um caso típico da Caixa de Pandora.
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O que eu acho grave em termos jornalísticos (e o silêncio do Sindicato do Jornalistas ainda mais) é o precedente que se abre nas relações entre os órgãos de informação e entre estes e as suas fontes. Bettencourt Resendes acha legítimo, "em nome do interesse público", expor uma fonte de um outro órgão de informação - apesar de, ao mesmo tempo, se contentar com a resposta de João Marcelino, que indicou que "[...]Para além da 'fonte' junto da qual obtivemos os documentos, confirmámos, posteriormente, a sua autenticidade por uma outra 'fonte' que conhecia toda a documentação." (excerto retirado do artigo do Provedor do leitor do DN de 26 de Setembro). Ou seja, a interpretação do artigo 5 do Código Deontológico dos jornalistas depende da noção que cada um tem do que é "matéria de interesse público evidente". Num caso é legítimo, porque há interesse público evidente, expor uma fonte jornalística de um colega de profissão. Contudo, essa notícia em si baseia-se em "fontes" que já passam a ser anónimas, nesse caso já é legítimo manter o seu anonimato.
O precedente pode desembocar nesta questão: Passarão os "furos" jornalísticos a ser o rebentar de "furos" jornalísticos de outros colegas? Acima de tudo, mais do que invocar artigos de códigos deontológicos e pareceres de juristas, o que me fica na retina é uma falta de cortesia profissional entre membros de uma classe.
Por que será que nenhum jornalista ou observador da imprensa acha que a história do email roubado ao Público foi um "furo" ou uma "cacha" jornalística do Diário de Notícias?
Num blogue em que participam vários deputados eleitos do PS sugere-se de forma muito pouco subtil que o Presidente é doente mental. No Mar Salgado Filipe Nunes Vicente assinalou a grosseria que se torna cada vez mais habitual no vale tudo em que estamos mergulhados e que a blogosfera e as enormidades que se escrevem no Twitter mostram todos os dias. Um dia em que alguém, farto da impunidade do insulto e da calúnia, processe meia dúzia dos habituais cultores do género, fica rico com as indemnizações.
Não é líquido que o Presidente da República aceite todas as combinações aritméticas que o número de deputados e partidos possa permitir para fazer uma maioria. Tem nisso um precedente em Mário Soares, que, após a moção de censura que derrubou o governo minoritário de Cavaco Silva, não aceitou a solução maioritária do PS+PRD que Constâncio lhe propôs.
COMO NESTAS COISAS HÁ SEMPRE MUITO RUÍDO, O QUE EU ESTOU A DIZER À COMUNICAÇÃO SOCIAL É RIGOROSAMENTE ISTO:
1) O que de fundamental o PR disse na sua mensagem é que dirigentes do PS tentaram por duas vezes colar o Presidente ao PSD, uma com uma notícia sobre a participação de assessores de Belém na elaboração do programa do PSD, outra com a publicação do email (cujo conteúdo considerou falso, o conteúdo não o email) no Diário de Notícias. Salientou que o objectivo dos dois casos foi idêntico na sua intenção hostil, associar o Presidente ao PSD. Há pois, agora, necessidade de o PS responder a estas graves acusações do PR;
2) Que vários factos ocorridos nos últimos tempos, e nomeou com clareza a divulgação do email do Público, lhe suscitaram preocupações com a segurança das suas comunicações. Feita uma verificação revelaram-se "vulnerabilidades". Na verdade, como eu próprio sempre disse, nunca o PR falou em "escutas", mas sim em "questões de segurança";
3) Por último e bem, o PSD vem numa declaração do seu secretário-geral lamentar que o PR não tivesse prestado este esclarecimento antes das eleições, porque isso poderia ser esclarecedor para os eleitores que viram a campanha eleitoral perturbada pelas "revelações" do Diário de Notícias. Isto representa substancialmente o que eu próprio disse quando se soube do afastamento do assessor de imprensa.
NUNCA É TARDE PARA APRENDER: 650.000 CONTRA 40 MILHÕES
Benny Morris, 1948. A History of the First Arab Israeli War, New Haven e Londres,Yale University Press, 2008.
A criação do estado de Israel é um dos resultados quase únicos no século XX de uma pura vontade política e de um movimento político, o sionismo, assente nessa vontade. Não haveria Israel se dependesse apenas da geopolítica, dos interesses das grandes potências, da realpolitik. Pelo contrário, embora os EUA fossem simpáticos para o novo estado, e a URSS permitisse algum apoio militar chegado na 25ª hora, a criação de Israel num processo duplo de guerra civil (que opunha judeus e palestinianos) seguido de um confronto militar com as potências árabes, em particular o Egipto, a Jordânia, o Líbano, o Iraque e voluntários e apoio saudita e iemenita, dependeu sempre dos judeus e da sua organização para-nacional, o Yishuv, e das suas organizações militares, como o Haganah. Contra tudo e contra todos, em particular contra os britânicos, aliados dos jordanos (a Legião Árabe na Transjordânia era a única força militar capaz que combateu contra o Haganah, dirigida por oficiais britânicos) e dos egípcios, e depois contra a ONU que sempre permitiu aos invasores militares de um estado que nascera sobre a sua égide aquilo que negava aos seus defensores e que várias vezes impediu Israel de obter vitórias significativas sob ameaça de intervenção militar... britânica.
O livro de Benny Morris é um excelente balanço desta guerra fundadora que permitiu a Israel existir, e apresenta o estado da arte na documentação sobre os aspectos do conflito que ainda hoje são controversos como a questão dos refugiados. Morris mostra como a "limpeza" das aldeias árabes dentro do território de Israel não foi deliberada no início e só se tornou inevitável devido a considerações militares, tornando-se depois numa política seguida sempre de forma hesitante, ao contrário do "expulsionismo" árabe que queria deitar os judeus ao mar. Igualmente se analisa o modo como os inimigos de Israel usaram a questão dos refugiados como arma política, recusando qualquer esforço de integração e condenando essas populações a uma situação de miséria em guetos suburbanos nos países limítrofes.
Mostra igualmente que os israelitas e palestinianos (menos os exércitos regulares árabes) cometeram vários massacres, mais os israelitas do que os palestinianos, mas como consequência do facto de as oportunidades serem maiores do lado judaico, devido ao facto de as ocupações de colonatos judeus pelos irregulares palestinianos terem sido escassas. Mostra igualmente como é que se evoluiu de uma guerra sem prisioneiros, (durante os dias finais do mandato britânico não podia haver campos de prisioneiros e as execuções eram comuns) conduzida por milícias, para uma guerra mais convencional em que a Convenção de Genebra passou a ser respeitada.
Morris acentua e bem a parte de jihad no conflito, a total e completa incapacidade do mundo islâmico em aceitar a existência de Israel, assente em considerações religiosas e históricas, que explica as enormes dificuldades que, mesmo os dirigentes árabes mais moderados (como o rei hashemita Abdullah, que acabou por ser assassinado o destino de todos os conciliadores como Sadat), tinham em lidar com a intransigência absoluta face à existência de Israel. A sua análise das duas culturas distintas, a do sionismo, pró-ocidental, com elementos de laicidade, um discurso próximo do socialismo europeu, e a pura incapacidade árabe de aceitar sequer uma negociação (o que comprometeu a posição árabe no plano diplomático face a um estado cuja existência era legal e reconhecida pela ONU), é fundamental para se perceber os dados actuais do conflito que, em muitos aspectos, continuam os de 1948.