ABRUPTO

27.1.08


A NOVELA VENEZUELANA



Eu não sei se são incompatibilidades, se são prevenções, mas mais vale começar por aqui do que ficar sujeito àqueles "hum, bem te entendo, não gostas dos tipos e depois dizes isto...", tão português e tão cúmplice do "são todos iguais". Na verdade, se houvesse alguma memória, nem sequer era preciso dizer "isto", tão antigo, público e documentado está. É só ir à Internet e aos arquivos dos jornais, muito anteriores à "novela venezuelana" e, no entanto, a encaixar-se perfeitamente nela. Mas isso dá trabalho e obscurece a novidade jornalística que tem que nascer todos os dias como o sol.

O "isto" são três coisas: uma é que acho que Menezes é um desastre para o PSD, disse-o solitário e em bom tempo e os factos encarregam-se do o mostrar; segundo, que Cunha Vaz, que encontrei uma única vez e ainda por cima para o defender (de Carrilho), já teve ocasião, numa carta insultuosa, de explicar que não tem por mim "estima e consideração, nem mesmo respeito pessoal", jurando aliás que"o dr. Luís Filipe Menezes não tem agência":
"O dr. Luís Filipe Menezes teve a colaboração da minha agência durante a campanha eleitoral interna para a liderança do PSD. Neste momento, ou melhor, desde que o congresso do seu partido terminou, a Cunha Vaz & Associados não trabalha com o PSD, com o seu líder ou com qualquer outra estrutura político-partidária. Nunca o fez. Nunca trabalhou com qualquer governo ou instituto público, nunca serviu qualquer partido."
E a terceira e mais importante, porque penso de há muito e já várias vezes o escrevi, que a relação entre políticos e agências de comunicação, publicitários e técnicos de marketing é um dos sintomas da degradação da política contemporânea. Acrescento a este último ponto que o problema é em primeiro lugar dos políticos; os outros vão para onde estiver o mercado e, quando muito, defendem o alargamento do mercado mostrando a indispensabilidade dos seus serviços e protegendo os políticos que os empregam, em detrimento dos antiquados que desconfiam da "comunicação" profissional. Para não me estar a repetir mais uma vez, aqui fica o que escrevi a propósito de Cunha Vaz e o PSD em Novembro de 2007:
"Continuo a achar que não se deve substituir a política por técnicas de comunicação, nem as comissões políticas por agências de comunicação. Mas esta crítica é aos políticos e não às agências."
E também aqui sobre o "partido-empresa" "A questão de fundo é que também este tipo de aconselhamento especializado está longe de ser administrativo ou burocrático, mas sim um problema político, porque o que rompeu a ligação do partido à sociedade, aos grupos profissionais, de onde viria toda a informação e aconselhamento necessário foi a crise de credibilidade partidária agravada pela última experiência governativa do PSD. Para além disso, não há aconselhamento, por capaz que ele seja, que supere as deficiências da produção de políticas pelos órgãos próprios (comissão política e permanente) e da sua "locução", por exemplo, no Parlamento, onde escasseiam competências em muitas áreas cruciais do debate público, como se pôde ver na recente discussão parlamentar.

Não são assessores que fornecem um conselho político, sob forma "profissional", quer dizer assalariada, que podem remendar uma crise de credibilidade que rompeu a relação do PSD com os sectores mais dinâmicos da sociedade e dos grupos profissionais, como não são cibercafés que dão um toque tecnológico às sedes do PSD, nem carros pretos que dão a imagem de Estado."
Por tudo isto, a "novela venezuelana" de que Menezes fala a propósito das aventuras da agência de comunicação que trata da sua "imagem" é exemplar da política dos dias de hoje e merece atenção muito para além dos seus "protagonistas". A interessante designação de "novela venezuelana" é mais certeira do que parece. Menezes queria referir-se às interpretações que os jornais e os seus críticos fazem da bicefalia com Santana Lopes, mais uma vez a funcionar mal, acabando-se sem saber se a Cunha Vaz & Associados vai fazer a "comunicação" do grupo parlamentar ou arrumar os arquivos, tarefa que deve ficar um pouco cara de mais para entregar aos profissionais de uma agência de comunicação.

Menezes, que diz que não se importa "de arrostar com as críticas mais vis" por razões patrióticas, nem mais nem menos que "em nome de Portugal e dos portugueses", quer convencer-nos que está tudo bem entre ele (e Cunha Vaz), e Lopes (sem Cunha Vaz). E, como é uma "novela venezuelana", há também um terceiro homem, Ribau (e Cunha Vaz). Não está. E basta ler comparativamente o blogue de Santana Lopes e a página pessoal de Menezes para se perceber o que partilham, mas também as diferenças entre ambos e os seus projectos. Espero que, ao falar sobre isto não esteja a violar nenhum boudoir, dado que ambos, dentro do espírito da "novela venezuelana", consideram que é matéria de "intimidade". Esqueceram-se foi de dizer isso a Cunha Vaz.
Há aqui também um outro problema de incompatibilidades de que não se falou até agora. Quando vi na televisão Cunha Vaz a abrir a porta ao carro em que Carlos Santos Ferreira chegava a uma reunião no BCP, perguntei-me como é que este mesmo homem e a sua empresa podem garantir uma boa "comunicação", ou seja, sucesso nas suas "mensagens", ao mesmo tempo ao atirador e ao alvo, a Menezes, crítico da solução CGD-PS no BCP, e a Carlos Santos Ferreira que Cunha Vaz, solícito, acompanhava e a quem a estratégia do PSD de o acusar de partidarizar o BCP para o PS não interessa de todo. Como é possível aconselhar estratégias eficazes a um e a outro sem se sofrer de doença bipolar, presumindo que nenhum problema ético está presente (e obviamente tem que estar)?
A página pessoal de Menezes é claramente pensada pelos profissionais da agência e substitui o seu antigo blogue, feito por um assessor da Câmara da Gaia, que copiava e assinava em nome de Menezes textos da Wikipédia sobre Bergman e Antonioni para dar um tom cultural à coisa. O blogue de Lopes, a quem a forma de blogue calha bem com a personalidade, é essencialmente sobre aquilo que ele pensa que é. E ninguém melhor que o próprio para lhe dar o tom narcísico absoluto da personagem dentro daquilo que é a sua ecologia do gosto. A página de Menezes é sobre aquilo que Cunha Vaz acha que Menezes deve parecer que é. E por isso é muito mais de plástico.





A página de Menezes é pessoal e não partidária, como a de Lopes. Ambas estão intituladas com o nome próprio: "Pedro Santana Lopes" é o nome do blogue e "Luís Filipe Menezes" é o nome da página e ambas têm a fotografia, Lopes sorrindo prazenteiro, Menezes esboçando um sorriso forçado, esmagado pela dignidade do Estado. Na página de Menezes, não há a mínima referência ao PSD no layout feito por uma empresa profissional, a 4Best, presumindo-se que seja paga pelo próprio, visto que a página tem copyright (© Luís Filipe Menezes) e pertence-lhe pessoalmente e não ao partido. O PSD, a sua cor, a sua bandeira, são cuidadosamente omitidos e a palavra PSD só aparece na primeira página (no momento em que a estou a ver) num título lateral de material de arquivo sobre as eleições de Setembro de 2007. Menezes aparece contra um fundo evanescente das quinas da bandeira de Portugal, num tom vermelho escuro e negro, ao lado do artigo inaugural escrito pelo príncipe Hamlet e que diz "mudar ou não de opinião: eis a questão". Como diria o José Magalhães, eis uma página grávida de interesse nacional, mas estéril quanto ao PSD. Metem-se comigo por causa das bandeirinhas ao contrário, mas aqui é muito mais grave: Menezes (e Cunha Vaz) dizem aos portugueses que para se ser bom homem de Estado e candidato a primeiro-ministro, o PSD deve ser escondido cuidadosamente como uma mulher de má fama ou um parente louco. Em Menezes isto não soa a falso, soa a falsíssimo.

Esta página de Menezes mostra o problema de a política se subordinar a tecnologias de comunicação e não o contrário. A esquizofrenia que daqui vem resulta numa coisa contraproducente, num híbrido construído em laboratório, nem carne, nem peixe. Desse ponto de vista percebe-se bem a recusa de serviços de Cunha Vaz por Santana Lopes, porque híbrido ele não é. E já percebeu na pele que, quando o tentou ser, como no discurso de posse, dá sempre para o torto. Mas Menezes não é Santana Lopes e isso é que é a essência da "novela venezuelana" ou da shakespeareana questão com que ele inaugura a página: mudar ou não de face, eis a questão. Só que não dá e a "novela venezuelana" vai acabar mal para Menezes, Ribau e Cunha Vaz, enquanto Lopes, que atingiu uma stasis que lhe permite passar pelos intervalos da chuva, vai ainda passar para o próximo episódio. O problema é que também não dá para o PSD, a oposição e, imaginem, o país das quinas que esvoaçam atrás de Menezes.

(Versão do Público, 26 de Janeiro de 2008.)

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