Há um programa do governo que, na sua fase inicial, está a correr muito bem. À minha volta, numa pequena aldeia, mérito das insituições locais, ou seja da Junta de Freguesia, dezenas de pessoas inscreveram-se para completarem a sua escolaridade, num ambiente em que domina o abandono escolar e as muito baixas qualificações. O facto de tanta gente, que ainda por cima é a precisa destinatária de programas deste tipo, se ter mobilizado significa que o programa das Novas Oportunidades favoreceu uma outra atitude face à escola e ao saber, e isso é vital para o país. Espero que os passos seguintes do programa não defraudem estas expectativas que teve o mérito de fazer aparecer.
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Quer na Quadratura do Círculo quer na Sábado exprimiu-se favoravelmente quanto ao programa Novas Oportunidades. O conhecimento que revela ter quanto a este programa provém do lado dos alunos. Também tenho algum conhecimento de como decorre esse programa, mas do lado dos formadores. Tanto quanto julgo saber, estes são pagos com vários meses de atraso, o que não abona muito a favor da seriedade com que o projecto é abordado.
Por outro lado, há um interessante dado sociológico relativo aos alunos, nomeadamente o facto de os mais esforçados serem, de longe, os mais idosos. Os mais jovens não só não se esforçam como têm normalmente uma atitude de terem direito ao diploma que pretendem obter pelo simples facto de estarem a frequentar as aulas. (...)
(José Carlos Santos)
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Tenho pouco conhecimento da fora como está a funcionar este programa, mas a observação sociológica do leitor José Carlos Santos, apesar de não (me) surpreender, devia ser motivo de reflexão. Aqui está outro exemplo do mesmo tipo: como deve saber, os exames ad-hoc para entrada no Ensino Superior foram extintos, pois (e estes foram os únicos motivos que ouvi serem frequentemente apontados) "reprovavam muita gente" e "aumentavam o insucesso e o desânimo" (posteriormente, ouvi insinuações de fraude, mas nenhuma prova); na minha experiência (e possivelmente também na sua), os alunos que tive e que entraram via exame ad-hoc foram , no geral, bons; na maior parte dos casos, destacaram-se da média dos outros que entraram pela via regular. Nada disto é surpreendente: quem tem a inteligência e auto-disciplina para se preparar sózinho para um exame, terá boas possibilidades de sucesso depois de entrar; e isto é ainda mais verdade em sítios (a utilização deste termo é intencional) onde o aluno médio é mediocre, se não mesmo mau (como acontece onde trabalho).
Agora, no lugar do exame ad-hoc, temos os +23, uma alteração com implicações na qualidade do nosso Ensino Superior que nunca foram cabalmente analisadas. Os únicos motivos apresentados foram economicistas e de feitura de estatísticas: se não entrassem mais, metade do ensino superior em Portugal, em especial o Politécnico, fechava e, além disso, assim temos mais gente "qualificada", um adjectivo que, cada dia que passa, se afasta mais do "competente".
Um resultado imediato desta alteração, foi a admissão de muitos candidatos que não têm qualquer preparação para fazer um curso superior e, se juntarmos a isto as pressões que os docentes que estão em situação precária sofrem para aprovar o maior número possível, o resultado inevitável é um abaixamento de nível sem precedentes.
Mas, voltando à observação, uma coisa é verdade: é, em geral, nos mais velhos que ainda existe alguma vontade de aprender e trabalhar, em vez de tentar explorar as vulnerabilidades dos docentes na expectativa de os intimidar. São também eles que dão os exemplos de boa educação e civilidade. O ambiente em algumas turmas nocturnas ainda recorda as aulas clássicas, o que já não acontece com os mais novos.
Talvez a nossa sobrevivência futura dependesse de uma reflexão e de acções resultantes, sobre o nosso rumo, mas não me parece que as nossas élites, políticas e outras, estejam à altura.
(João C. Soares)
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A propósito das Novas Oportunidades não posso deixar de intervir e manifestar o lado positivo da medida. O abandono escolar é sem dúvida um dos maiores problemas que o país tem de resolver e esta oportunidade é antes de mais uma valorização da educação e formação. Mais importante não podia, pois deixar ser. Cativar e mobilizar as pessoas para melhor educação e formação é sem dúvida o mais importante, é trazer a escola para o centro das prioridades das pessoas. A estrutura rígida dos currículos da escola em Portugal leva a que muitos abandonem a escola sem chegarem a perceber quais as suas vantagens. Ficam a meio caminho de serem doutores e sem nada que lhes confira uma profissão, um ganha pão. Fomentar uma cultura de formação é em si importante. Muito mais que a maior ou menor qualidade da formação propriamente dita. Não que esta não seja importante.
As Novas Oportunidades parece a todos os níveis vir a ter um impacto na sociedade maior do que se possa pensar. Não directamente mas indirectamente.
• A pressão que uma certa postura que muitos qualificarão de facilitadora exercerá sobre a escola tradicional é uma pressão muito mais significativa que a que até agora as escolas sentiram via politicas ministriais. Quando ali ao lado alguém obtém um diploma com alguma facilidade nas escolas muitos se começam a questionar sobre o ensino que ainda preconizam. - Isto pode ser um problema!
• A vulgarização das qualificações académicas e a valorização de percursos e experiências individuais.
É necessário lembrar que a par das Novas Oportunidades as escolas oferecem hoje vários cursos de Educação-Formação que alinham estrategicamente com esta medida. No entanto não chega é necessário maior flexibilidade curricular a par da diversidade da oferta.
A avaliação destas medidas deve, no entanto, ser vista sempre a longo prazo. A escola é e sempre será um reflexo da sociedade. A seriação e o insucesso fazem parte da escola que a sociedade deseja - ainda e erradamente, mas que não aceita. Nessa medida o sucesso de uns representará o insucesso de outros. Não tem de ser necessariamente assim mas a tendência económica e politica é avaliar as escolas, os professores e supõe-se que os alunos.
A avaliação deslocou-se claramente dos alunos para os professores e para a escola, já que os exames de aferição têm hoje maior impacto na vida das escolas e respectivos professores que na dos alunos em virtude de o seu peso ser diminuto ou até nulo no percurso escolar do aluno. Esta tendência de quantificar e medir e avaliar a escola é em si obscura na ausência de politicas educativas com orientações claras, currículos claros e objectivos claros - que não existem.
Nos EUA o programa da SRª Bush "No Child Left Behind" a par da avaliação das escolas com a elaboração dos rankings tem levado a educação nos EUA para caminhos que nos devem fazer pensar. Os rankings são usados como referência do valor dos imóveis e como as escolas com piores resultados podem fechar os professores contribuem (fraudulentamente) para melhores resultados dos seus alunos ( Ver). Mas se as consequências fossem apenas em exames nacionais/estaduais a situação não era assim tão grave. O problema reside no estreitamento da formação nas escolas como se explica nesse artigo :"Teachers spend an incredible amount of time and energy focusing their curriculum on what is tested, and these pressures lead people to do some peculiar things."
Resta acrescentar que no programa Novas Oportunidades nada disto parece existir.
(Carlos Brás)
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Não conheço em pormenor o Programa das Novas Oportunidades (PON ).Pelo que não poderei aquilatar da bondade do mesmo
Mas conheço bem Portugal e a maneira como as questões da educação/qualificação são tratadas . O que interessa são as estatísticas . E em Portugal , as Estatísticas da educação são desastrosas. Não tenho os números presentes , mas volta não volta eles ai estão nos jornais e fazem os responsáveis da " Cinco de Outubro " corar de vergonha . Ou pelo menos deviam fazer ..
Vendo as linhas gerais do PON , parece que pelo menos uma das estatísticas mais negras de Portugal vai ficar mitigada :o grau de escolaridade da população portuguesa .
Mas deixe-me levantar algumas questões sobre o PON .
Qual o grau de exigência ? Qual vai ser a taxa de reprovação ?
Quais os conteúdos ensinados ?
Não haverá com o PON uma memorização da Escola tradicional e uma cultura de menor exigência na nossa sociedade ?
Será que com PON não se matam dois coelhos de uma cajadada ? Será que com PON não se matam dois coelhos de uma cajadada ? Utilizam-se fundos comunitários destinados à formação e de forma artificial aumenta-se o grau de escolaridade da População Portuguesa ?
Eu cá não embandeirava em arco com o PON.
(João Melo)
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Hoje já se aceita que um aluno termine a escolaridade obrigatória sem necessidade de estudar e portanto com pouquíssimos conhecimentos de Português, Matemática, Ciências e de Inglês. O facilitismo, tudo o indica, veio para ficar. O chamado insucesso, deve-se hoje essencialmente a comportamentos mais ou menos desviantes ou ao abandono escolar, potenciados pela impunidade e pela falta de exigência. Na última década o fenómeno tem-se agravado nitidamente e, até hoje, infelizmente, não foi tomada qualquer medida para inverter esta tendência. Os professores têm-se assim visto na necessidade de baixar o nível de exigência, em termos de conhecimentos, e o limite do que seria um comportamento razoável dentro da sala de aula. A bem da estatística de que os (nossos) governantes precisam. Três ou quatro alunos podem prejudicar mais de duas dezenas com total impunidade, em nome da (sua) inclusão. Não havendo necessariamente correspondência entre comportamento e capacidades e perdendo estas importância quando o facilitismo é imposto, os alunos com menos apoios fora do sistema escolar acabam por pagar caro esta situação. Vão ficando cada vez mais alheados do que se passa na sala de aula, desejando apenas passar despercebidos ou que não os incomodem muito.
O secundário normal actual mantém ainda alguma exigência, embora cada vez menos como se põe comprovar facilmente por uma análise comparativa dos exames anuais. Para muitos (demasiados) que embora não tenham ficado para trás, através de retenções, são pouco mais do que analfabetos diplomados, revela-se uma barreira intransponível, dado o nível onde se encontram e os hábitos (ou a falta deles) que adquiriram relativamente ao estudo. Os cursos profissionais são então encarados como uma possibilidade não de mudança, muito difícil, mas de elevar as habilitações mantendo os mesmos hábitos, sem estudar, andando por lá. Juntam-se aqui os que se excluem e os deserdados do sistema: os mais malcomportados e os que nunca foram ajudados – quantos professores ouviram falar da zona de desenvolvimento proximal e de Vygotsky? Muitos destes cursos são no entanto na área das ciências e da tecnologia, áreas onde a ignorância não é fácil de disfarçar, pelo menos a longo prazo. De qualquer modo o problema não está nos currículos. Está na organização da escola. O "sucesso" imediato só pode pois ser conseguido através dos processos de avaliação. O resultado real levará infelizmente mais de uma década a revelar-se.
Mesmo os grandes catalogadores de vícios, que amam a preguiça, a luxúria, a gula, com orgulho, fúria e ambição, nunca se gabam da inveja, o pecado verdadeiramente inconfessável. Mesquinho, sinistro, espreitando nas alcovas, nas noites brancas, na solidão povoada de despeitos, no inuendo, na schadenfreude de todos os dias, obsessivo, disfarçado, reprimido, sempre presente, o pecado da inveja tem grande literatura, move montanhas, explica imensas coisas. É pena que para um tão importante e comum pecado, o livro de Epstein, da série oxfordeana dos pecados mortais, esteja longe de ser o melhor, é frouxo, e não deixa marca. No entanto, serve como introdução e remete para alguns clássicos da matéria.
Entre eles está o velho Esopo, que disse tudo o que há a dizer sobre os costumes, fazendo-nos apenas acrescentar paráfrases às suas fábulas, e o clássico de Max Scheler, na sequência de Nietzsche, sobre o "ressentimento". O papel da inveja em democracia, o seu papel crucial na relação entre o indivíduo e as instituições políticas, mostra o carácter quase essencial do desprezo pelos políticos (tanto maior quanto os políticos estão próximos do "povo", como acontece com os parlamentares) como habitus democrático. A análise do modo como a inveja cresce ou estiola em diferentes meios, em diferentes culturas, mostra o carácter complexo do pecado, muito para além do mito de Abel e Caim.
Aqui quase que se pode falar de culturas no sentido laboratorial, com relevo para os meios onde a inveja é não só endémica como uma intensa forma de vida: os meios literários, a academia, a intelectualidade, etc. O autor não refere a blogosfera, mas qualquer estudo futuro da inveja como cultura encontrará os pratos petri dos blogues cheios de pujantes formas de vida microbiana assumindo todo o espectro da inveja: os ciúmes, a schadenfreude, o ressentimento, a malevolência, a inveja socializada, o desejo de fazer mal ao Outro, etc., etc. Este é um dos meios em que nenhuma dúvida subsiste sobre sobre qual é o pecado mortal mais bem representado. Como escreve Epstein: "whatever else it is, Envy is above all a great waste of mental energy".
COISAS DA SÁBADO: PERGUNTAS A FAZER SOBRE A NOSSA POLÍTICA EUROPEIA (NO PRESSUPOSTO QUE A TEMOS)
- Qual é (foi) a posição portuguesa em relação ao novo tratado europeu?
- Por que razão o governo não informou os portugueses das suas posições na Cimeira Europeia, para que estes pudessem confrontar as posições com os resultados?
- Por que razão o governo não entendeu comunicar ao Parlamento em sessão plenária a sua análise da situação europeia?
- Por que razão a oposição se basta em ter audiências privadas e em participar no Conselho de Estado e não exige o conhecimento público de qual é a posição portuguesa em todo este processo?
- Por que razão, ingleses, polacos, holandeses, dinamarqueses, franceses e alemães, entre outros tem direito a conhecer a posição dos respectivos governos, e os portugueses não tem?
- O governo português fez qualquer reivindicação, defendeu qualquer interesse, mostrou qualquer incómodo, em relação ao texto e ao conteúdo do novo tratado?
- Existiram (existem) verdadeiras negociações, tradeoff, entre Portugal e as outras nações da União, em particular, as mais poderosas, ou Portugal abdica de qualquer posição própria a favor de se colar a uma posição (da Alemanha? Da França?) para obter assim “simpatias” futuras noutro tipo de matérias (financeiras)?
- Favorece ou desfavorece o peso relativo de Portugal no conjunto da União Europeia, a existência de um Presidente em vez das presidências nacionais rotativas?
- Favorece ou desfavorece o peso relativo de Portugal no conjunto da União Europeia, o fim do princípio “um comissário-uma nação” na Comissão Europeia?
- Favorece ou desfavorece o peso relativo de Portugal no conjunto da União Europeia, o novo sistema de votos que será implementado depois de 2017?
- Vê Portugal vantagens ou inconvenientes na moratória garantida pela Polónia em atrasar o novo sistema de votação para 2017?
- Defendeu Portugal o reforço do poder dos Parlamentos nacionais exigido pela Holanda, ou opôs-se-lhe?
- Sente-se Portugal confortável com a perda do poder de veto que o anterior sistema de votação virtualmente garantia para os “interesses vitais” de cada País?
- Defende Portugal, ou sente-se confortável, com um sistema de votação que dá na prática à Alemanha o poder de vetar qualquer decisão europeia?
- Sente-se Portugal confortável com o aumento de matérias que passam da unanimidade para maiorias, mais ou menos qualificadas, com o correlativo enfraquecimento da posição de países como Portugal no processo de decisão?
- Está Portugal de acordo com o reforço de poderes e competências do Parlamento Europeu, assente numa lógica demográfica onde Portugal conta muito pouco, posição até agora considerada negativa para um país que sempre defendeu apenas e essencialmente o reforço dos poderes da Comissão?
- Aceita Portugal sem problemas o caminho de subsumir a sua diplomacia e a sua política externa progressivamente numa política “europeia” cada vez mais feita em Bruxelas?
- Será que Portugal, ao aceitar o aparecimento de uma diplomacia própria da UE, está de acordo com a tendência crescente para que deixe de haver representação nacional, embaixadas, por exemplo, em muitas partes do mundo, a favor de representações comunitárias?
- Fez o Primeiro-ministro qualquer compromisso secreto para que em Portugal não haja referendo no Conselho Europeu?
- Foram, esse compromisso, ou outros do mesmo teor, tomados por outros países mantido em segredo para tentar fazer passar “por cima” as soluções da Constituição Europeia, desrespeitando a vontade expressa de holandeses e franceses (e outros mais se tivessem que votar em referendo) que lhe disseram “não”?
- Sente-se Portugal bem com uma “democracia” em que apenas se pode responder que “sim”?
Etc., etc, etc.
- Não seria melhor, mesmo que as respostas fossem muito más e retratassem uma impotência generalizada de Portugal na União Europeia, que se soubesse com clareza as linhas com que nos cosemos nesta nova realidade política da União Europeia, em vez de estarmos a enganar os portugueses?
When I was down beside the sea A wooden spade they gave to me To dig the sandy shore. My holes were empty like a cup. In every hole the sea came up Till it could come no more.
Hoje, um pouco por todo o lado. Usando o Abrupto como janela.
Amanhecer a 18 milhas norte de Cherbourg, à espera de ser rebocado para o porto francês, logo depois de termos ficado sem o leme do veleiro Freedom, Sweden 42 pes. (Nuno Pimentel)
Os caminhos da Tapada da Ajuda (Instituto Superior de Agronomia, Lisboa).
Often beneath the wave, wide from this ledge The dice of drowned men’s bones he saw bequeath An embassy. Their numbers as he watched, Beat on the dusty shore and were obscured. And wrecks passed without sound of bells, The calyx of death’s bounty giving back A scattered chapter, livid hieroglyph, The portent wound in corridors of shells. Then in the circuit calm of one vast coil, Its lashings charmed and malice reconciled, Frosted eyes there were that lifted altars; And silent answers crept across the stars. Compass, quadrant and sextant contrive No farther tides ... High in the azure steeps Monody shall not wake the mariner. This fabulous shadow only the sea keeps.