ABRUPTO

30.6.07


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: A INVEJA


Mesmo os grandes catalogadores de vícios, que amam a preguiça, a luxúria, a gula, com orgulho, fúria e ambição, nunca se gabam da inveja, o pecado verdadeiramente inconfessável. Mesquinho, sinistro, espreitando nas alcovas, nas noites brancas, na solidão povoada de despeitos, no inuendo, na schadenfreude de todos os dias, obsessivo, disfarçado, reprimido, sempre presente, o pecado da inveja tem grande literatura, move montanhas, explica imensas coisas. É pena que para um tão importante e comum pecado, o livro de Epstein, da série oxfordeana dos pecados mortais, esteja longe de ser o melhor, é frouxo, e não deixa marca. No entanto, serve como introdução e remete para alguns clássicos da matéria.

Entre eles está o velho Esopo, que disse tudo o que há a dizer sobre os costumes, fazendo-nos apenas acrescentar paráfrases às suas fábulas, e o clássico de Max Scheler, na sequência de Nietzsche, sobre o "ressentimento". O papel da inveja em democracia, o seu papel crucial na relação entre o indivíduo e as instituições políticas, mostra o carácter quase essencial do desprezo pelos políticos (tanto maior quanto os políticos estão próximos do "povo", como acontece com os parlamentares) como habitus democrático. A análise do modo como a inveja cresce ou estiola em diferentes meios, em diferentes culturas, mostra o carácter complexo do pecado, muito para além do mito de Abel e Caim.

Aqui quase que se pode falar de culturas no sentido laboratorial, com relevo para os meios onde a inveja é não só endémica como uma intensa forma de vida: os meios literários, a academia, a intelectualidade, etc. O autor não refere a blogosfera, mas qualquer estudo futuro da inveja como cultura encontrará os pratos petri dos blogues cheios de pujantes formas de vida microbiana assumindo todo o espectro da inveja: os ciúmes, a schadenfreude, o ressentimento, a malevolência, a inveja socializada, o desejo de fazer mal ao Outro, etc., etc. Este é um dos meios em que nenhuma dúvida subsiste sobre sobre qual é o pecado mortal mais bem representado. Como escreve Epstein: "whatever else it is, Envy is above all a great waste of mental energy".

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© José Pacheco Pereira
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