No Inferno há muito enxofre, mas que me lembre não há rãs. Há umas nos quadros de Bosch, mas ele meteu lá tudo e por isso não conta. No interior da cratera, das paredes e do chão, sai fumo, fumo de enxofre a julgar pelo cheiro e pela cor amarela e avermelhada da terra à volta. Mas, mesmo lá no meio, a chuva há muito tempo fez uma lagoa, cheia de ervas e vida. A julgar pelo festival de som e pelo intenso movimento à superfície, as rãs não se dão mal no Inferno.
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"Envio-lhe uma fotografia que tirei no Japão, mais concretamente num dos vulcões do Parque Nacional de Shikotsu-Toya, na ilha de Hokkaido. Pude por lá respirar muito enxofre."
(Pedro Matos Soares)
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Fernando Pessoa sobre as rãs, lembrado por RM:
Todas as cousas que há neste mundo Têm uma história, Excepto estas rãs que coaxam no fundo Da minha memória. Qualquer lugar neste mundo tem Um onde estar, Salvo este charco de onde me vem Esse coaxar.
Ergue-se em mim uma lua falsa Sobre juncais, E o charco emerge, que o luar realça Menos e mais.
Onde, em que vida, de que maneira Fui o que lembro Por este coaxar das rãs na esteira Do que deslembro?
Nada. Um silêncio entre juncos dorme. Coaxam ao fim De uma alma antiga que tenho enorme As rãs sem mim
Na estação de vigia às baleias - uma barraca de madeira e dois bancos para os homens - viu-se o mar a agitar-se. Baleia de certeza. Os homens deitaram o foguete de aviso e correram para o pequeno porto em baixo, uma fractura entre dois rochedos de basalto que permitia deitar os barcos ao mar. Os barcos sairam atrás da espuma. Quando lá chegaram viram o "mar a ferver" e não havia baleia nenhuma. Fugiram. Era o início de um vulcão. Foi assim.
de milhares de quilómetros de mar para todo o lado, em cima de uma rocha de lava, aberto a um vento pouco ameno, é nestes dias escrito o Abrupto. Amanhã descerei a uma cratera, depois de amanhã sentirei o enxofre noutra, depois de depois de amanhã apanharei uma pedrinha de basalto como sinal de que não me esqueço. A obra ao negro.
Ô fins d'automne, hivers, printemps trempés de boue, Endormeuses saisons ! je vous aime et vous loue D'envelopper ainsi mon coeur et mon cerveau D'un linceul vaporeux et d'un vague tombeau.
Dans cette grande plaine où l'autan froid se joue, Où par les longues nuits la girouette s'enroue, Mon âme mieux qu'au temps du tiède renouveau Ouvrira largement ses ailes de corbeau.
Rien n'est plus doux au coeur plein de choses funèbres, Et sur qui dès longtemps descendent les frimas, Ô blafardes saisons, reines de nos climats,
Que l'aspect permanent de vos pâles ténèbres, - Si ce n'est, par un soir sans lune, deux à deux, D'endormir la douleur sur un lit hasardeux.
para os caminhos de basalto, para onde o ar, a terra e o mar são turbulentos, fervem por dentro, crescem e baixam, porque a terra é viva. Cada um escolhe a chuva com que se molha. Haverá notícias vulcânicas, em breve.
Ma chaumière aurait, l'été, la feuillée des bois pour parasol, et l'automne, pour jardin, au bord de la fenêtre, quelque mousse qui enchâsse les perles de la pluie, et quelque giroflée qui fleure l'amande.
Mais l'hiver, - quel plaisir, quand le matin aurait secoué ses bouquets de givre sur mes vitres gelées, d'apercevoir bien loin, à la lisière de la forêt, un voyageur qui va toujours s'amoindrissant, lui et sa monture, dans la neige et la brume !
Quel plaisir, le soir, de feuilleter, sous le manteau de la cheminée flambante et parfumée d'une bourrée de geniè- vre, les preux et les moines des chroniques, si merveil- leusement portraits qu'ils semblent, les uns jouter, les autres prier encore !
Et quel plaisir, la nuit, à l'heure douteuse et pâle, qui précède le point du jour, d'entendre mon coq s'égosiller dans le gelinier et le coq d'une ferme lui répondre faible- ment, sentinelle juchée aux avant-postes du village endormi.,
Ah ! si le roi nous lisait dans son Louvre, - ô ma muse inabritée contre les orages de la vie ! - le seigneur suzerain de tant de fiefs qu'il ignore le nombre de ses châteaux ne nous marchanderait pas une chaumine !
cresce nestes dias. A normalidade? O fim dos problemas? O governo finalmente ideal? A graça do estado de graça? Os noticiários televisivos dedicam-se às doenças, entre o alarmismo e o caso humano. Uma lontra nasce em directo. Volta-se ao circo, agora a sério, pelo pitoresco. Os ecologistas assumem o primeiro plano dos grandes problemas nacionais: os animais do circo são maltratados? Três golfinhos apareceram mortos numa praia. Crime ou petróleo? Lá para o Norte fazem-se os folares, lá para o Sul a chuva acabou com a seca. O futebol continua sempre com o mesmo interesse, parece que também normalizado.
Pobres daqueles que duvidam de tanta fartura. Deviam era estar contentes e fazer férias longe, esquecer o fim do Pacto de Estabilidade, esquecer a "tenebrosa" directiva Bolkestein, esquecer as estranhas manobras à volta da Alta Autoridade para a Comunicação Social acerca da compra do grupo Lusomundo, entregar o país ao humor e às “celebridades”. O reino do bem voltou. Mostrem-se agradecidos e dediquem-se às lontras bebés.
E eu te encontrei, num alcantil agreste, Meia quebrada, ó cruz. Sozinha estavas Ao pôr do Sol, e ao elevar-se a Lua Detrás do calvo cerro. A soledade Não te pôde valer contra a mão ímpia, Que te feriu sem dó. As linhas puras De teu perfil, falhadas, tortuosas, Ó mutilada cruz, falam de um crime Sacrílego, brutal e ao ímpio inútil! A tua sombra estampa-se no solo, Como a sombra de antigo monumento, Que o tempo quase derrocou, truncada. No pedestal musgoso, em que te ergueram Nossos avós, eu me assentei. Ao longe, Do presbitério rústico mandava O sino os simples sons pelas quebradas Da cordilheira, anunciando o instante Da ave-maria; da oração singela, Mas solene, mas santa, em que a voz do homem Se mistura nos cânticos saudosos, Que a natureza envia ao Céu no extremo Raio de sol, pasmado fugitivo Na tangente deste orbe, ao qual trouxeste Liberdade e progresso, e que te paga Com a injúria e o desprezo, e que te inveja Até, na solidão, o esquecimento!