ABRUPTO

31.8.09

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A RELASSA FRAQUEZA


Já citei mais de uma vez uma das cartas ficcionais de Fradique Mendes a Madame de Jouarre, em que este descreve a sua chegada de comboio a Lisboa. A carta é uma cruel metáfora sobre Portugal, das mais cruéis e desapiedadas que conheço, e mortiferamente verdadeira. Nela cabe da pior maneira a indústria do "sonho", da "esperança" do "optimismo", com que uns se pretendem distinguir dos outros como sendo melhores. Eles "sonham", os outros não.


Essa espécie de oração sobre a "esperança" e o "sonho" tem outras variantes, como seja: "temos que acreditar em nós próprios", "somos capazes", "os portugueses só sabem dizer mal de si próprios diferentemente dos outros povos que nunca o fazem" (quem diz isto não sabe nada dos "outros povos"), "não se pode só dizer mal", etc., etc. Este mambo-jambo piedoso apenas pretende manter os portugueses numa espécie de estado de estupor cívico, ignorando a sua realidade e os seus problemas, envolvendo-os naquilo que o mesmo Eça chamava o "manto diáfano" da mentira. Este "manto diáfano", muitas vezes mais para o nevoeiro espesso do que para o "diáfano", é assegurado pela propaganda dos poderosos, mas também pela credulidade emocional dos destinatários.

O que está de mais cruel na carta de Fradique é a a afirmação de que o êxito desse marketing da "esperança" é que ele tem sucesso, não porque os portugueses tenham qualquer esperança, mas sim porque lhes agrada ouvir esse discurso, na exacta medida em que também lhes agrada o seu oposto, o catastrofismo absoluto. Não tendo que ser bipolares, algum dos lados está errado, ou então somos incapazes de nos colocarmos ao centro, no domínio da Razão. Estão sempre a acenar-nos com o Pathos, e o Pathos "passa" bem quer na televisão quer na retórica política produzida por cínicos para as massas. Sensatez - escassa; expectativas irrealistas - muitas. É o "sonho".

Eça, na pele de Fradique, culpava a "bonacheirice" dos portugueses:
"Humilhação incomparável! Senti logo não sei que torpe enternecimento, que me amolecia o coração. Era a bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós Portugueses, nos enche de culpada indulgência uns para os outros, e irremediavelmente estraga entre nós toda a Disciplina e toda a Ordem."
As palavras de Eça "Disciplina" e "Ordem" são de natureza cívica, não são emanações da autoridade. A "ordem" aqui não tem o sentido salazarista que 40 anos depois vai ter: Eça não está a pedir que nos imponham qualquer "ordem" para corrigir os nossos defeitos, está a enunciar o que espontaneamente nos falta, o que marca o nosso atraso, aquilo de que não somos capazes, pela nossa "relassa fraqueza". E todos os dias precisamos desta crueldade queiroziana em vez da louvação das nossas virtudes "bonacheironas".

Também por isso, não há dia em que leia mais uma peripécia portuguesa da culpa, e elas são quase diárias, sem que não me lembre do Fradique "humilhado" por si próprio, por ser tão "bonacheirão" como todos os portugueses e acabar por ser tão complacente como qualquer um. E observar a triste exibição da nossa incapacidade para qualquer "Disciplina" e "Ordem" por causa da nossa "culpada indulgência".



Veja-se o que aconteceu com as falésias do Algarve, um remake da ponte de Entre-os-Rios, só que menos espectacular. A falésia da praia Maria Luísa caiu matando várias pessoas. Seguiu-se a visita das Personalidades e a explicação das Entidades, no meio de um cenário de basbaques "populares", a olharem para o local onde pouco antes passeara a morte. Televisões estavam todas e metade dos telejornais ficava garantido pela espectacularidade do cenário, pela confluência de polícias, militares, bombeiros, botes, ambulâncias, gruas e fitas de demarcação. Boa televisão, boas audiências, até que apareça outra tragédia e melhores imagens.

Uma pletora de entidades, ministérios, institutos, polícias, autarquias, militares, instituições científicas veio explicar que a culpa era do mar, do vento, da areia e das pedras que não se comportaram como devia ser. E mais, a culpa é da física, da química, da matemática, da estatística, do aquecimento global, das alterações climáticas, da geologia por via dos sismos, do magma profundo. Não é nunca dos homens, nem dos que deviam cuidar, nem dos que não tiveram cuidado. O resultado é sempre o mesmo, nem os que deviam cuidar vão cuidar melhor, nem os que deviam ter cuidado vão passar a tê-lo. Se houvesse "Disciplina" e "Ordem", seria isso a lição que as mortes nos dariam, tarde e a más horas, mas infeliz lição.
Assim não se tira lição nenhuma. Uma semana depois de uma azáfama de verificação de falésias, a célebre encarnação do ditado "casa roubada, trancas à porta", chegou-se à conclusão que várias arribas estão exactamente na mesma situação das da praia Maria Luísa, e são consideradas "perigosas". Se não houvesse a regra da "relassa fraqueza", teria que se tirar a conclusão óbvia de que tinha que ter havido incúria, porque a verificação que se fez agora era suposto estar a ser feita de forma regular antes. Foi como as pontes depois do acidente de Entre-os-Rios. Foi-se verificar como estavam várias pontes e estavam mal. Será que tudo foi corrigido depois dos holofotes se terem virado para outra calamidade? Duvido, "a relassa fraqueza (...) estraga entre nós toda a Disciplina e toda a Ordem".

O problema é que nada muda enquanto "em cima" se continuar assim e cá "em baixo", sem exemplos que moldem a consciência cívica, sem responsabilidade assumida, sem culpa identificada, no fundo, sem consequências, pode-se continuar a achar que o "sonho" e a "esperança" impedem as pedras de virem por aí abaixo, como se as palavras bastassem. Triste ilusão que alguém paga sempre. Nas falésias foi uma infeliz família, na comunidade a que chamamos Portugal, somos quase todos, a começar pelos que menos defesas têm, os que são mais pobres, os que pagam a dobrar. É que o optimismo de encomenda não se come. Nem a "bonacheirice".

(Versão do Público de 29 de Agosto de 2009.)

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)





Amanhecer na Ria de Aveiro, hoje de manhã. (José Carlos Santos)

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COISAS DA SÁBADO: MÁRIO SOARES E AS MULHERES QUE O AFRONTAM



Quem ler o que Mário Soares escreveu sobre a entrevista de Manuela Ferreira Leite e tenha memória, toca-lhe no cérebro um sininho: onde é que eu já ouvi isto? Ouvi, ouvi. Quando Mário Soares diz que Manuela Ferreira Leite é de “uma banalidade que, algumas vezes, roçou o patético”, eu lembrei-me de Nicole Fontaine, opositora de Mário Soares na eleição para a Presidência do Parlamento Europeu, que ele tratou de “dona de casa” com enorme arrogância. Agora com Manuela Ferreira Leite, acrescenta a sugestão da bruxa, um estereótipo feminino que também encaixa na “dona de casa”. Disse Soares que tinha “um olhar de mazinha ao canto do olho, que me surpreendeu…” Está visto que vai continuar a surpreender-se. Madame Fontaine ganhou-lhe a eleição com enorme distância, e Manuela Ferreira Leite ganhou as europeias contra o “invencível” Sócrates.

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EARLY MORNING BLOGS

1629 - Provérbio

Nada que valga la pena se logra sin crear conflictos.

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30.8.09


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE











Fogo em Santa Cruz, Louredo, Amarante, muito perto de um posto de vigia de matas.
(Helder Barros)











Incêndio em Lomba, Amarante, numa encosta sobranceira ao IP4. (Helder barros)







Barca de Alva e Douro Internacional. (Pedro Bandeira)











Petra e Wadi Run, Jordânia. (Luís Carvalho)

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EARLY MORNING BLOGS

1628 - Provérbio

Donde menos piensa el galgo, salta la liebre.

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29.8.09

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ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE








(RM)

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COISAS DA SÁBADO: MALAGRIDA ENCARNADO

O precedente português (embora fosse italiano) de Louçã é o padre jesuíta Gabriel Malagrida. O jesuíta tinha fama de santo e conheceu altos e baixos na sua carreira de pregador entre Portugal e o Brasil, entre um rei e outro. Só quando chegou ao Marquês é que tudo acabou mal, na fogueira. Malagrida notabilizou-se por um texto que escreveu sobre o terramoto de 1755, em resposta a um panfleto explicativo das causa naturais do fenómeno, encomendado pelo Marquês que era homem das Luzes. Anote-se desde já, que não foi esse texto que motivou a sua execução, apenas o seu desterro, mas sim outros escritos considerados de “lesa-majestade“.

Hoje, um Malagrida moderno teria muitos votos pelas suas pregações, se em vez do terramoto, se tratasse de “explicar” a “crise”. E, em vez do cadafalso, teria o prime-time da televisão, onde os jornalistas babados pela sua oratória lhe dão o papel ímpar de ser o julgador moral do PS e do PSD. Ele não está lá no ecrã para dizer o que pretende o Bloco de Esquerda, mas sim para, sempre com os mesmos trejeitos, flamejar de ameaças os infames que causaram o tremor de terra. Por trejeitos refiro-me a capacidade histriónica de Louça de conseguir não só falar como sublinhar com um traço facial e uma inflexão de voz, as sua próprias palavras, não vá a gente não as perceber.

Também Malagrida apelava a ideias simples, embora erradas, a fés que não se questionam, a medos comuns, aos traumatizados pelo desastre e aos crédulos de sempre, aos zangados pela vida e aos que esperam por milagres, acima de tudo aos que procuram em tempos difíceis uma ilusão a que se agarrar, porque o real é demasiado pobre e fraco e mau. Malagrida propunha-lhes práticas salvíficas e imediatas, procissões e devoções. O mundo de Malagrida era simples e os maus e os bons estavam separados por um abismo fundo. Os maus mandavam na terra e os bons sabiam como se ia para o Céu. Os maus propunham “causas naturais” para os desastres para iludir a sua responsabilidade, os bons acreditavam que um Deus feroz tinha que ser aplacado na sua vingança, pela restituição das coisas mundanas a uma “ordem natural” que tinha sido rompida pela incredulidade. Para Malagrida, as causas do terramoto eram divinas:
Sabe Lisboa, que os únicos destruidores de tantas casas e palácios, assoladores de tantos templos e conventos, homicidas de tantos habitantes, os incêndios devoradores de tantos tesouros não são cometas, não são estrelas, não são vapores ou exalações, não são fenómenos, não são contingências ou causas naturais, mas são unicamente os nossos intoleráveis pecados.
O discurso de Louçã tem a mesma lógica do de Malagrida. O mal, os “intoleráveis pecados”, é uma coisa a que ele chama de “ganância” dos ricos e poderosos, ou seja, o capitalismo, embora ele prefira a classificação moral à política, porque esta última podia ser muito reveladora na sua genealogia. Para restaurar a Jerusalém divina, é necessário que se entre no reino da “Justiça”, ou seja, da igualdade, da solidariedade, onde todos os homens são felizes. Quem é que ousa contestar a “justiça”? Só os maus. Quem é que ousa questionar a ira divina? Só os ímpios.

A experiência histórica tem precedentes para estas palavras de Louça. Elas só são novas porque a memória é muito curta. É que se as tomarmos como elas são, desnudadas da sua ganga retórica, trata-se de um discurso de extrema-esquerda assente numa visão comunista da sociedade, onde há um brutal intervalo entre a “justiça” exigida e a “justiça” realizada. Esse intervalo é o de uma sociedade totalitária, de uma ditadura do Bem sobre o Mal. Malagrida perceberia muito bem este mundo.

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1627 - Goody for Our Side and Your Side Too

Foreigners are people somewhere else,
Natives are people at home;
If the place you’re at
Is your habitat,
You’re a foreigner, say in Rome.
But the scales of Justice balance true,
And tit leads into tat,
So the man who’s at home
When he stays in Rome
Is abroad when he’s where you’re at.

When we leave the limits of the land in which
Our birth certificates sat us,
It does not mean
Just a change of scene,
But also a change of status.
The Frenchman with his fetching beard,
The Scot with his kilt and sporran,
One moment he
May a native be,
And the next may find him foreign.

There’s many a difference quickly found
Between the different races,
But the only essential
Differential
Is living different places.
Yet such is the pride of prideful man,
From Austrians to Australians,
That wherever he is,
He regards as his,
And the natives there, as aliens.

Oh, I’ll be friends if you’ll be friends,
The foreigner tells the native,
And we’ll work together for our common ends
Like a preposition and a dative.
If our common ends seem mostly mine,
Why not, you ignorant foreigner?
And the native replies
Contrariwise;
And hence, my dears, the coroner.

So mind your manners when a native, please,
And doubly when you visit
And between us all
A rapport may fall
Ecstatically exquisite.
One simple thought, if you have it pat,
Will eliminate the coroner:
You may be a native in your habitat,
But to foreigners you’re just a foreigner.

(Ogden Nash)

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28.8.09


ESPÍRITO DO TEMPO: HOJE



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)



Mazouco - Douro Internacional. (Pedro Bandeira)





Carpintaria nos Anjos. (LR)

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27.8.09

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EARLY MORNING BLOGS

1626 - Provérbio

Siempre llueve sobre mojado.

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26.8.09

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© José Pacheco Pereira
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