ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
|
28.12.13
O PS NÃO É CONFIÁVEL COMO PARTIDO DA OPOSIÇÃOO Governo, o PSD e o CDS, e todos os apoiantes do “ajustamento” na versão troika-Gaspar-Passos, obtiveram uma importante vitória política ao levarem o PS a assinar um acordo a pretexto do IRC. Foi um dia grande. “Rejubilai”, dizem os anjos do “ajustamento”. Dizem bem.
Nesse mesmo dia, os
professores contratados foram abandonados pelo PS, que apenas pediu uma
pífia “suspensão” da prova, e os trabalhadores dos Estaleiros de Viana,
que marcharam pelas ruas de Lisboa com as suas famílias, a caminho da
miséria, não merecem nem um levantar de sobrancelhas dos doutos
conselheiros económicos do “líder” Seguro. O PS, que tinha já enormes
responsabilidades na situação actual de ambos os sectores profissionais,
agora mostrou de novo por que razão não é confiável como partido de
oposição, mas, pelo contrário, é confiável, pela mão de Seguro, para lá
de muitas encenações, para os que mandam em Portugal, sempre os mesmos.
É
que o acordo sobre o IRC não é sobre o IRC. O IRC, repito, foi o
pretexto. Aliás, a pergunta mais simples a fazer, a óbvia, aquela que a
comunicação social, se não estivesse subjugada à agenda e aos termos
dessa agenda do poder político dominante, faria é esta: por que razão é
que um acordo deste tipo não veio da Concertação Social, mas de
conversações entre os dois partidos? Por que razão é que o Governo nunca
esteve disposto a fazer este tipo de cedências diante da CCP ou da UGT,
já para não dizer da CIP e da CGTP, mas está disposto a fazê-lo com o
PS? Ou, dito de outra maneira, que vantagem tem o Governo em fazer este
acordo com um partido da oposição e não com os parceiros sociais? Ou
ainda melhor: o que é que o PSD e o CDS obtiveram do PS que justificou
este remendo, aliás, pequeno e de pouca consequência, na sua política? É
que, convém lembrar, o Governo não precisava do voto do PS para passar
esta legislação, e é por isso que o único ganho de causa é o do Governo.
O
acordo foi um acordo político de fundo que amarra o PS a sistemáticas
pressões governamentais e outras, para que passe a ser parte do
“consenso” que legitime a actual política. O que está em causa é algo
que seria, se as classificações ideológicas tivessem alguma
correspondência com a realidade, inaceitável por um partido socialista,
como o é para um social-democrata, moderado que seja. O sentido de fundo
do “ajustamento” está muito para além do resolver os problemas mais
imediatos do défice ou da dívida, mas traduz-se numa significativa
alteração das relações sociais a favor dos senhores da economia
financeira, em detrimento daquilo que a maioria da população, classe
média e trabalhadores, remediados e pobres, tinham conseguido nos
últimos 40 anos.
O que marcará com um rastro profundo Portugal
para muitos anos é acima de tudo essa transferência de poder, recursos e
riqueza na sociedade. Ela faz-se pela mudança de fundo no terreno
laboral, com a aquiescência do PS – recorde-se que aceitou sem críticas o
acordo assinado pela UGT –, com a fragilização das relações entre
trabalhadores, o elo mais fraco, e o patronato, o esmagamento da classe
média pelo assalto à função pública, aos salários, reformas e pensões. A
destruição unilateral dos “direitos adquiridos” destinou-se não apenas a
garantir essa enorme transferência de recursos, mas acima de tudo a
enfraquecer o poder social dos trabalhadores, dos funcionários públicos,
dos detentores de direitos sociais.
No passado podia haver
pobres, estes tinham, porém, a possibilidade de ter uma dinâmica social e
política para saírem da pobreza, uma capacidade de inverterem as
relações sociais que lhes eram desfavoráveis. Eram pobres, mas não
estavam condenados à pobreza. Era isso a que se chamava “a melhoria
social”, num contexto de mobilidade e num contrato social que permitia
haver adquiridos. Agora tudo isso aparece como um esbanjamento
inaceitável, e o que hoje se pretende é que os pobres, cada vez mais
engrossados pela antiga classe média, sejam condenados à sua condição de
pobreza em nome de uma crítica moral ao facto de “viverem acima das
suas posses”, perdendo ou tornando inútil os instrumentos que tinham
para a sua ascensão social, a começar pela educação, pela casa própria, e
a acabar nas manifestações e protestos cívicos, as greves e outras
formas de resistência social. É um conflito de poder social que
atravessa toda a sociedade e que se trava também nas ideias e nas
palavras, em que a comunicação social é um palco determinante, com a
manipulação das notícias, a substituição da informação pelo marketing e
pela propaganda. E o PS escolheu estar ao lado dos “ajustadores”.
Pode-se
argumentar que a “cedência” do PS permitiu algum alívio às pequenas e
médias empresas, e que por isso há um ganho de causa. Talvez, e isso
seria bom, se fosse apenas isso. Mas o que o PS cedeu é muito mais do
que isso: é um contributo decisivo para manter a actual política em tudo
o que é fundamental, a começar pela prioridade do alívio às empresas e
aos negócios em detrimento das pessoas e do consumo. O PS enfileirou no
núcleo duro do discurso governamental, mais sensível às empresas do que
às pessoas, aceitando que, a haver abaixamento dos impostos, ele deve
começar pelas empresas e não pelos indivíduos e as famílias, pelo IRC e
não pelo IRS e pelo IVA.
Eu conheço a lengalenga de que os
benefícios às empresas, à “economia”, são a melhor maneira de beneficiar
as pessoas, e que é a “vitalidade” da economia que pode permitir todos
saírem da crise. Em abstracto, poderia ser assim, no nosso concreto, não
é. Chamo-lhe "lengalenga" porque no actual contexto a inversão muito
significativa dos poderes sociais torna muito desigual a distribuição de
benesses oriundas deste tipo de medidas, reforça os mais fortes como um
rio caudaloso e chega tardiamente e sem mudar nada, como um fio de
água, aos que mais precisam. E a outra verdade que tem que ser dita é
que este tipo de acordo no IRC vai tornar mais difícil que haja uma
diminuição significativa do IRS ou do IVA, ou seja, quem vai pagar os
benefícios a algumas empresas são outras empresas mais em risco e as
pessoas e as famílias.
Numa altura em que a campanha eleitoral
para as europeias e a, mais distante, das legislativas são já um
elemento central das preocupações partidárias do PSD e do CDS, o PS
deu-lhes um importante trunfo político, e um sinal de que não confia nas
suas próprias forças para ganhar as eleições e muito menos governar
sozinho. Um acordo PS-PSD feito pela fraqueza e assente na continuidade
da política actual prenuncia apenas que, seja o PS, seja o PSD, a
governarem em 2015, cada um procurará no outro um seu aliado natural,
não para uma política de reformas, mas para garantir a política que
interessa ao sector financeiro, que capturou de há muito a decisão
política em Portugal.
O PS de Seguro mostrou que não é confiável
como partido da oposição e que ou não percebe o sentido de fundo da
actual política de “ajustamento”, de que este abaixamento do IRC é um
mero epifenómeno, ou, pelo contrário, percebe bem de mais e quer ser
parte dela. Inclino-me, há muito, para a segunda versão. Seguro e os
seus criaditos diligentes estão ali para servirem as refeições aos que
mandam, convencidos que as librés que vestem são fardas de gala num
palanque imaginário. Vão ter muitas palmas e responder com muitos
salamaleques.
Estamos assim.
(url) (url) 25.12.13
DESEJAMOS A TODOS BOM NATAL E BOM ANO,
MAS COMO É QUE SE VIVE NUM PAÍS SEM FUTURO?
(Bansky)
Mais uma vez foi anunciado um prazo para a “austeridade”. Quinze anos, pelo menos. Se tomarmos à letra o “programa” vindo das várias troikas, FMI-UE-BCE, ou Passos-Maria Luís-Moedas, ou Neves-Lourenço-Bento, ou qualquer das suas variantes, serão precisas décadas. Se tomarmos à letra as promessas de manter a “austeridade” pelos anos necessários para “resolver” o problema do défice e da dívida, como política “inevitável”, é de décadas que falamos.
Como é que se vivem décadas de “austeridade”? Não se vivem. Com troika ou sem ela, com plano cautelar ou sem ele, o que nos dizem os governantes é que a “austeridade” é para ficar como o novo modo de vida “ajustado” dos portugueses. Esta perspetiva de “vida” é impossível em democracia, só em ditadura. Só com ditadura ou com guerra civil é que é possível esse “ajustamento”. Se continuarmos a viver em democracia, é impossível. Mais, é economicamente autodestrutivo, ou seja, os efeitos que gera este longo “ajustamento”, se se viesse a verificar, tornam-no insustentável, logo ineficaz, logo errado.
Começa por que, para muitos, não é sequer uma perspetiva de “vida” viável. Para uma parte importante dos portugueses com mais de 60 anos, tira-lhes qualquer hipótese de, na sua vida terrestre, conhecerem qualquer melhoria, bem pelo contrário. Depois para muitos adultos com quarenta anos, por exemplo, para os chamados “desempregados de longa duração”, é igualmente um beco sem saída, cujo agravamento se acentuará com a passagem do tempo. Impossível de “viver” a não ser com legiões de pobres na rua, como na Grande Depressão americana. E não há nenhum “New Deal” á espera.
Exagero? Só é exagero porque não irá acontecer, porque, a prazo mais curto do que pensam os seus proponentes, que também não tem muita confiança na possibilidade das suas políticas serem sustentáveis, - pelo efeito do “politiquice” eleitoral, dizem com desprezo, - haverá mudanças de política, quer sejam feitas a bem ou a mal. Suspeito que a mal, mas isso é outra questão.
Um poderoso acelerador do fim desta política é o crescimento da desigualdade. Como é que se vivem décadas de “austeridade” desigualmente distribuída? Não se vivem sem revolta. Por aqui me fico. Bom Natal. No fim de contas o Pai Natal também veste de vermelho e é velho, duas sinistras condições para a revolta nestes dias.
(url)
PASSOS COELHO NO FIM DO ÚLTIMO CONSELHO EUROPEU
Do ponto de vista da observação da “literacia” governativa, as declarações de Passos Coelho no final do último Conselho Europeu são muito interessantes de analisar. Refiro-me ao conjunto das declarações e não apenas à leitura de um texto preparado sobre a decisão do Tribunal Constitucional.
Dou um prémio a quem for capaz de entender as primeiras declarações sobre o próprio Conselho Europeu e as suas decisões sobre a União Bancária, O site do governo ajuda porque está inacessível com um “erro 404” na página que devia ter estas declarações. Compreendo que nem o computador as queira colocar em linha, porque foram tão entarameladas, tão confusas, tão desprovidas de lógica e de rigor vocabular, que era penoso ouvi-las. O Sol tentou, com um gigantesco esforço, dar-lhe algum nexo e ficou assim:
Pedro Passos Coelho, congratulou-se hoje com os avanços alcançados para a união bancária, mas defendeu que a União Europeia deve procurar "um compromisso mais alargado" e reforçar o novo fundo de resolução de bancos (…) Passos Coelho considerou importante a aprovação do Sistema de Garantia de Depósitos e do Mecanismo de Resolução Bancária, mas sublinhou que nesta segunda componente da união bancária (…) queria "um compromisso mais alargado, que permitisse não deixar dúvidas aos mercados". "É verdade que os esforços que foram realizados de aproximação entre os Estados-membros foram importantes e foi possível chegar a uma solução, mas não era a solução que nós desejávamos (?) a verdade é que julgamos que esse acordo [para a união bancária] precisa de ser melhorado na discussão que agora se vai travar com o Parlamento Europeu. Esperamos que alguns dos defeitos que ainda encontramos na solução que foi desenhada possam ser superados" (…)O primeiro-ministro afirmou contudo que, com estas medidas, a União Europeia está mais "robusta" e melhor preparada para responder a eventuais crises.
O vocabulário é conhecido: “alavancar”, “impulso”, “relevância”, “componente”, “compromisso”, “suficiente”, “desenho/desenhada”, “superados”, “resolução”, algumas palavras ditas em português mas pensadas em inglês, e repete-se até à exaustão. Nenhuma frase avança sem tropeçar nos seus próprios pés, tanta é a densidade vocabular para dizer algo de muito simples: a reunião não correu bem para Portugal e os seus interesses e a culpa é dos alemães. O primeiro-ministro quer e não quer dizê-lo, mas não sabe como.
Depois, no comunicado, escrito por um dos seus assessores ou pelo ministro da “comunicação”, sobre a decisão do Tribunal Constitucional, a coisa acalma. O comunicado percebe-se muito bem, bem demais. Mas o comunicado tem um autor que resolveu, como é típico nos intelectuais, substituir “Portugal” por “república”. Devia estar a ler algum texto influenciado ou por um anglicismo do tempo dos founding fathers ou de um teórico francês, que muito habitualmente fazem esta substituição do nome do país, pela “república”.É típico da ciência política académica, mas incomum na linguagem política corrente. OK, tinha essa marca de origem, mas o texto percebia-se. Logo a seguir, respondendo a perguntas, Passos Coelho certamente influenciado pelo seu assessor, passou a usar a expressão “republica” a torto e a direito e deixou de se perceber. Há aqui um problema, daqueles que o exame do Dr. Crato diz querer resolver. (url) 24.12.13
(url) 22.12.13
(url)
Não costumo citar o que já escrevi, mas as notícias recentes dadas pelo Público sobre o programa Foral, criado com fundos europeus para promover a formação profissional dos funcionários das autarquias, envolvendo Relvas como decisor e Branquinho como beneficiário, mostra mais uma vez sempre os mesmos nomes, as mesmas empresas, sempre as mesmas redes. É um modus operandi que corrompe o funcionamento da nossa democracia, desvia recursos do estado para enriquecimento privado e tem como instrumento fundamental o controlo dos mecanismos partidários. Também, como de costume, ninguém liga nenhuma, e as notícias foram cuidadosamente silenciadas pelos outros órgãos de comunicação, a começar pela televisão. Aqui vai a citação:
É mais uma vez o mesmo.
(url)
O HOMEM DO RELÓGIO QUE GOZA CONNOSCO
Portas, demasiado habituado a uma sucessão de truques mediáticos que durante muito tempo fez com impunidade e que hoje ninguém suporta, resolveu colocar no CDS um relógio que conta de forma decrescente o tempo que falta até a troika se ir formalmente embora. De imediato, eu e muito mais gente, imaginou dezenas de outros relógios que podiam ser colocados em cada esquina de Portugal, medindo o tempo que falta para uma imensidão de outras coisas, todas muito mais significativas do que a data artificial em que a troika deixa de vir com espavento ao Terreiro do Paço, para reunir discretamente num gabinete em Bruxelas ou em Frankfurt ou Washington.
Alguns desses relógios andariam tão lentamente e o tempo que medem é tão longo que parecem parados. Por exemplo, o que medisse o tempo até que um “desempregado de longa duração” tornasse a ter emprego. Ou o que mediria quando o número de pobres em Portugal diminuiria, não por uma habilidade estatística, mas na realidade. Ou o que mediria o tempo que os juros demoram a recuperar depois da “crise Portas”, e quanto tempo Portugal precisa para recuperar desses estragos “irrevogáveis”. Ou, já agora, o tempo em que falta até a palavra “irrevogável” significar de novo irrevogável.
Mas há pelo menos um relógio cujo tempo decrescente não se mede num googleplex, ou seja num número com muitos zeros à frente, que é o que mede o tempo que falta para que Paulo Portas regresse ao exílio no seu confortável e pequeno CDS. Se tudo correr mal, será em 2015 e não antes como deveria ser se houvesse justiça divina. E daí não sei, o António José Seguro ainda o recicla…
(url)
NO 40º ANIVERSÁRIO DO CONGRESSO DA OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA EM AVEIRO
Participei, em conjunto com algumas centenas de
pessoas, nas comemorações do 40.º aniversário do Congresso da Oposição
Democrática ocorrido em Aveiro em 1973.
Fazia parte de um número
mais pequeno de presentes, que tinha estado no próprio congresso em
1973, tendo assistido ao seu decorrer e terminado, como muitos outros
participantes, na manifestação proibida a correr pelas ruas de Aveiro
junto com os cães do Capitão Maltês e da polícia de choque. Recordo-me
da garagem onde muitos se refugiaram e de ter acabado num telhado dumas
casas térreas junto ao canal na rua paralela nas traseiras da Avenida
Lourenço Peixinho. Era o habitual.
O problema das comemorações dum
evento com estas características é a oscilação entre o “sentido” do
congresso para a actualidade e o balanço que se pode fazer do seu papel
na história da oposição ao regime ditatorial. Esta tensão esteve
presente nas comemorações que teve partes de comício e outras de debate
histórico, sendo que era impossível impedir a impregnação de umas por
outras. Por outro lado, as comemorações recebiam uma herança de
interpretação do congresso de 1973 que está longe de ser inocente,
quanto mais verdadeira.
O Congresso da Oposição Democrática, que
na verdade vinha em sequência de dois anteriores congressos
republicanos, não teve o nome de "congresso republicano" por impedimento
governamental, que, em vésperas das últimas “eleições” legislativas da
ditadura, queria mostrar ao mundo como era possível no Portugal de
Marcelo Caetano, a “oposição” reunir-se legalmente.* Os jornalistas
estrangeiros foram convenientemente apascentados pelo SNI, mas, quando
chegaram a Aveiro, alguns deles foram espancados pela polícia na
manifestação que encerrou o congresso. A operação de propaganda falhou
redondamente.
Este aspecto da história é unívoco e não oferece
dúvidas de interpretação. Já o significado do congresso e os eventos
ocorridos durante a sua realização põem em causa a história
mítico-heróica da oposição, em grande parte escrita pelo PCP e os seus
companheiros de estrada. Aí as coisas são mais complexas e uma história
do congresso já revela alguns aspectos que ainda hoje criam alguma
incomodidade.
Na verdade, o congresso de 1973 foi um evento
importante da história da oposição, mas não foi um acontecimento central
dessa história, apresentado quase como uma antecâmara visionária do 25
de Abril. O congresso inseriu-se mais no quadro institucional clássico
da “unidade” oposicionista na interpretação que lhe dava o PCP do que
introduziu factores de novidade na história da oposição. Desse ponto de
vista, o congresso passou ao lado de muito do que estava a acontecer de
novo e representou mais uma tentativa de hegemonia da oposição por parte
dos comunistas do que uma representação da totalidade dos sectores mais
combativos da oposição, em particular uma grande parte do movimento
estudantil dominado à época pelos esquerdistas e que foram
marginalizados do congresso, ou porque o desejaram, ou porque a isso
foram obrigados pelo sectarismo e controlismo do PCP.
O congresso
não teve uma preparação democrática, nem decorreu democraticamente,
assente que foi na concepção “unitária” da acção política vinda dos
comunistas e que moldava então grande parte da oposição, incluindo
sectores do PS. Em 1973, o PS e o PCP estavam num momento de grande
aproximação política, assinaram um acordo político, subsidiário das
teses “frentistas” do PCP, e tinham no essencial encerrado as
divergências sobre a natureza do “marcelismo” que tinham levado às
listas separadas nas eleições de 1969. Isto não significava que para
muitos socialistas não permanecesse uma desconfiança histórica do PCP,
mas havia uma efectiva deslocação do PS à esquerda, fruto da
radicalização do início da década de 70 e da sensação de que a
liberalização marcelista estava esgotada.
Por isso, sob a férula
do PCP, os sectores mais tradicionais da oposição, os socialistas e os
comunistas, estavam unidos, isolando a direita socialista e
social-democrática e parte dos velhos republicanos que eram
anticomunistas e defensores das colónias portuguesas. Esta “unidade”,
que correspondia às posições teóricas do PCP sobre a estratégia da
oposição, facilitou uma enorme hegemonia dos comunistas sobre todo o
congresso, das teses, muitas vezes com origem nos núcleos regionais e
profissionais onde tinham mais influência, à própria condução dos
trabalhos, constituição das mesas e controlo sobre a ortodoxia das
conclusões.
No entanto, o sector que realmente ficava de fora eram
os esquerdistas, que, desde os chamados “sectores não reformistas da
CDE”, católicos radicalizados, o proto-MES de Jorge Sampaio,
Wengorovius, e outros, e os grupos ligados às comissões de base
socialistas e às brigadas revolucionárias, aos diferentes grupos
maoístas, não só estavam fora do congresso, como o atacavam com
veemência. Ora, bastava esta marginalização do esquerdismo para em 1973
isso significar que o congresso estava longe de representar toda a
oposição e mesmo os sectores mais dinâmicos dessa oposição, em
particular no movimento estudantil e, em embrião, no movimento sindical
renovado que iria dar origem à Intersindical, onde os comunistas
partilhavam o poder com sectores operários e dos serviços, que mais
tarde vão aparecer ligados ao MES.
Na época, estas diferenças de
opinião não eram meigas, nem amigáveis, mas bastante duras. Os “sectores
não reformistas da CDE” escreviam o nome do congresso com “democrático”
entre aspas e os maoístas contestavam o congresso às claras e
organizaram-se durante o seu decurso para, em certas secções, fazer
aprovar moções que os comunistas recusavam. Havia projectos de teses que
tinham ficado pelo caminho, como uma oriunda do PCP (ML) assinada pelos
nomes fictícios de “M. Ribeiro” e “J. Gregório”, na verdade Militão
Ribeiro e José Gregório, nomes de dois dirigentes comunistas já
falecidos, considerados militantes destacados de um PCP que não era
“revisionista”. Era uma clara provocação e foi censurada num processo de
selecção que ninguém controlava.
Este conflito centrou-se durante
o congresso na secção que incluía a “educação”, onde seria suposto
discutir-se o movimento estudantil e que acabou à pancada. Compreende-se
porquê: a maioria da sala era de estudantes esquerdistas, que se tinham
reunido numa dupla clandestinidade em acampamentos e nos pinhais à
volta de Aveiro, para levar o congresso a tomar posições anticoloniais,
sobre a queda do regime e sobre a participação nas eleições, claramente
contra a orientação do PCP. Esses estudantes chegaram a uma sala no
andar superior do cinema onde este decorria e encontraram uma mesa
constituída por militantes do PCP e da UEC que ninguém tinha escolhido e
que fez tudo para evitar votar um documento hostil, acabando a reunião manu militari.
Já contei esse incidente, que me opôs a Lino de Carvalho, e Rui
Bebiano, actual director do Centro de Documentação do 25 de Abril,
contou que nesse dia “fugira” duas vezes, uma do “serviço de ordem do
congresso”, outra dos polícias de choque.
O outro pólo de conflito
no congresso traduziu a mesma vontade de controlo político do PCP e
ocorreu com a tese de Medeiros Ferreira sobre o papel das forças
armadas, apontando quer os riscos de um golpe de direita, quer as
possibilidades de um derrube do regime pelos militares, assente na
trilogia do “descolonizar, democratizar e desenvolver”. Num certo
sentido, essa foi a tese mais premonitória do congresso, violentamente
atacada pelos sectores do PCP. Assisti a essa sessão e recordo-me de ver
uma jovem mulher, claramente comunista, a vociferar contra os militares
que ela, que vivia na Amadora, dizia conhecer muito bem na sua
violência pró-regime.
À data em que enviou a tese para o
congresso, Medeiros Ferreira vivia exilado na Suíça e tinha integrado o
Grupo Revolução Socialista e a revista Polémica, em que ele era
o único que não era ex-comunista, como António Barreto ou Eurico
Figueiredo. A sua reflexão, como a de Manuel Lucena, também colaborador
da Polémica, estava mais próxima de um socialismo radical do
que do esquerdismo predominantemente maoísta, e acompanhava uma mudança
de temas e análises que veio a permitir uma renovação do pensamento da
oposição. O PCP contrariava como podia estas “inovações” esquerdistas,
usando alguns dos seus intelectuais nesse combate, como Vital Moreira
escrevendo sobre Marcuse, ou Sottomayor Cardia discutindo o “pensamento
de Ulianov”, ou seja, Lenine para efeitos de censura.
Foi neste
contexto que se realizou o Congresso da Oposição Democrática e, se
abstrairmos destas mitologias heróicas, podemos dar-lhe a sua verdadeira
dimensão como acto de resistência e coragem, face a um regime que
ninguém pensava que iria acabar um ano depois.
(url)
© José Pacheco Pereira
|