ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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22.12.13
NO 40º ANIVERSÁRIO DO CONGRESSO DA OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA EM AVEIRO
Participei, em conjunto com algumas centenas de
pessoas, nas comemorações do 40.º aniversário do Congresso da Oposição
Democrática ocorrido em Aveiro em 1973.
Fazia parte de um número
mais pequeno de presentes, que tinha estado no próprio congresso em
1973, tendo assistido ao seu decorrer e terminado, como muitos outros
participantes, na manifestação proibida a correr pelas ruas de Aveiro
junto com os cães do Capitão Maltês e da polícia de choque. Recordo-me
da garagem onde muitos se refugiaram e de ter acabado num telhado dumas
casas térreas junto ao canal na rua paralela nas traseiras da Avenida
Lourenço Peixinho. Era o habitual.
O problema das comemorações dum
evento com estas características é a oscilação entre o “sentido” do
congresso para a actualidade e o balanço que se pode fazer do seu papel
na história da oposição ao regime ditatorial. Esta tensão esteve
presente nas comemorações que teve partes de comício e outras de debate
histórico, sendo que era impossível impedir a impregnação de umas por
outras. Por outro lado, as comemorações recebiam uma herança de
interpretação do congresso de 1973 que está longe de ser inocente,
quanto mais verdadeira.
O Congresso da Oposição Democrática, que
na verdade vinha em sequência de dois anteriores congressos
republicanos, não teve o nome de "congresso republicano" por impedimento
governamental, que, em vésperas das últimas “eleições” legislativas da
ditadura, queria mostrar ao mundo como era possível no Portugal de
Marcelo Caetano, a “oposição” reunir-se legalmente.* Os jornalistas
estrangeiros foram convenientemente apascentados pelo SNI, mas, quando
chegaram a Aveiro, alguns deles foram espancados pela polícia na
manifestação que encerrou o congresso. A operação de propaganda falhou
redondamente.
Este aspecto da história é unívoco e não oferece
dúvidas de interpretação. Já o significado do congresso e os eventos
ocorridos durante a sua realização põem em causa a história
mítico-heróica da oposição, em grande parte escrita pelo PCP e os seus
companheiros de estrada. Aí as coisas são mais complexas e uma história
do congresso já revela alguns aspectos que ainda hoje criam alguma
incomodidade.
Na verdade, o congresso de 1973 foi um evento
importante da história da oposição, mas não foi um acontecimento central
dessa história, apresentado quase como uma antecâmara visionária do 25
de Abril. O congresso inseriu-se mais no quadro institucional clássico
da “unidade” oposicionista na interpretação que lhe dava o PCP do que
introduziu factores de novidade na história da oposição. Desse ponto de
vista, o congresso passou ao lado de muito do que estava a acontecer de
novo e representou mais uma tentativa de hegemonia da oposição por parte
dos comunistas do que uma representação da totalidade dos sectores mais
combativos da oposição, em particular uma grande parte do movimento
estudantil dominado à época pelos esquerdistas e que foram
marginalizados do congresso, ou porque o desejaram, ou porque a isso
foram obrigados pelo sectarismo e controlismo do PCP.
O congresso
não teve uma preparação democrática, nem decorreu democraticamente,
assente que foi na concepção “unitária” da acção política vinda dos
comunistas e que moldava então grande parte da oposição, incluindo
sectores do PS. Em 1973, o PS e o PCP estavam num momento de grande
aproximação política, assinaram um acordo político, subsidiário das
teses “frentistas” do PCP, e tinham no essencial encerrado as
divergências sobre a natureza do “marcelismo” que tinham levado às
listas separadas nas eleições de 1969. Isto não significava que para
muitos socialistas não permanecesse uma desconfiança histórica do PCP,
mas havia uma efectiva deslocação do PS à esquerda, fruto da
radicalização do início da década de 70 e da sensação de que a
liberalização marcelista estava esgotada.
Por isso, sob a férula
do PCP, os sectores mais tradicionais da oposição, os socialistas e os
comunistas, estavam unidos, isolando a direita socialista e
social-democrática e parte dos velhos republicanos que eram
anticomunistas e defensores das colónias portuguesas. Esta “unidade”,
que correspondia às posições teóricas do PCP sobre a estratégia da
oposição, facilitou uma enorme hegemonia dos comunistas sobre todo o
congresso, das teses, muitas vezes com origem nos núcleos regionais e
profissionais onde tinham mais influência, à própria condução dos
trabalhos, constituição das mesas e controlo sobre a ortodoxia das
conclusões.
No entanto, o sector que realmente ficava de fora eram
os esquerdistas, que, desde os chamados “sectores não reformistas da
CDE”, católicos radicalizados, o proto-MES de Jorge Sampaio,
Wengorovius, e outros, e os grupos ligados às comissões de base
socialistas e às brigadas revolucionárias, aos diferentes grupos
maoístas, não só estavam fora do congresso, como o atacavam com
veemência. Ora, bastava esta marginalização do esquerdismo para em 1973
isso significar que o congresso estava longe de representar toda a
oposição e mesmo os sectores mais dinâmicos dessa oposição, em
particular no movimento estudantil e, em embrião, no movimento sindical
renovado que iria dar origem à Intersindical, onde os comunistas
partilhavam o poder com sectores operários e dos serviços, que mais
tarde vão aparecer ligados ao MES.
Na época, estas diferenças de
opinião não eram meigas, nem amigáveis, mas bastante duras. Os “sectores
não reformistas da CDE” escreviam o nome do congresso com “democrático”
entre aspas e os maoístas contestavam o congresso às claras e
organizaram-se durante o seu decurso para, em certas secções, fazer
aprovar moções que os comunistas recusavam. Havia projectos de teses que
tinham ficado pelo caminho, como uma oriunda do PCP (ML) assinada pelos
nomes fictícios de “M. Ribeiro” e “J. Gregório”, na verdade Militão
Ribeiro e José Gregório, nomes de dois dirigentes comunistas já
falecidos, considerados militantes destacados de um PCP que não era
“revisionista”. Era uma clara provocação e foi censurada num processo de
selecção que ninguém controlava.
Este conflito centrou-se durante
o congresso na secção que incluía a “educação”, onde seria suposto
discutir-se o movimento estudantil e que acabou à pancada. Compreende-se
porquê: a maioria da sala era de estudantes esquerdistas, que se tinham
reunido numa dupla clandestinidade em acampamentos e nos pinhais à
volta de Aveiro, para levar o congresso a tomar posições anticoloniais,
sobre a queda do regime e sobre a participação nas eleições, claramente
contra a orientação do PCP. Esses estudantes chegaram a uma sala no
andar superior do cinema onde este decorria e encontraram uma mesa
constituída por militantes do PCP e da UEC que ninguém tinha escolhido e
que fez tudo para evitar votar um documento hostil, acabando a reunião manu militari.
Já contei esse incidente, que me opôs a Lino de Carvalho, e Rui
Bebiano, actual director do Centro de Documentação do 25 de Abril,
contou que nesse dia “fugira” duas vezes, uma do “serviço de ordem do
congresso”, outra dos polícias de choque.
O outro pólo de conflito
no congresso traduziu a mesma vontade de controlo político do PCP e
ocorreu com a tese de Medeiros Ferreira sobre o papel das forças
armadas, apontando quer os riscos de um golpe de direita, quer as
possibilidades de um derrube do regime pelos militares, assente na
trilogia do “descolonizar, democratizar e desenvolver”. Num certo
sentido, essa foi a tese mais premonitória do congresso, violentamente
atacada pelos sectores do PCP. Assisti a essa sessão e recordo-me de ver
uma jovem mulher, claramente comunista, a vociferar contra os militares
que ela, que vivia na Amadora, dizia conhecer muito bem na sua
violência pró-regime.
À data em que enviou a tese para o
congresso, Medeiros Ferreira vivia exilado na Suíça e tinha integrado o
Grupo Revolução Socialista e a revista Polémica, em que ele era
o único que não era ex-comunista, como António Barreto ou Eurico
Figueiredo. A sua reflexão, como a de Manuel Lucena, também colaborador
da Polémica, estava mais próxima de um socialismo radical do
que do esquerdismo predominantemente maoísta, e acompanhava uma mudança
de temas e análises que veio a permitir uma renovação do pensamento da
oposição. O PCP contrariava como podia estas “inovações” esquerdistas,
usando alguns dos seus intelectuais nesse combate, como Vital Moreira
escrevendo sobre Marcuse, ou Sottomayor Cardia discutindo o “pensamento
de Ulianov”, ou seja, Lenine para efeitos de censura.
Foi neste
contexto que se realizou o Congresso da Oposição Democrática e, se
abstrairmos destas mitologias heróicas, podemos dar-lhe a sua verdadeira
dimensão como acto de resistência e coragem, face a um regime que
ninguém pensava que iria acabar um ano depois.
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© José Pacheco Pereira
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