ABRUPTO

5.5.12


RETRATOS DA CRISE


(Sandra Bernardo)


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COISAS DA SÁBADO:  CATÁLOGO  DAS NOVAS CULPAS 


O estado de pecado no homem não é um facto, senão apenas a interpretação de um facto, a saber: de um mal-estar fisiológico, considerado sob o ponto de vista moral e religioso. O sentir-se alguém «culpado» e «pecador», não prova que na realidade o esteja, como sentir-se alguém bem não prova que na realidade esteja bem. Recordem-se os famosos processos de bruxaria; naquela época os juízes mais humanos acreditavam que havia culpabilidade; as bruxas também acreditavam; contudo, a culpabilidade não existia. (Friedrich Nietzsche)

Ser pobre é uma culpa
(Significa não ser competitivo, ser preguiçoso, depender dos subsídios, explorando as novas gerações e hipotecando o seu futuro.)

Ser funcionário público é uma culpa.
 (Viver a expensas dos contribuintes.)

Ser desempregado é uma culpa. 
 (Não ser competitivo no mercado de trabalho, não se ser “empreendedor”.)

Ser desempregado de longa duração é uma culpa. 
(Sinal de preguiça e não-“ajustamento”. Condição sensível à “pieguice”.)

Ser desempregado com mais de quarenta anos é uma culpa. 
(Não se ter “adaptado” a tempo. Condição sensível à “pieguice”.)

Ser desempregado com vinte anos é uma culpa. 
 (Não ter escolhido uma formação com “empregabilidade”.)

Ter estudado História é uma culpa. 
(Escolher ser não-empregável.)

Ter estudado Filosofia é uma culpa. 
(Escolher ser não-empregável.)

Ter estudado Literatura é uma culpa. 
(Escolher ser não-empregável.)

Ter estudado Sociologia é uma culpa. 
(Escolher ser não-empregável.)

Ser de “humanidades” é uma culpa. 
(Escolher ser não-empregável.)

Viver mais do que sessenta e cinco anos é uma culpa
(Ameaça à segurança social por via das reformas.)

Exercer os seus direitos legais à reforma é uma culpa. 
(Significa pensar que se tem direitos quando não se tem nenhum. As carreiras contributivas para a segurança social são mais úteis para controlar o défice.)

Ter nascido entre 1940 e 1950 é uma culpa. 
(Fazer parte da geração maldita dos anos sessenta que tem todas as ideias erradas.)

Ter nascido entre 1950 e 1960 é uma culpa. 
(Fazer parte da geração maldita dos anos setenta, a segunda em perigosidade depois da dos anos sessenta.)

Ter nascido entre 1960 e 1970 é uma culpa. 
 (É a geração do “cavaquismo”, como se sabe, um resquício de um PSD  “social-democrata” anacrónico.)

Ter nascido entre 1970 e 1980 é uma culpa.
 (Idem.)

Estar vivo e adulto em 2012 é uma culpa
(Viveu-se “acima das suas posses”.)

Estar vivo no 25 de Abril de 1974 é uma culpa. 
 (Veja-se este comunicado da JSD:  “”o sucesso da marca do 25 de Abril e da conquista da democracia será tanto maior quanto menos depender dos agentes da mudança de 1974..”)

Não pensar que o 25 de Abril é uma “marca”, é uma culpa. 
(Sinal de “corporativismo” a favor de uma marca duvidosa.)

Ter direitos sociais é uma culpa. 
 (O que é bom é ser-se contra os direitos, em particular quando a família é rica.)

Não ter uma família rica é uma culpa. 
 (Significa que os pais e os avós já não foram competitivos, genética errada.)

Ser sindicalizado é uma culpa. 
(Fazer parte das forças do bloqueio antiquadas que resistem ao “ajustamento”.)

Viver fora de moda é uma culpa. 
(Significa não querer ser competitivo.)

Duvidar do modo como somos governados é uma culpa. 
(Ser-se “socratista” ou “velho do Restelo”.)

(Podia continuar sempre.)

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 EARLY MORNING BLOGS 
 

2202

"Poverty is very good in poems ... in maxims and in sermons, but it is very bad in practical life."

(Henry Ward Beecher, Proverbs from Plymouth Pulpit)

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2.5.12


 EARLY MORNING BLOGS 
 

2201 - Signature Song
 
Bunny Berigan first recorded “I Can’t Get Started”
with a small group that included Joe Bushkin, Cozy Cole
and Artie Shaw in 1936.
Earlier that same year, the song,
written by Ira Gershwin and Vernon Duke,
and rendered as a duet patter number by Bob Hope and Eve
Arden, made its debut on Broadway in The Ziegfeld Follies
By 1937, when Berigan re-recorded it in a big-band setting,
“I Can’t” had become his signature song, 
even though, within a few months, Billie Holiday would record
her astonishing version backed
by Lester Young and the rest of the Basie Orchestra.
 
Lovers for a time, Lee Wiley and Berigan began appearing
together on Wiley’s fifteen-minute CBS radio spot,
Saturday Night Swing Club, in 1936.
Berigan died from alcoholism-related causes on June 2, 1942.
Although “I Can’t Get Started” is perfectly suited to Wiley’s
deep phrasing and succinct vibrato, she recorded the ballad only
once, informally, in 1945, during a Town Hall performance date.
The Spanish Civil War started in 1936 and ended in 1939
with Generalissimo Francisco Franco’s forces entering Madrid.
“I’ve settled revolutions in Spain” goes Gershwin’s lyric, just as odd.
 
(Bill Berkson)

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1.5.12

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QUANTO TEMPO PORTUGAL VAI ESTAR ASSIM?


Quanto tempo Portugal vai estar assim? Não sei, mas suspeito que muito tempo, tempo de mais. "Assim" é como estamos agora, sem esperança, sem futuro, só com presente. Um presente longo, demasiado longo para alguns.

A pergunta é tudo menos técnica, é "social" no seu mais fundo sentido. Pode ser feita por um jovem de 20 anos ou por um homem ou mulher de 40 anos, e, embora a margem de manobra de cada um seja diferente, é a sua vida que depende da resposta, é a sua vida que, se ficar encalhada no presente, fica mal. A pergunta é humanista, num sentido que já não se usa, é uma pergunta que nasce da condição humana, e de pensar sobre disciplinas malditas dos dias de hoje como a História, ou a Literatura, ou a Política, ou a Filosofia.

Tudo coisas que passaram de moda, e que são, para a nossa elite, expendable, inúteis. É típico dos tempos fartos prescindir do pensar, e é por isso irónico que os defensores do primado da economia como "inevitabilidade" (uma típica ideia marxista), e que proclamam as virtudes das vacas magras, mantenham na sua cabeça um típico sinal dos tempos das vacas gordas: o de que não é preciso pensar porque a vida "real" tem a ver com os dilemas que acham simples do produzir e do gastar.

Esta e outras perguntas que é necessário fazer a partir da complexidade do humano, pensado em sociedades em que há a escolha cultural da democracia, remetem de imediato para dilemas éticos, que estão no cerne dessa escolha. Ora, muitos dos dilemas que defronta hoje a sociedade portuguesa são do domínio da ética, e raras vezes os vejo tratados como tais. E para os enunciar, mesmo antes de os tratar, não precisamos de nenhuma proclamação da verdade revelada, nem de nenhum moralismo. É apenas necessário vontade de verdade.

Quanto tempo Portugal vai estar assim? Começa porque este é um dilema do homem comum, não é um dilema para a classe dirigente, nem para a elite do poder, nem para quem tem suficiente folga para escapar com poucos estragos aos tempos de crise. A pergunta só é crucial para alguns, não é para todos e é por isso que o "quanto tempo" só é um problema para quem não vive bem, ou vive cada vez pior. E estamos no primeiro dos dilemas éticos que torna ridícula a comparação churchilliana que às vezes aparece nos discursos dos governantes, atraídos pela retórica do "sangue, suor e lágrimas", sem terem que derramar uma gota, nem fazer um esforço, nem chorar uma lágrima.

O que dá grandeza à tragédia da guerra que Churchill conduziu é que todas as personagens que estão no palco partilham o mesmo risco. Há uma "unidade de perigo", uma consistência no risco comum, a que ninguém escapa. É isto que faz nas guerras os grandes militares que comandam da frente, e dos dirigentes políticos que colocam a cabeça num cepo que não é apenas perder as próximas eleições. Não é o "protagonismo", nem a "liderança", nem o abastardamento da palavra "carisma", nem as palavras de um "politiquês" feito de carreiras políticas profissionais nos interstícios partidários e dos negócios. É a consciência da comunidade, algo de muito raro e muito difícil de conseguir, e que tem a condição sine qua non da partilha do risco. Ora, na actual crise, há demasiadas excepções e as excepções são sempre para os "mesmos" para se forjar um sentimento do "nós".

O resultado é um abismo psicológico cada vez maior que vai tornar Portugal numa sociedade ainda mais dual do que já era, duas partes que sentem diferente, agem diferente e vivem diferente. Numa sociedade já muito deslaçada e fragmentada, este abismo entre pessoas e grupos sociais vai coalescer os fragmentos, um para cada lado, mas não os vai aproximar. É caso dos "novos pobres", que se vão aproximar dos pobres, vão viver como eles, mas não são como eles.

Parte importante da chamada "classe média" está a soçobrar numa pobreza para a qual está longe de estar preparada e adaptada. Aliás, se há coisa para que não há "ajustamento", é a pobreza. Por isso me revolta considerar-se que o empobrecimento é apenas uma "mudança de hábitos", como se subitamente as pessoas escolhessem comer frango em vez de outra carne porque acreditam nas virtudes de poupar, ou como forma de punição por antes "viverem acima das suas posses". Não, as pessoas que passaram a comprar frango de aviário não estão a "adaptar-se", estão pura e simplesmente a escolher não o que desejam, mas o que podem comprar. Um dos dilemas morais dos nossos dias está na obrigação de recusar uma linguagem que impregna os actos de muita gente de culpa e submissão, redimida pela pobreza, como se houvesse qualquer valor moral na pura necessidade.

"Os portugueses têm que aceitar viver de outra maneira". Claro que têm, mas esta frase só pode ser dita se considerarmos que o fazem por necessidade e não por escolha, e que nem todos o fazem. Não há "unidade do perigo", insisto, não é para todos. Esta absurda ideia, talvez aquela que mais legitima a linguagem do poder e a que mais interioriza a culpa - daí a sua eficácia - é a de que um festim colectivo de abundância, de crédito fácil, de dinheiro distribuído a rodos, de benesses várias do Estado, é o principal culpado da actual situação. E o culpado é o homem comum, são aqueles que o "ajustamento" mais ataca para os remeter à sua original condição de pobres, de que nunca deveriam ter saído.

Se é daqui que temos que partir, então vamos encontrar muitos outros "culpados" antes de chegar à família que comprou os sofás, ou que foi de férias, com crédito de consumo, ou comprou casa com dinheiro emprestado da banca. Temos que ir aos bancos que concederam esse crédito porque isso lhes trazia lucro, aos políticos que fizeram toda uma política assente nesta falsa prosperidade, e aos economistas que, então como agora, justificam o presente pela sua inevitabilidade.

Quando ouço falar do "festim do crédito", quem é que é responsável pelo "festim"? Quem deu a festa para recolher lucros, ou participou nela para ter vida mais fácil? A resposta justa é: pelo menos os dois. A injustiça da resposta é que só um aparece como "culpado" do "festim", e só um lhe paga os custos. E se falarmos mesmo dos muitos milhares de milhões que constituem a dívida nacional, que hoje é apontada como um fardo moral para os pobres que "viveram acima das suas posses", com esse plural majestático do "nós", em "nós vivemos acima das nossas posses", eles não foram certamente para o bolso das pessoas comuns que hoje lhes pagam o custo. Não foram os pobres, nem os funcionários públicos, nem a classe média baixa que fez as PPP. O discurso do poder é todo feito para culpabilizar os de baixo, enquanto quase pede desculpa para moderar um pouco os de cima. A resposta dos de baixo é uma rasoira populista e igualitária, que também não promete nada de bom para o futuro.

Há uns imbecis que dizem que falar assim é falar como o Bloco de Esquerda. Não, falar assim é falar como deveriam falar todos aqueles que não vêem a realidade com os olhos do poder e das ideias da moda, e que se esforçam por perceber o sentido último da política em democracia: as pessoas só têm uma vida, e, estragada essa vida, não há outra. É laica a política em democracia, vive da vida terrestre não da vida celeste. E se isso não é a pulsão da política em democracia, o bem comum e concreto das pessoas, então a democracia não sobrevive. Não tenho feitio para Catão, e tudo o que aqui é dito é mais que moderado e devia ser, se não andássemos todos virados para as explicações simplistas e para os slogans dicotómicos dos blogues, sensato. Aliás, a grande traição do PSD, do PS e do CDS é terem deitado fora, ofuscados pelo poder, todas as raízes humanistas, sociais, liberais, e cristãs, do seu pensamento e, pior ainda, do seu "sentimento".

É por isso que anda um Portugal lá fora desiludido, revoltado, deprimido, sem esperança, nem sentido, que, ou cai na mais completa anomia e submissão, ou esbraceja sem sentido contra tudo e contra todos. E a grande tragédia da política democrática é que essas pessoas estão sós, não contam com ninguém a não ser com os restos que ainda subsistem de genuína solidariedade social, e do que sobra da família, estilhaçada pela engenharia "fracturante" das últimas décadas. A elite dirigente, política e económica, sabe pouco desse sentimento de solidão, e, pior ainda, sabe cada vez menos, porque os modos de vida se separam todos os dias, entre o conforto do poder e a devastação da pobreza. O rasgão que isto está a fazer num Portugal já muito puído será muito difícil de remendar. 
 
(Versão do Público de 28 de Abril de 2012.)

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 EARLY MORNING BLOGS 
 

2200


"What potent blood hath modest May."

(Ralph W. Emerson)

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ESPÍRITO DO TEMPO:  HOJE

Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)

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30.4.12


COISAS DA SÁBADO: COMO É QUE VAMOS FICAR SE HOLLANDE QUISER ALTERAR O PACTO ORÇAMENTAL?



No limbo dos que querem mostrar excesso de zelo, assinando solitários um Pacto que cada dia tem menos probabilidade de vir a existir. Se Hollande ganhar as eleições, vai lá querer acrescentar uma adenda que, ou não serve para nada (na boa tradição europeia) e os alemães podem permiti-lo, ou se é para tomar a sério é contraditória com o conteúdo do documento Sarkozy-Merkel, e dividirá os seus originais signatários. Portugal ficará com a Alemanha, já sabemos, mas no meio de um considerável imbróglio legal e constitucional. Como é, vamos aprovar a adenda Seguro proposta neste caso por  Hollande? Vamos recusar essa adenda, o que seria coerente com o discurso de Passos e Gaspar, que contesta os seus pressupostos? Ah! E ainda falta um referendo na Irlanda.

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29.4.12


OS DONOS DO 25 DE ABRIL

 Já o disse e repito: o 25 de Abril foi o dia mais importante da minha vida. Conhecendo na primeira pessoa a perseguição antes do 25 de Abril, estou longe de pensar que só “oposicionistas” ou “resistentes” podem compreender o sabor desse dia. Mais importante do que as circunstâncias pessoais, conhecendo a indignidade do medo colectivo que a PIDE, em particular, gerava na sociedade portuguesa, política (uma pequena minoria) e apolítica (uma enorme maioria), sei muito bem o que significou esse dia sem qualquer ambiguidade. 

O mundo que a minha geração foi a última a viver pode ser personificada nesta história vulgar. Um dia, nos idos de setenta (ou ainda nos de sessenta, já não sei), fui com um grupo de amigos – quatro num Renault 4L – numa viagem para levar um deles ao Colégio de Bragança, onde ia dar aulas. Este era o pretexto, mas na realidade havia outra intenção: reconhecer uma zona de passagem na fronteira livre de PIDE e da Guardia Civil para a usar para fugas, deserções e passagens ilegais. Pelo caminho gozava-se Trás-os-Montes, onde sempre me senti muito em casa. Terra brava, terra fria, terra quente, terra nossa. Era uma viagem nesses anos muito complicada, demorada, trabalhosa, que durava um dia por estradas tão más quanto belas, na dura paisagem dessa parte de Portugal. 

Até Chaves não houve problema, a não ser uma arriscada subida pela parede de uma barragem de que restam umas fotografias que mostram até que ponto havia bravado e irresponsabilidade adolescente em colocar-se numa situação de enorme risco dependurados no precipício. Também as barragens no Norte são bem pouco meigas no seu enorme declive sobre o vazio. Com estas distracções pelo caminho, chegámos a Chaves tarde e cheios de fome. Estava tudo fechado menos um pequeno tasco, onde comemos sopa e broa. De repente, entraram dois homens e o ambiente jocoso da tasca, silenciou-se. Comecei a achar estranha a reacção e ainda mais estranho quando um miúdo, filho do dono do tasco, perguntou ao pai: “o que é que eles querem?” O pai deu-lhe uma bofetada mandou-o calar e sair dali. A violência da cena, de puro medo, ensinou-me mais sobre a ditadura do que qualquer livro. Disse aos meus companheiros para pagarmos e irmos embora e logo a seguir fomos presos pelos dois agentes da PIDE, que era o que o miúdo e pai sabiam quem eles eram. 

Os pides, como mais tarde um deles explicou, “estranhou” que gente da nossa condição social estivesse a comer num tasco e concluiu que devíamos estar a preparar-nos para dar o “salto”. Chaves era a poucos quilómetros da fronteira. Ser preso, nestas circunstâncias, fazia parte dos riscos da função, não me “revoltou” especialmente e acabou por não ter nenhumas consequências. Acabámos por encontrar em Guadramil e no trajecto do Rio Manzanas, um excelente local de passagem que mais tarde utilizei, e o nosso colega foi entregue no Colégio onde, já tarde muito escura, um padre tirado a papel químico dos livros de Aquilino nos ofereceu vinho e um queijo curado tão duro que voava pela mesa e pela sala fora. Era um mundo triste e pícaro, o de Bragança, perdido nos limites de Portugal pobre, rude, violento. Mas, a violência desses breves segundos, e mais algumas cenas a que assisti como espectador nesses anos, ensinou-me muito, para perceber que a política não chega para perceber a devastação dos 48 anos seguidos, sem um dia de liberdade e sem medo. Era esse Portugal que deu aquela bofetada do pai ao filho, ambos aterrorizados pela mera presença dos Pides, e que diz muito do que era uma violência inscrita na normalidade, que, felizmente, hoje quem não a viveu, não a compreende. 

Isso acabou de vez logo na tarde do 25 de Abril, e tudo o resto já não dependeu apenas da liberdade, que passou a haver, mas de outros anjos e demónios demasiado humanos. Mas este medo acabou de vez. É também por isso que me inspira repulsa, repulsa mesmo, a transformação do 25 de Abril no “25 de Abril” programático e ideológico, corporativo até dizer chega para certos militares e de que, há muito, uma certa esquerda vive e que agora dá origem a esse gesto absurdo de faltar às cerimónias onde iam sempre, verdade seja dita, comportando-se sempre como “donos” da coisa. Talvez Mário Soares, que levou Passos Coelho nas palminhas e agora considera-o suficiente demónio para fazer aquilo que aliás já fez de outra vez (contra Cavaco), se lembre que, ano após ano, este mesmo “25 de Abril” era feito contra ele, porque também ele tinha “traído os ideais da revolução”.

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© José Pacheco Pereira
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