A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.
O silêncio incomodado com Angola continua em pleno. Embora aqui tenha causa própria, visto que esta "dinamite cerebral das elites portuguesas" do Jornal de Angola de 26 de Novembro me diz respeito, a verdade é que há aqui muito que justificaria notícia. Depois não digam que não há bruxas...
Aqui vai o editorial completo, com sublinhados meus, já que a política e a comunicação social portuguesa parecem não querer falar mais do assunto:
"Angola tem feito os impossíveis por dar à CPLP a importância que merece
e sobretudo para que cumpra o seu principal objectivo: ser um espaço de
defesa e promoção da Língua Portuguesa, das culturas dos Estados
membros e de solidariedade. Quando ainda Angola estava no meio de uma
guerra de agressão sem precedentes em África, choveram pressões para que
aderíssemos ao projecto. José Eduardo dos Santos, um dia despiu o
camuflado, vestiu o fato e foi a Lisboa participar na fundação da CPLP.
Desde então, Angola tem dado o seu melhor por este projecto de futuro e
que pode ser importantíssimo para os povos que falam a Língua
Portuguesa.
Mas nestes anos há também os que deram o seu pior. As
elites portuguesas que nas últimas décadas partilham o poder em Portugal
tentaram fazer da CPLP aquilo que a França e Inglaterra fizeram no
espaço dos seus antigos impérios. A cultura dos Estados membros é
tratada com desprezo. Foi imposto um Acordo Ortográfico que transforma a
Língua Portuguesa numa coisa que ninguém lê sem tropeçar em obstáculos.
Nos jornais e televisões só interessa aquilo que encaixa no modelo de
oportunismo histórico das elites europeias. No Portugal da CPLP actual,
os governos africanos são tratados como ditaduras corruptas e ferozes,
apesar de realizarem eleições regulares e serem exemplos de democracia,
boa gestão e exercício da cidadania.
Angola não se sente bem nesta
CPLP que recebe mal e persegue os bens e os investimentos dos angolanos
em Portugal, ao mesmo tempo que aumenta como nunca a entrada de
empresários portugueses no mercado angolano, em vários ramos da
economia, incluindo no sector dos Media. Em Portugal os políticos e
jornalistas fazem tudo para manchar e impedir que os negócios dos
empresários angolanos se realizem com normalidade, ou pelo menos nas
mesmas condições de reciprocidade que os seus colegas portugueses
encontram em Angola. Apesar de, desde há muito, haver vários órgãos de
comunicação social em Angola comprados por portugueses, há presentemente
na imprensa lusa uma nojenta campanha contra empresários angolanos que
estariam interessados em investir, legitimamente, neste sector em
Portugal.
As razões de tanto azedume são evidentes. As distorções no
seio da CPLP são provocadas pelas elites portuguesas que não foram
capazes de se libertar dos fantasmas do passado, mesmo aqueles que se
dizem amigos de Angola ou reclamam para si o estatuto de antigos
lutadores anti-colonialistas.
Dou um exemplo. O político português
José Pacheco Pereira foi convidado por mim a vir a este jornal para ver
como aqui se faz jornalismo. Pacheco Pereira é um dos que mostra estar
desactualizado em relação a Angola. Íamos aproveitar a sua presença para
aprender com ele coisas que não sabemos ou sabemos pouco. Queríamos
ouvir as suas críticas, os seus argumentos, as suas opiniões. Os
jornalistas que aqui trabalham ficavam mais ricos.Mas Pacheco
Pereira inviabilizou o convite. Ensinaram-me que quando alguém nos abre
as portas de sua casa, devemos levar alguma coisa. Se formos de mãos
vazias, então é obrigatório levar o coração limpo, amizade e
cordialidade. Pensava eu que Pacheco Pereira se ia apresentar assim em
nossa casa. Mas foi grosseiro e malcriado e reproduziu os defeitos
morais que hoje atravessam a sociedade portuguesa. Os problemas dos
portugueses têm a ver com a falta de civismo e não com um qualquer
problema de falta de competetividade.
Mas Pacheco Pereira fez pior.
Aproveitou-se do meu convite para, mais uma vez, lançar uma diatribe
desatinada contra os dirigentes angolanos. Pacheco Pereira fez as
habituais acusações sem provas, debitou argumentos sem consistência,
mostrou que está encarquilhado pela inveja e o azedume, destilou ódio
dissimulado num discurso pretensamente político. Os colonos quando viam
um angolano com uma camisa nova diziam logo que era ladrão. No tempo do
colonialismo, os angolanos só podiam andar rotos e descalços. Pacheco
Pereira está no mesmo registo. Se aparece um angolano rico, é ladrão.
Está muito enganado. Para mim, os ricos angolanos não são um tabu. Eu
sei donde lhes vem a riqueza. Pelo menos aqueles que eu conheço,
trabalharam muito, comeram o pão que o diabo amassou, arriscaram a vida
dias, meses e anos seguidos. Merecem a riqueza que têm. Oxalá muitos
mais angolanos enriqueçam.
Os países ocidentais, inclusive Portugal,
disseram aos angolanos que tinham de aderir à economia de mercado.Angola
aderiu ao capitalismo que Pacheco Pereira bem conhece. E cá estamos
nessa via. As riquezas do Estado passaram para as mãos de privados,
desde as casas onde viviam até aos espaços comerciais, às fazendas,
propriedades industriais, minas e tudo o que era estatal. Essas riquezas
são propriedade de angolanos. Angola tem direito a ter uma burguesia
nacional que seja cada vez mais forte e mais rica. Que todos os
angolanos sejam ricos! E no mínimo que todos vivam na paz e na
abundância. Ricos, remediados e pobres, todos em Angola estão apostados
em conseguir esse objectivo.
Nos últimos dez anos a pobreza caiu em
Angola mais de 40 por cento. Até ao fim da actual legislatura, esses
números vão ser ainda mais expressivos. A pobreza em Angola tem os dias
contados. É por isso que os angolanos, dentro do espírito de amizade e
solidariedade para com o Povo Português irmão, fazem grandes
investimentos em Portugal. Recebem de braços abertos empresários e
trabalhadores que em Angola querem governar a sua vida ao mesmo tempo
que nos ajudam a resolver os muitos problemas que ainda temos.É por
isso que os cofres de Angola têm cada vez mais riqueza e o Estado Social
é potente. No próximo ano, o Orçamento de Estado reforçou as verbas
para a Saúde e Educação. Os especialistas dizem que ainda é pouco. Em
2014 temos de melhorar ainda mais nesses campos.
A única coisa que
dispensamos é a pobreza de espírito, a mediocridade de intelectuais
ignorantes, as agressões por actos e palavras aos nossos dirigentes
políticos, democraticamente eleitos e que são alvos de investigações e
perseguições abusivas dos poderes em Portugal. Se os políticos angolanos
da oposição forem agredidos, também os defendemos sem hesitar. Só
excluo aqueles de quem as elites portuguesas se servem para atacar
Angola e embaciar a sua imagem. A pobreza em Angola está em forte
queda, mas em Portugal, as elites políticas esvaziaram os cofres do
Estado e estão a empobrecer os portugueses de uma forma que mete pena. Lá,
sim, é preciso investigar por que a pobreza está a aumentar e é preciso
saber para onde foi o dinheiro dos portugueses. E é fácil. Basta saber
qual era o património dos velhos políticos antes do 25 de Abril de 1974 e
qual é agora. Quanto aos políticos mais novos, basta saber qual era o
seu património antes de entrarem para a política e qual é agora. Os
políticos e jornalistas portugueses devem deixar de usar o nome de
Angola para esconder as suas traficâncias e os escândalos de corrupção
que conduziram fatalmente à crise.
Lembro que em Portugal os governos
também ofereceram os bancos nacionalizados a grandes empresários
portugueses. O actual Governo ofereceu as “golden share” a privados,
quando se sabe, pelo exemplo da Portugal Telecom, que elas eram
extremamente valiosas. Espero que Pacheco Pereira se pronuncie sobre
isso mas sem cair na sua dinamite cerebral, na calúnia e na mentira,
como fez em relação aos angolanos. Os seus parceiros de debate na
Quadratura do Círculo são juristas sabedores, inclusive o moderador.
Pergunte-lhes o que é o Direito à Inviolabilidade Pessoal. Pode ser que
tenha mais cuidado com o que diz. Por fim, um conselho: leia o meu
editorial sobre a manchete falsa do “Expresso”. Se o fizer não vai dizer
que eu insultei e ameacei. Esse não é o nosso estilo. "
O que me admira é que, após a resposta que dei ao convite do Jornal de Angola na Quadratura do Círculo, que justifica este editorial, tenha caído um grande silêncio sobre essa matéria. Admirar, na verdade, não me admira. Agora ninguém pode deixar de estar atento a este editorial do jornal que exprime as opiniões do governo angolano. Tudo nele é revelador e interessante. Merecia muito mais atenção, mas as coisas são como são. Ou melhor, as coisas estão como estão. Aqui dá-se-lhe atenção.
Men duly understand the river of life, misconstruing it, as it widens and its cities grow dark and denser, always farther away. And of course that remote denseness suits us, as lambs and clover might have if things had been built to order differently. But since I don’t understand myself, only segments of myself that misunderstand each other, there’s no reason for you to want to, no way you could even if we both wanted it. Do those towers even exist? We must look at it that way, along those lines so the thought can erect itself, like plywood battlements.
Since all that beat about in Nature's range, Or veer or vanish; why should'st thou remain The only constant in a world of change, O yearning Thought! that liv'st but in the brain? Call to the Hours, that in the distance play, The faery people of the future day- Fond Thought! not one of all that shining swarm Will breathe on thee with life-enkindling breath, Till when, like strangers shelt'ring from a storm, Hope and Despair meet in the porch of Death! Yet still thou haunt'st me; and though well I see, She is not thou, and only thou are she, Still, still as though some dear embodied Good, Some living Love before my eyes there stood With answering look a ready ear to lend, I mourn to thee and say-'Ah! loveliest friend! That this the meed of all my toils might be, To have a home, an English home, and thee!' Vain repetition! Home and Thou are one. The peacefull'st cot, the moon shall shine upon, Lulled by the thrush and wakened by the lark, Without thee were but a becalméd bark, Whose Helmsman on an ocean waste and wide Sits mute and pale his mouldering helm beside.
And art thou nothing? Such thou art, as when The woodman winding westward up the glen At wintry dawn, where o'er the sheep-track's maze The viewless snow-mist weaves a glist'ning haze, Sees full before him, gliding without tread, An image with a glory round its head; The enamoured rustic worships its fair hues, Nor knows he makes the shadow, he pursues!
ESQUERDA MOLE, ESQUERDA DURA E ESQUERDA VIOLENTA (1)
1. Escrevo a um dia da greve geral e depois das manifestações contra Merkel, mas penso que o dia da greve não alterará muito do que aqui fica registado. Quem esteja atento à conflitualidade social e política, expressa publicamente através de manifestações, protestos e greves, percebe que ela está a chegar a um impasse claro na sua mobilização e nos seus efeitos. Cresceu, cresceu muito, mas parece ter atingido um limite difícil de ultrapassar. Apenas os movimentos de conteúdo mais corporativo, abrangendo sectores profissionais, têm vindo a aumentar e a consolidar a sua reivindicação pública, como é o caso dos polícias, dos estivadores e dos militares.
2. O governo escusa de ficar contente com este facto, porque a imensa raiva que a sua política está a gerar, a profunda desconfiança com governantes e políticos, o sentimento de incompetência, desprezo, insensibilidade, mesmo traição, esse está a crescer exponencialmente. Quando em Janeiro de 2013, tudo piorar ainda mais, e quando em meados de 2013, novas medidas de austeridade mais gravosas tiverem que ser aplicadas face a mais um incumprimento dos números da troika, o governo fará outra edição do “custe o que custar”, e essa raiva será a pior das conselheiras. Mas isso é o quadro mais amplo, o fundo,
3. As manifestações como a de 15 de Setembro e a contra Sócrates no ano passado são de natureza diferente. Elas mostram uma recusa generalizada da elite partidária do poder, mas em muitos aspectos não diferem da actual “narrativa” governamental sobre as causas da crise, em particular o “viver acima das nossas posses”. É por isso, que podem facilmente ser “engolidas” pelo poder político, sem consequências. Nelas se encontram as pessoas que protestam contra os cortes nas pensões, mas são contra as greves; as que acham um abuso os impostos, mas pensam que os trabalhadores da função pública têm regalias a mais, e por aí adiante. Não são por isso “de esquerda”.
PETIÇÃO: AS EMPRESAS COMO A EMEL NÃO SÃO AUTORIDADE
A autoridade do estado não é privatizável, convém lembrar isto em tempos de “refundação”. Ou não deve ser. Ela depende de um “due process”, que tem que ser legitimado, respeitado e “processado” por pessoas que representam a autoridade, em nome dos interesses públicos, do estado, ou seja de todos nós. O caso da EMEL é um entre muitos da contínua erosão das nossas liberdades em nome da eficácia do poder.
É abusiva a actuação da EMEL (Empresa Pública Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa) e desviada da sua real missão. Sendo uma empresa, constituída como tal, não deve ter poderes conferidos habitualmente às autoridades estatais. Esta ou outra empresa, sendo pública ou privada. Os colaboradores da EMEL tem equiparação a agentes da autoridade administrativa através do Decreto-Lei nº 327/98 de 2 de Novembro. O que lhes permite aplicar sanções, bloquear e remover veículos.
Não obstante a importância da fiscalização no ordenamento e gestão do transito na cidade de Lisboa, entendemos que este não deve ser realizado por uma empresa, que como outras, se preocupa essencialmente com os seus resultados financeiros e não com o ordem pública. Posto isto, exige-se a revogação do Decreto-Lei acima mencionado.
Assino por baixo.
*
EMEL - Acerca da pesporrência
O motociclo que aqui se pode apreciar estacionado numa paragem da Carris
da Av. de Roma era conduzido (em 24 de Agosto passado) por
um dos 3 fiscais da EMEL que se vêem na imagem. Ele não gostou que a cena estivesse a ser documentada,
e interpelou o fotógrafo nos seguintes termos: «O senhor não pode
fotografar essa moto!».
Não obtendo qualquer resposta, intimou-o então a apagar a foto,
ameaçando chamar a polícia para que isso fosse feito. Continuando a não
obter resposta, pegou no telemóvel como se estivesse a passar a ameaça à
prática.
Por fim, talvez por se aperceber da figura que estava a
fazer (falando sozinho), desabafou com esta frase, que nunca mais esquecerei: «O senhor não pode andar por aí a fotografar o que quer e lhe apetece!».
Nunca tendo recebido uma única palavra de resposta, meteu-se na maquineta e desapareceu...
PETIÇÃO: PROIBIÇÃO DE TELEMÓVEIS NO INTERIOR DAS ASSEMBLEIAS DE VOTO
O direito ao silêncio, a não ter que ser obrigado a estar sempre presente, e a combater a logomaquia telefónica o dia inteiro, com as suas manipulações e controles, aplica-se como uma luva a esta aberração:
O sistema democrático, tal qual o conhecemos, foi concebido de forma a garantir a total liberdade dos cidadãos a quando da escolha dos seus representantes no Parlamento. Esta escolha, como todos sabemos, é feita através de voto secreto depositado em urna por forma a que ninguém possa saber qual a opção de cada um de nós para que a liberdade de escolha esteja garantida.
Não é por acaso que o simples acto de colocar a cruzinha no boletim de voto é feito de forma reservada, longe da vista de todos. Não é por acaso que o eleitor vota sozinho sem que possa comunicar com ninguém
Há várias, mas uma defende um referendo sobre o Acordo, o que me parece bem. Democratizava a discussão do Acordo, que mexe em matérias que têm a ver com a nossa identidade e com sua percepção colectiva, e desbloqueava a inércia que vai permitindo que um Acordo que ninguém deseja faça um caminho perverso pela indiferença de uns e a revolta de outros. E como é uma matéria de consciência e identidade, justifica-se
“um Referendo sobre a adopção do Acordo Ortográfico!
(…) A Língua é a nossa pátria. Figuras como o Padre António Vieira e Fernando Pessoa defendiam esta concepção.
A nossa Língua pertence-nos, a todos Nós, cidadãos portugueses, e não a uma deliberação governamental. E a Nós compete-nos cuidar dela. (…) A Nossa Língua é parte da Nossa identidade. “
O pretexto foi o caso da tese de Sérgio Denicoli sobre a TDT, e o modo comoa sua implementação apareceu “capturada” pela PT, com a anuência da ANACOM, e o processo que lhe foi movido pela PT, com o silêncio incomodado da Universidade que lhe concedeu o grau académico pela tese. Esta é uma matéria muito grave sobre a promiscuidade dos interesses entre decisões políticas, interesses de grandes empresas e entidades reguladoras, o problema de fundo têm a ver com a “respiração” que é possível ter nos dias de hoje, mesmo no espaço académico, face aos poderes instalados. Aí se defende a afirmação
“perante a sociedade e os diferentes poderes – político, económico ou outro - que a liberdade académica é um requisito essencial da actividade científica e que devem ser vigorosamente combatidas as tentativas de a pôr em causa. Chamar a atenção para a relevância social das investigações que se propõem contribuir para iluminar os problemas e situações com que se debatem as sociedades em que vivemos;
(…) Denunciar publicamente toda e qualquer tentativa que pretenda condicionar a investigação científica e atemorizar ou silenciar os investigadores. "
« Quand on n’a pas d’argent à offrir aux pauvres, il vaut mieux se
taire. Quand on leur parle d’autre chose que d’argent, on les trompe, on
ment, presque toujours. »
Talvez o mais importante problema que afecta a nossa liberdade de imprensa para além da crise geral, e como parte dela, é o modo como os interesses angolanos se movem para dominar e controlara informação em Portugal. Por isso, será muito relevante ver como é tratada a questão das investigações criminais de altos responsáveis do regime angolano, com fugas ou sem fugas, visto que isso é outro problema. O Jornal de Angola já fez as ameaças do costume, com a chantagem e intimidação habitual. Agora vamos ver quem se deixa intimidar ou quem já está do outro lado, do lado dos intimidadores, ou porque foi vendido, ou porque foi comprado, ou porque já é apenas um voz do poder corrupto angolano.
A comunicação social do estado, em particular a RTP, que está presente em Angola, e jornais como o Sol, têm aqui uma prova de fogo. O Expresso e o Público, pelo menos, já a passaram com distinção, mas o editorial do Jornal de Angola não pode ficar sem resposta.
ATACAR O DIABO EXTERIOR PARA ESCONDER OS DEMÓNIOS INTERIORES
Uma
parte importante do país sairá à rua para "receber mal a senhora
Merkel". Durante um dia, a rua transpirará de injunções contra a
chanceler puritana, luterana, protestante, severa, insensível,
inflexível, "vinda do Leste", contra a Alemanha opulenta, rica,
exploradora dos povos, "dona da Europa", racista, nazi reciclada,
responsável pelo Holocausto, que é feia e gorda e veste mal, tendo
inclusive cometido o pecado capital de usar duas vezes o mesmo vestido
em público.
A Igreja Católica Apostólica Romana, hipócrita,
pecadora, indulgente, ferida pelas marteladas de Lutero na porta da
igreja do castelo de Wittenberg, complexada pela superioridade moral do
monge e pela sua defesa do "arrependimento verdadeiro" versus "a
moeda que tilintando no fundo da caixa das esmolas libertava uma alma do
Purgatório", gostará desta demonização do puritanismo protestante. As
almas sensíveis dos artistas do "1% para a cultura" sentir-se-ão
violentadas pela "inflexibilidade" inumana da senhora, certamente fruto
da sua pouca atenção à Documenta de Kassel. Os comunistas vingar-se-ão
do fim da gloriosa e tecnologicamente ímpar República Democrática Alemã,
fruto das melhores tradições de Luxemburgo, Liebknecht e Thaelmann, e
também de Erich Honnecker aos beijos a Brejnev. A turba deprimida do
nosso jet-set nacional e das bocas no Twitter rejubilará com
aquilo que acha ser a grosseria de traços da mulher alemã, que investe
nos palcos do mundo como um "paquiderme", levando tudo à frente como se
fosse um tanque. De arianas eles preferem as princesas de Fürstenberg
modernas, vagamente raçadas de Paris Hilton, entre a Hola de
direita e o Twitter imbecil da esquerda que cintila de trivialidades. Em
suma, uma salada de motivos para "receber mal a senhora Merkel" e eu
adoço a coisa por educação, porque é para correr "a" Merkel lá para a
fora.
Mas haverá dois pequenos grupos de portugueses que ficarão
particularmente felizes com o palco ocupado por meia dúzia de dias pela
senhora Merkel: os fãs de José Sócrates e a dupla Passos Coelho-Relvas e
os seus propagandistas. Cada insulto à chanceler personifica o
provérbio de que enquanto o pau vai e vem, folgam as costas. O ódio a
Merkel concentrará as atenções na Alemanha, na Europa, nos factores
externos da nossa miséria, e isso será eficaz "para fazer folgar as
costas", porque realiza a junção de queixas à direita e à esquerda.
Quando
as queixas são, como se diz, transversais, tornam-se muito poderosas e
eficazes. E quer aos europeístas que desejam o federalismo e o fim de
toda a soberania nacional nuns Estados Unidos da Europa, quer aos
nacionalistas anti-euro, quer aos "indignados" anarquistas e os
populistas saudosos de Salazar, a senhora Merkel é um alvo propício, com
a enorme vantagem de unir "socratistas" e "passistas" na abjuração do
exterior, do estrangeiro, da conspiração dos mercados e dos bancos, da
falta de investimento alemão, das taxas de juro "usurárias", da
fidelidade canina ou da negação pavloviana da troika, tudo vai dar a Merkel.
A
senhora tem responsabilidades, mas convém não nos iludirmos: o mal está
cá, o diabo exterior não pode esconder a corte de demónios interiores
que nos assombram. Merkel personifica os factores externos da crise que
só um cego diria não existirem, mas reduzir a crise que atravessamos aos
seus condicionantes externos é um exercício de desresponsabilização que
é central na propaganda de legitimação de Sócrates e Passos Coelho, mas
ilude-nos quanto à realidade.
De quem é a responsabilidade da
crise de 2011? Sócrates em primeiro, segundo, terceiro, enésimo lugar, e
no lugar enésimo mais um acrescenta-se Passos Coelho. A "narrativa", ou
seja, o argumentário que hoje alimenta os mais esclarecidos defensores
de Sócrates, António Costa, Pedro Silva Pereira e Santos Silva assenta
numa combinação de factores externos agindo na linha cronológica como
causas. Primeiro, a crise "tóxica" da banca ameaçou destruir o sistema
financeiro, o que explica o salvamento do BPN. Depois, em resposta a
esta crise, segue-se uma política europeia expansionista, disparando os
gastos públicos com permissão táctica de violação dos défices, o que
explica coisas como a Parque Escolar. Depois, crise das dívidas
soberanas, motivada pela revelação das mentiras das contas gregas, e
descalabro dos juros por causa da Grécia. Em resposta, liderada pela
mesma Alemanha que tinha mandado gastar no mês passado, manda-se no mês
seguinte travar às quatro rodas a política keynesiana do atirar dinheiro
à crise.
Sócrates, endividado até aos limites, fica entalado em
ano eleitoral, e, após as eleições, inicia a austeridade com os PEC,
com o beneplácito activo da senhora Merkel, que lhe teria prometido
cobertura (não se sabe bem como e até quando). Tudo factores externos. A
esses factores externos soma-se um interno, o voto contra o PEC IV,
resultado de uma conspiração de Cavaco e de uma acção de Passos Coelho.
Esta recusa do PEC, associada a uma "traição" de Teixeira dos Santos,
precipita a entrada da troika e a derrota eleitoral clamorosa de Sócrates.
Esta
sequência tem o mérito de ser uma "narrativa", o que sempre é melhor do
que o silêncio incomodado das hostes de Seguro, que deixa o PS sempre a
perder, quando o PSD e o CDS vêm com a história (aliás, por confirmar)
de que dali a uma semana não havia dinheiro para pagar salários, mas é
falsa. Ignora um aspecto essencial da nossa crise, que tornou o disparo
exponencial dos juros nos mercados inevitável e imparável, fechando-nos
os mercados, e que tinha a ver com o nosso descalabro da dívida e do
défice, resultado das políticas dos governos PS. Quem fez as PPP, quem
criou os Magalhães, quem aumentou os funcionários públicos em vésperas
de eleições não foi a senhora Merkel, para não ir mais longe.
De
quem é responsabilidade da crise de 2012? De Passos Coelho, Relvas e
Gaspar. De Relvas, porque com ele, o Governo está sempre no estado de
zombie, de Gaspar, porque caminha sem um segundo de dúvida para
"ajustar" o navio ao icebergue, com o rumo à latitude 41º 46" Norte e à
longitude 50º 14" Oeste. De Passos Coelho, por tudo isto e tudo o mais.
Também aqui os factores externos não explicam as sucessivas previsões
erradas, a ignorância profunda do país, no plano social e económico, a
incompetência generalizada, o governar em cima do joelho aos arranques e
recuos, a incapacidade de aprender com os erros, a arrogância face aos
sofrimentos dos portugueses, a destruição sistemática do país, em nome
de um profetismo "refundador" de pacotilha que só a ignorância
justifica. A culpa não é certamente da senhora Merkel.
Por isso,
protestem contra senhora Merkel, se entenderem, porque ela também não é
inocente, mas não se iludam quanto às responsabilidades principais. Em
Paris, no Quartier Latin, e em S. Bento, haverá um grande sorriso,
enquanto os portugueses se esforçarem para exorcizar um Lúcifer e
longínquo e deixarem povoar o quarto de poltergeist, fantasmas e legiões de demónios secundários. Mais vale ler a Pseudomonarchia Daemonum e rezar a S. Bartolomeu, que sabia de demónios.
O início do texto parece uma repetição do anúncio do António Sala - “ Portugal assiste a uma grave crise financeira e económica” – mas depois há uma proposta séria e que hoje mais que se justifica para combater a partidocracia:
“permitir que grupos e movimentos de cidadãos tenham a capacidade e a possibilidade de estarem representados na Assembleia da República, fora do âmbito tradicional dos partidos(…) Esta mudança manteria a Constituição da República Portuguesa a par da mudança social a que o país assistiu nos últimos 30 anos e, estamos certos, contribuiria para aumentar a participação cívica em Portugal. Assim, os portugueses abaixo-assinados, ao abrigo do direito de petição, solicitam que os deputados à Assembleia da República, aquando da abertura do próximo processo de revisão constitucional:
Proponham a alteração do n.º 1 do artigo 151º da Constituição da República Portuguesa de modo a que este passe a permitir a candidatura de grupos de cidadãos independentes à Assembleia da República.
Não é uma panaceia universal. Implica algumas ilusões, mas permite moderar a partidocracia diminuindo a hegemonia dos partidos sobre a representação política. Em anexo, outras petições defendem a criação de partidos regionais e a ordenação dos deputados pelos eleitores nas listas. Seria interessante ver o que aconteceria a Relvas e outros candidatos numa eleição em que existisse essa possibilidade.
Assino por baixo destas propostas.
*
Este documento foi realizado tendo em
conta as participações, concordantes ou discordantes, dos cidadãos que
diariamente comentaram o grupo de Facebook do MIRE. A todos, o nosso sincero
agradecimento.
Acreditamos que a alteração do artigo nº 151 da Constituição
de República Portuguesa, de forma a permitir que os cidadãos se representem
parlamentarmente através de partidos e movimentos cívicos, trará benefícios
para o nosso regime democrático e Republicano:
- Uma maior representatividade eleitoral, onde os
partidos abandonam o seu monopólio percebido pelo eleitor. Isso leva a uma
maior credibilização do sistema eleitoral e consequentemente do Regime e
acreditamos levar a uma menor taxa de abstenção;
- Maior envolvimento de grupos de cidadãos, através
de movimentos onde não existe a necessidade de compromisso com uma hierarquia
partidária ou com outros programas eleitorais também leva a uma menor taxa de
abstenção, pela valorização que estes fazem do Poder envolvido no sistema
eleitoral.
- A criação de Movimentos dá maior destaque às
Causas em detrimento de doutrinas. Causas permitem mobilizar directamente
cidadãos que, não querendo ter um compromisso continuado com uma estrutura
política, sentem necessidade de participarem na vida política nacional
- Um Movimento, não sendo uma estrutura perene de
Poder, não tem naturalmente uma estrutura hierárquica, tendo uma organização
mais horizontal e de acesso mais directo ao cidadão;
– Uma Causa permite uma melhor avaliação do programa
eleitoral dum Movimento. Torna-se mais fácil e óbvio avaliar se a Causa foi
atingida.
- Um parlamento de debate entre cidadãos
comprometidos com uma causa e políticos com compromissos partidários permitirá
um maior acesso dos cidadãos ao Parlamento e aos partidos – o que se traduzirá
decerto por uma maior compreensão popular da actividade partidária, das razões
das decisões tomadas;
- A maior interacção com movimentos de cidadania
permitirá aos partidos entrarem em contacto com a realidade social nacional,
adaptarem-se ao que esta valoriza e sobretudo regenerarem-se, de forma a
deixarem de ser apenas Escolas de Poder e serem igualmente Escolas de Politica
e de Cidadania
- Aumento da Cidadania produtiva, ao invés duma
cidadania destrutiva e moralista que se sente amordaçada e sem
representatividade.
Se mais participarmos, seremos melhores.
(MIRE Movimento para a Representatividade Eleitoral)