A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração.
E, nalguns casos, de respiração assistida.
O silêncio incomodado com Angola continua em pleno. Embora aqui tenha causa própria, visto que esta "dinamite cerebral das elites portuguesas" do Jornal de Angola de 26 de Novembro me diz respeito, a verdade é que há aqui muito que justificaria notícia. Depois não digam que não há bruxas...
Aqui vai o editorial completo, com sublinhados meus, já que a política e a comunicação social portuguesa parecem não querer falar mais do assunto:
"Angola tem feito os impossíveis por dar à CPLP a importância que merece
e sobretudo para que cumpra o seu principal objectivo: ser um espaço de
defesa e promoção da Língua Portuguesa, das culturas dos Estados
membros e de solidariedade. Quando ainda Angola estava no meio de uma
guerra de agressão sem precedentes em África, choveram pressões para que
aderíssemos ao projecto. José Eduardo dos Santos, um dia despiu o
camuflado, vestiu o fato e foi a Lisboa participar na fundação da CPLP.
Desde então, Angola tem dado o seu melhor por este projecto de futuro e
que pode ser importantíssimo para os povos que falam a Língua
Portuguesa.
Mas nestes anos há também os que deram o seu pior. As
elites portuguesas que nas últimas décadas partilham o poder em Portugal
tentaram fazer da CPLP aquilo que a França e Inglaterra fizeram no
espaço dos seus antigos impérios. A cultura dos Estados membros é
tratada com desprezo. Foi imposto um Acordo Ortográfico que transforma a
Língua Portuguesa numa coisa que ninguém lê sem tropeçar em obstáculos.
Nos jornais e televisões só interessa aquilo que encaixa no modelo de
oportunismo histórico das elites europeias. No Portugal da CPLP actual,
os governos africanos são tratados como ditaduras corruptas e ferozes,
apesar de realizarem eleições regulares e serem exemplos de democracia,
boa gestão e exercício da cidadania.
Angola não se sente bem nesta
CPLP que recebe mal e persegue os bens e os investimentos dos angolanos
em Portugal, ao mesmo tempo que aumenta como nunca a entrada de
empresários portugueses no mercado angolano, em vários ramos da
economia, incluindo no sector dos Media. Em Portugal os políticos e
jornalistas fazem tudo para manchar e impedir que os negócios dos
empresários angolanos se realizem com normalidade, ou pelo menos nas
mesmas condições de reciprocidade que os seus colegas portugueses
encontram em Angola. Apesar de, desde há muito, haver vários órgãos de
comunicação social em Angola comprados por portugueses, há presentemente
na imprensa lusa uma nojenta campanha contra empresários angolanos que
estariam interessados em investir, legitimamente, neste sector em
Portugal.
As razões de tanto azedume são evidentes. As distorções no
seio da CPLP são provocadas pelas elites portuguesas que não foram
capazes de se libertar dos fantasmas do passado, mesmo aqueles que se
dizem amigos de Angola ou reclamam para si o estatuto de antigos
lutadores anti-colonialistas.
Dou um exemplo. O político português
José Pacheco Pereira foi convidado por mim a vir a este jornal para ver
como aqui se faz jornalismo. Pacheco Pereira é um dos que mostra estar
desactualizado em relação a Angola. Íamos aproveitar a sua presença para
aprender com ele coisas que não sabemos ou sabemos pouco. Queríamos
ouvir as suas críticas, os seus argumentos, as suas opiniões. Os
jornalistas que aqui trabalham ficavam mais ricos.Mas Pacheco
Pereira inviabilizou o convite. Ensinaram-me que quando alguém nos abre
as portas de sua casa, devemos levar alguma coisa. Se formos de mãos
vazias, então é obrigatório levar o coração limpo, amizade e
cordialidade. Pensava eu que Pacheco Pereira se ia apresentar assim em
nossa casa. Mas foi grosseiro e malcriado e reproduziu os defeitos
morais que hoje atravessam a sociedade portuguesa. Os problemas dos
portugueses têm a ver com a falta de civismo e não com um qualquer
problema de falta de competetividade.
Mas Pacheco Pereira fez pior.
Aproveitou-se do meu convite para, mais uma vez, lançar uma diatribe
desatinada contra os dirigentes angolanos. Pacheco Pereira fez as
habituais acusações sem provas, debitou argumentos sem consistência,
mostrou que está encarquilhado pela inveja e o azedume, destilou ódio
dissimulado num discurso pretensamente político. Os colonos quando viam
um angolano com uma camisa nova diziam logo que era ladrão. No tempo do
colonialismo, os angolanos só podiam andar rotos e descalços. Pacheco
Pereira está no mesmo registo. Se aparece um angolano rico, é ladrão.
Está muito enganado. Para mim, os ricos angolanos não são um tabu. Eu
sei donde lhes vem a riqueza. Pelo menos aqueles que eu conheço,
trabalharam muito, comeram o pão que o diabo amassou, arriscaram a vida
dias, meses e anos seguidos. Merecem a riqueza que têm. Oxalá muitos
mais angolanos enriqueçam.
Os países ocidentais, inclusive Portugal,
disseram aos angolanos que tinham de aderir à economia de mercado.Angola
aderiu ao capitalismo que Pacheco Pereira bem conhece. E cá estamos
nessa via. As riquezas do Estado passaram para as mãos de privados,
desde as casas onde viviam até aos espaços comerciais, às fazendas,
propriedades industriais, minas e tudo o que era estatal. Essas riquezas
são propriedade de angolanos. Angola tem direito a ter uma burguesia
nacional que seja cada vez mais forte e mais rica. Que todos os
angolanos sejam ricos! E no mínimo que todos vivam na paz e na
abundância. Ricos, remediados e pobres, todos em Angola estão apostados
em conseguir esse objectivo.
Nos últimos dez anos a pobreza caiu em
Angola mais de 40 por cento. Até ao fim da actual legislatura, esses
números vão ser ainda mais expressivos. A pobreza em Angola tem os dias
contados. É por isso que os angolanos, dentro do espírito de amizade e
solidariedade para com o Povo Português irmão, fazem grandes
investimentos em Portugal. Recebem de braços abertos empresários e
trabalhadores que em Angola querem governar a sua vida ao mesmo tempo
que nos ajudam a resolver os muitos problemas que ainda temos.É por
isso que os cofres de Angola têm cada vez mais riqueza e o Estado Social
é potente. No próximo ano, o Orçamento de Estado reforçou as verbas
para a Saúde e Educação. Os especialistas dizem que ainda é pouco. Em
2014 temos de melhorar ainda mais nesses campos.
A única coisa que
dispensamos é a pobreza de espírito, a mediocridade de intelectuais
ignorantes, as agressões por actos e palavras aos nossos dirigentes
políticos, democraticamente eleitos e que são alvos de investigações e
perseguições abusivas dos poderes em Portugal. Se os políticos angolanos
da oposição forem agredidos, também os defendemos sem hesitar. Só
excluo aqueles de quem as elites portuguesas se servem para atacar
Angola e embaciar a sua imagem. A pobreza em Angola está em forte
queda, mas em Portugal, as elites políticas esvaziaram os cofres do
Estado e estão a empobrecer os portugueses de uma forma que mete pena. Lá,
sim, é preciso investigar por que a pobreza está a aumentar e é preciso
saber para onde foi o dinheiro dos portugueses. E é fácil. Basta saber
qual era o património dos velhos políticos antes do 25 de Abril de 1974 e
qual é agora. Quanto aos políticos mais novos, basta saber qual era o
seu património antes de entrarem para a política e qual é agora. Os
políticos e jornalistas portugueses devem deixar de usar o nome de
Angola para esconder as suas traficâncias e os escândalos de corrupção
que conduziram fatalmente à crise.
Lembro que em Portugal os governos
também ofereceram os bancos nacionalizados a grandes empresários
portugueses. O actual Governo ofereceu as “golden share” a privados,
quando se sabe, pelo exemplo da Portugal Telecom, que elas eram
extremamente valiosas. Espero que Pacheco Pereira se pronuncie sobre
isso mas sem cair na sua dinamite cerebral, na calúnia e na mentira,
como fez em relação aos angolanos. Os seus parceiros de debate na
Quadratura do Círculo são juristas sabedores, inclusive o moderador.
Pergunte-lhes o que é o Direito à Inviolabilidade Pessoal. Pode ser que
tenha mais cuidado com o que diz. Por fim, um conselho: leia o meu
editorial sobre a manchete falsa do “Expresso”. Se o fizer não vai dizer
que eu insultei e ameacei. Esse não é o nosso estilo. "
O que me admira é que, após a resposta que dei ao convite do Jornal de Angola na Quadratura do Círculo, que justifica este editorial, tenha caído um grande silêncio sobre essa matéria. Admirar, na verdade, não me admira. Agora ninguém pode deixar de estar atento a este editorial do jornal que exprime as opiniões do governo angolano. Tudo nele é revelador e interessante. Merecia muito mais atenção, mas as coisas são como são. Ou melhor, as coisas estão como estão. Aqui dá-se-lhe atenção.