ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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30.4.11
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NUNCA É TARDE PARA APRENDER: A AL QAEDA POR QUEM SABE
Bruce Riedel, In Search of Al Qaeda: Its Leadership, Ideology and Future, Brookings, 2008. (Em breve.) Um excelente livro! Pode não se concordar com algumas das propostas do autor no capítulo final (apresentadas a pedido de Obama), mas Riedel é sem dúvida um dos homens da administração americana com mais conhecimento sobre os movimentos jihadistas e sobre a política de países como Arábia Saudita, ou o Paquistão. Alto quadro da CIA e consultor de vários Presidentes, académico e participante em think tanks associados à Defesa e à política externa no Médio Oriente, Riedel esteve presente em muitas reuniões decisivas entre os responsáveis americanos e muitos dos serviços envolvidos na linha da frente do contra-terrorismo. A sua análise da ideologia da Al Qaeda complementa e actualiza a obra de Lawrence Wright (ver aqui). Esta era mais detalhada sobre Bin Laden, enquanto que o livro de Riedel o é sobre outras personagens igualmente importantes para compreender a Al Qaeda, como é o caso do seu número dois, Ayman al-Zawahiri, e do já desaparecido Abu Musab al-Zarqawi, o dirigente da Al Qaeda no Iraque. Estes "retratos" são sem dúvida o melhor do livro, em conjunto com a análise do papel crucial do Paquistão e da importância do conflito israelo-palestiniano na "legitimação" do terrorismo jihadista. (url) COISAS DA SÁBADO: AINDA ESTOU PARA PERCEBER POR QUE É QUE SE ADMIRAM COM AS TONTICES DE OTELO Otelo fez o 25 de Abril e teve um papel central na execução do golpe. O seu livro de memórias, um dos melhores testemunhos sobre o 25 de Abril, mostra como se preparou e desencadeou o golpe e revela com clareza como só pessoas como Otelo foram capazes de o fazer, tendo sucesso onde mil e um golpes e conspirações da oposição tradicional falharam redondamente. Os militares não seguiram qualquer regra séria de clandestinidade, e tudo foi um pouco “à balda”, tudo para o monte e fé em Deus. Um controleiro do PCP devia ficar horrorizado com a falta de cuidados conspirativos dos militares face à PIDE. E o 25 de Abril resultou também por isso, porque o regime sabia lidar com a conspiração, mas não com a mistura de ingenuidade e engenho, ousadia e tontice, vindos do centro do poder da ditadura, alimentada por uma revolta corporativa, um dos tipos de revolta mais complicados de domar num país como Portugal. O golpe de 25 de Abril foi o único momento em que o estilo de tontices práfrentex em que Otelo é especialista teve resultados positivos, até excelentes. Mas, incluindo o 25 de Abril, que se pode perceber não ser alheio ao “estilo Otelo”, tudo em que se meteu mostra um voluntarismo irresponsável, cujas bandeiras políticas são irrelevantes para o homem, que já as levantou a todas com igual entusiasmo. Ideologicamente aquilo sempre foi o grau zero, ou melhor, o grau abaixo de zero, e a esquerda babada que criou Grupos Dinamizadores da Unidade Popular por todo o país para levar “Otelo à Presidência”, acaba agora de ter que engolir o rícino do pensamento taxista-salazarista das suas últimas declarações. Este homem deixou mortos pelo caminho à conta do “Projecto Global” das FP25, apoiado entre outros pelos líbios de Kadafi , e que Otelo encabeçou com a mesma aisance irresponsável com que tem feito quase tudo, política, negócios, terrorismo. Por isso, ele até pode vir a declarar-se anarquista, vegan, votante no PSD, admirador de Guevara e Chavéz, unha com carne com Soares, discípulo de Swami Prabhupada, o que quiser, que eu não me surpreendo com nada. (url) (url) EARLY MORNING BLOGS 2014 - Fate Deep in the man sits fast his fate To mould his fortunes, mean or great: Unknown to Cromwell as to me Was Cromwell's measure or degree; Unknown to him as to his horse, If he than his groom be better or worse. He works, plots, fights, in rude affairs, With squires, lords, kings, his craft compares, Till late he learned, through doubt and fear, Broad England harbored not his peer: Obeying time, the last to own The Genius from its cloudy throne. For the prevision is allied Unto the thing so signified; Or say, the foresight that awaits Is the same Genius that creates. (Ralph Waldo Emerson) (url) 27.4.11
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DIFERENÇAS NO OLHAR Na Líbia abundam os civis, mesmo quando armados até aos dentes; na Síria não há civis em lado nenhum, apenas multidões desarmadas. Há civis de primeira e de segunda. (url) (url) 25.4.11
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(url) O CÃO E O CORÃO Comecemos por uma história séria, para depois, ao entrarmos em Portugal, ficarmos apenas com uma fábula de mau proveito e exemplo. A história séria foi-me contada pelo comandante operacional das forças armadas holandesas estacionadas em Uruzgan no Afeganistão. Para exemplificar as dificuldades que os jovens comandantes de pelotão encontram no terreno afegão, relatou um caso ocorrido com uma unidade sob o seu comando. Actuando na base de uma informação de que haveria numa determinada aldeia um fabricante de engenhos explosivos artesanais (na língua de pau dos militares um IED, "improvised explosive device", o assassino número um de militares e civis), o pelotão iniciou uma busca com cães para farejar explosivos. Sem se aperceberem, começou a correr um rumor na aldeia de que um cão tinha tocado num Corão, o que podia ou não ser verdade. Imediatamente, pressentindo a hostilidade crescente, a força começou a preparar-se para o pior, que do emaranhado de casas pudesse emergir um aldeão ligado aos taliban, de AK47 em punho, a disparar para todo o lado e a gritar "Allahu akbar". Em breve, o comandante, que não sabia o que se estava a passar, recebeu um contacto rádio da cadeia de comando a perguntar-lhe o que acontecera, visto que o próprio presidente Karzai estava muito preocupado com a possibilidade de as tropas terem mostrado desrespeito pelo livro sagrado dos muçulmanos. Em menos de meia hora, o cão que teria tocado no Corão era uma questão nacional, ameaçando a integridade física das tropas da NATO no terreno. O comandante, com receio de piores consequências, não teve outro remédio senão retirar, sabendo que teria muitas explicações para dar, de um acto involuntário de um animal, ele próprio soldado, uma canine unit, sendo que nem sequer havia a certeza de que tal tinha ocorrido. Esta história, verdadeira, não é para brincadeiras, mas, ao ouvi-la, lembrei-me de que também por cá, num ambiente muito diferente, o radicalismo político faz as vezes do intenso fanatismo religioso, sem ter sequer a desculpa de tal ocorrer numa população que vive na pobreza mais abjecta, com um estado contínuo de guerra há dezenas de anos, analfabeta e que só conhece uma vida violenta e curta. Por cá, também um qualquer cão toca todos os dias no Corão, dando origem a uma selva de insultos, juras, fúrias, processos de intenção a propósito de... muito pouco ou nada. Nos blogues, na maioria dos blogues políticos, este é o estilo do dia: longas polémicas com fortes palavras sobre qualquer coisa que seja parecida com o focinho do cão a tocar num livro sagrado, prefigurando quase sempre o partido ou o lado em que está arregimentado o taliban de serviço. Os blogues são irrelevantes, quando colocados sobre o pano de fundo do país, que tem mais a ver com o Benfica, a CGTP, a CAP, ou o Correio da Manhã do que com a blogosfera, mas os blogues estão colocados num contínuo em que jornalistas, políticos, gente da publicidade, do marketing e das agências de comunicação interagem entre si. Comunicam opiniões, interesses e agendas, numa extensão nova do sistema político-partidário. O estilo que é hoje dominante na chamada blogosfera política torna-a desprovida de qualquer espírito crítico e fá-la absorver, como um mata-borrão, os piores vícios das juventudes partidárias e da comunicação social, cada vez mais parecidas no recrutamento, formação e carreira. Tudo misturado com uma dose maciça de ignorância, demagogia e populismo. Como sempre há excepções e todos sabem quais são, mas a regra é esta. Nesta equação, a ignorância e os péssimos hábitos intelectuais pesam mais, porque estes taliban valorizam muito pouco o rigor, o estudo, o pensar. A maioria das citações que circulam ou são manipuladas para ganharem "força", uma prática comum na comunicação social, ou são pura e simplesmente falsificadas para servirem o escândalo que se pretende. Quase tudo está fora do contexto e a ignorância sobre biografias, posições, história dos problemas, pura e simples memória, e muita asneira e erro grosseiro circulam sem verificação. Um estilo quase habitual de manipulação e exagero serve uma vida pública de meia bola e força. Vale tudo, porque para muitos autores de blogues políticos, existir é hoje arregimentar-se e "militar", no sentido original do termo. Hoje os establishments dos partidos têm forte representação nos blogues, quer do PS, quer do PSD. O PS beneficia dos meios da governação, o PSD do cheiro a poder. À osmose dos vícios partidários soma-se a facilidade com que se "bota" opinião, quase sempre marcada por um radicalismo cujo outro exemplo português comparável é o do clubismo adolescente das claques. Os blogues e as claques irmanam-se na mesma visão maniqueísta da realidade, em que tudo é ou "nós" ou eles". O pensamento crítico é varrido como sendo pusilâmine ou subserviente ao "sistema", que é sempre a forma como denominam a democracia, ou como uma "traição" aos regimentos em marcha possuídos de gritos "a Berlim" ou "a Paris". É tudo a preto e branco e pensam que, ao ser assim, actuam por princípios, quando na realidade actuam por indigência mental. E a ironia das coisas é que esta forma de actuar é particularmente ineficaz para os objectivos pretendidos. O saber é sempre desvalorizado para que não se possam fazer comparações, e os julgamentos de carácter e os processos de intenção são o pão nosso do dia-a-dia. Um bom observador percebe que esses julgamentos de carácter são mais ilustrativos dos seus autores do que dos seus destinatários. São excelentes retratos dos próprios, feitos ao espelho nocturno da impaciência dos injustos. Não é preciso ser especialmente perspicaz, para perceber que, como nos partidos, já há gente a fazer pela vida nos blogues, com cálculo, "prestando serviços" e esperando a devida recompensa. E meia dúzia de gigantones de verbo insultuoso, pensamento curto e ânimo futebolístico lá transitam pela via da mediocridade reinante. No fundo, tem sentido o que se está a passar, porque os espaços políticos, mediáticos e bloguísticos são cada vez mais miméticos. Enquanto em qualquer país saudável esta realidade devia ser tocada ao de longe com pinças, como sendo um "lugar mal frequentado", em Portugal, que não é um país saudável, mas um país muitíssimo doente, esta amálgama fornece um círculo de pequenas personalidades mediáticas recrutáveis para ajudantes dos ajudantes dos ajudantes, no curto tempo em que o seu fugaz verbo tem utilidade marginal. Depois, ou aprendem as artes da obediência partidária, fundamentais numa gestão de carreira, ou se gastam na sua aparente novidade, porque não têm de facto muito para dizer ao mundo e são expendables. Na verdade, eles não trazem experiência, nem mais-valia, trazem a voz grossa e grosseira do gritador de claque que se exercita nos bancos de um estádio a chamar coisa obscenas ao outro clube, com as palmadas grosseiras de aprovação do resto da claque. O alimento desta turba, especialmente excitada em período eleitoral, são as múltiplas variantes do cão que toca no Corão. O resultado é uma vozearia em altíssima voz sobre trivialidades e incidentes, desprovida de qualquer hierarquia de importância ou sequer de sentido estratégico, que acaba por ter o resultado exactamente contrário às expectativas dos seus autores. Um dos casos mais evidentes foi o radicalismo inconsciente de "correr o Sócrates o mais depressa possível", a que no PSD se deu ouvidos e cujo resultado ameaça ser mantê-lo no poder, contra todas as evidências, ou dar-lhe o melhor cenário possível para um retorno ao poder a curto prazo. E o melhor cenário possível, não custa perceber, é um PSD ganhador por uma pequena margem sobre um PS que sai do seu annus horribilis sem grandes estragos. Sócrates escapará ao pior da crise, a execução do plano de austeridade do FMI passará a responsabilidade do PSD, e este estará na primeira bancada da Assembleia a conduzir uma oposição revanchista e perigosa face a um PSD muito debilitado por uma vitória que será de Pirro. Se o país já está muito mal, ficará então muito pior, porque a última coisa que é necessária e responsável na actual crise política é seguir o estilo radical, adolescente e futebolístico dos blogues. E então, mil e um cães tocarão em mil e um Corões, só que os cães são os gestos desordenados de um governo que já nem sabe para onde se virar, e os Corões aparecerão em mil mãos que dirão: "Estão a ver o que os ímpios e os blasfemos fazem?" A rua, que não contempla estas subtilezas, então mandará. E há uma diferença abissal entre as proclamações verbais e as pedras. (Versão do Público de 23 de Abril de 2011.) (url) (url) 24.4.11
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(url) HOJE DE NOVO
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HOJE DE NOVO
(url) EARLY MORNING BLOGS 2005 - A Momentary Longing To Hear Sad Advice From One Long Dead Who was my teacher at Harvard. Did not wear overcoat Saying to me as we walked across the Yard Cold brittle autumn is you should be wearing overcoat. I said You are not wearing overcoat. He said, You should do as I say not do as I do. Just how American it was and how late Forties it was Delmore, but not I, was probably aware. He quoted Finnegans Wake to me In his New York apartment sitting on chair Table directly in front of him. There did he write? I am wondering. Look at this photograph said of his mother and father. Coney Island. Do they look happy? He couldn't figure it out. Believed Pogo to be at the limits of our culture. Pogo. Walt Kelly must have read Joyce Delmore said. Why don't you ask him? Why don't you ask Walt Kelly if he read Finnegans Wake or not. Your parents don't look happy but it is just a photograph. Maybe they felt awkward posing for photographs. Maybe it is just a bad photograph. Delmore is not listening I want to hear him tell me something sad but however true. Delmore in his tomb is sitting. People say yes everyone is dying But here read this happy book on the subject. Not Delmore. Not that rueful man. (Kenneth Koch) (url) 11.4.11
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(url) Eu não sou propriamente da escola dos que andam sempre com a bandeirinha no ar, cheios da nossa gloriosa História e das nossas magníficas qualidades. Há muito tempo que tenho poucas dúvidas de que somos um país pouco desenvolvido, com problemas sérios de crescimento e que esse subdesenvolvimento se manifesta um pouco por todo o lado, numa forma especialmente estreita de pobreza de pensamento e de acção, que depois impregna tudo, da cultura à política, da economia ao quotidiano. Não nos gostamos de ver ao espelho? Pelo contrário, gostamos imenso, só que o espelho é o da nossa imaginação. Várias vezes repeti evidências que não tinham nada de original, a não ser o facto de serem pouco tidas em conta pelos lugares-comuns que fazem viagens fartas e rápidas por cá, dos cafés ao Facebook. Repeti que para cada lugar em que cada um estava sentado havia dez pretendentes. Que a inveja era um poderoso sentimento nacional, impulsionada pela fome social e pelo ressentimento. Que não nos enxergamos. Que o subdesenvolvimento estava na enorme preguiça mental que atravessa tudo, da comunicação social à política. Que num país em que somos todos primos uns dos outros, é difícil a democracia. Que os bens são escassos e a fome é muita. manum Tudo isto foi dito, repetido, tri-repetido, por muita gente desde o século XIX até hoje e o vulgo optimista não quer ouvir e desdenha. Desdenha dos pessimistas. Desdenha dos "intelectuais" que "não fazem nada pelo país", nem sequer gostam da bola. Desdenha dos simples e prefere os complicados que nunca dizem nada de claro. Gosta dos eclécticos e amáveis com toda a gente e detesta os que não têm paciência para a ignorância presumida. Gosta de salamaleques e dos que pescam os cumprimentos: "Que bom blogue, Francisco! Disseste muito bem, Pedro! Grande post, gostava de o ter escrito!" Aprecia a subserviência, nem que seja para ter companhia. Mata tudo o que mexe, para não ter que se comparar. Portugal é o melhor exemplo de que o ridículo não mata, alimenta. E no meio da transumância entre partidos do poder, e entre lideranças, lá se vão fazendo carreiras pela sombra, pelas obediências, pelo respeitinho. Subdesenvolvimento é isto: todos primos, pouca riqueza, patrocinato e clientelas. O resultado é a assustadora mediocridade da nossa vida política, onde o grosso das habilidades vai para a sindicância de interesses e a gestão das carreiras partidárias. Face aos problemas reais, pompa nas palavras e incompetência nos actos. É o que se verifica hoje: todos postos à prova e nada. E tudo isto é ampliado, produzido, alimentado, por uma comunicação social que é parte fundamental da máquina de mediocridade que está a funcionar nas democracias já há muito tempo e, a continuar assim, acabará por matá-las. Volto ao princípio: eu que não sou da escola do nosso nacionalismo bacoco, de Selecção Nacional e portuguesinhos valentes a descer o outeiro, senti vergonha e humilhação quando vi e ouvi em Gödöllö, na Hungria, o país cujo primeiro-ministro foi apanhado a dizer que mentiu ao seu povo e corrido nas ruas, no meio da opulência dos palácios da nobreza austro-húngara e dos blocos de apartamentos cinzentos dos anos do comunismo, os ministros europeus do Ecofin e mais os seus ajudantes dos ajudantes, inclusive uns porta-vozes assalariados da Comissão Europeia, a falarem de Portugal e dos portugueses como um povo que vai ser punido, tem que ser posto na ordem, para ter direito a um empréstimo na 25.ª hora do seu desespero. ferulae Eu sei que merecemos. Mas não merecemos todos, e não embarco nessa de culpar tudo e todos para desculpar alguns. Eu não me endividei para viver acima das minhas posses, pago os meus impostos gigantescos, não tenho nem quero ter um trem de vida que não seja modesto, sem espavento, não sou socialite e quase não tenho vida social, mesmo só no limiar da boa educação, detesto luxos e exibições, e ando há anos, sem eficácia como se vê, a denunciar o caminho que nos levou aqui quando muitos que agora o descobriram andavam deslumbrados com a modernidade estonteante da moda e a chamar-me a mim e a outros "velhos do Restelo". Eu sei que eles não sabem quem foi o "velho do Restelo", nem por que é que "ao cheiro desta canela o reino se despovoa", nem por que é que a gente embarca sempre em querer olhar o mundo com os olhos do Capitão sem ser capitão de coisa nenhuma, cheios de épica e bazófia, e de dinheiro emprestado. Por isso, senti vergonha e humilhação quando li o comunicado do Ecofin, uma enorme bofetada a todos nós, que deveria ser dada nos destinatários certos, a começar no nosso perigoso primeiro-ministro Sócrates. O comunicado não poupa as palavras: o programa de ajuda será concedido na base do cumprimento "rigoroso" das condições exigidas, ou seja, não se ponham com desculpas, nem desvios, nem tretas, é para cumprir à letra, é para cumprir à força. Façam lá o trabalho de casa, essa expressão adolescente que agora se usa muito, senão vão para um canto, a pão e água, escrever a mesma frase duzentas vezes: "Ninguém nos mandou gastar de mais" subducere Depois vem uma bofetada em Passos Coelho: segundo Katainen, que certamente fez sempre os seus trabalhos de casa porque é considerado o melhor ministro das Finanças da Europa e é vice-presidente do PPE, o partido a que pertence o PSD, o pacote de medidas "terá de ser mais duro e mais abrangente do que aquele que foi rejeitado pelo Parlamento". O mesmo PEC IV é sempre referido como sendo o "ponto de partida" para todas as exigências que nos são impostas. E o facto de isso ser insistentemente referido é tudo menos inocente: não quiseram o PEC IV, vão ver como o PEC V ainda vai doer muito mais. Há um sentimento de irritação e até de vingança nestas palavras. Se for verdade que o PEC IV era a contrapartida de um plano de resgate secreto que Sócrates escondeu de todos para, com dolo, tentar que a ajuda externa inevitável fosse de responsabilidade alheia - quem conheça bem a personagem sabe até que ponto este é o tipo de politiquice em que ele é especialista -, toda esta embrulhada vai resultar num custo muito pior para os portugueses. Se o PEC IV chegava para garantir o pacote de ajuda, quem o decidiu "chumbar", se o sabia, cometeu um grave erro político. Agora vai ter de privatizar extensivamente a meia bola e força, na pior situação do mercado, e remover a "rigidez" do mercado de trabalho, ou seja, facilitar os despedimentos. Vamos pagar a politiquice de Sócrates, para além do desastre prévio em que nos meteu de há vários anos para cá, mas também a falta de prudência de Passos Coelho que pensa que aquilo com que anda a lidar se concentra em sair bem nas manchetes dos jornais ou nas sondagens, e (talvez) o excesso de passividade do Presidente da República. Mas, que raio!, será que não estão informados, por vias directas ou travessas, do que se passa e dependem dos artigos do Financial Times? Que negociações fizeram Sócrates e Teixeira dos Santos até à crise de 23 de Março com os alemães e com a Comissão? O que é que obtiveram em contrapartida do PEC IV para além dos elogios públicos? O que é que Sócrates disse a Passos Coelho quando o informou do PEC IV e vice-versa? O que perguntou o Presidente a Sócrates e o que é que ele respondeu? O que disse Merkel a Passos Coelho, Cavaco Silva a Sócrates, Passos Coelho a Cavaco Silva? Não acredito que tenham dito apenas aquilo que nós sabemos, e, se foi assim, então ainda é pior. Se fosse atenuante, que não é, pode-se admitir que ninguém verdadeiramente actuou sabendo as consequências. Só pensaram em si mesmos, no seu êxito político e dos seus partidos. Nenhuma destas matérias justifica hoje qualquer segredo e são um elemento fundamental para o julgamento de 5 de Junho. O outro é saber, no contexto destas imposições, o que o PS, PSD e CDS contam fazer: clarinho, bem explicado, e sem ambiguidades. Isso não mitiga a vergonha do que se passou, mas pelo menos pode ajudar-nos numa escolha que ainda é nossa, não é do senhor Juncker, da senhora Merkel, do senhor Katainen, ou do ajudante do ajudante do ajudante de uma qualquer burocrata de Bruxelas. (Versão do Público de 9 de Abril de 2011.) (url) 9.4.11
(url) HOJE DE NOVO (url) ÂNGELO REVISITADO Catálogos das primeiras exposições de Ângelo dos anos sessenta. Ângelo de Sousa era o mais diferente de todos, percebia-se à primeira e confirmava-se à segunda. Os todos são "Os Quatro Vintes", os quatro antigos alunos e então já professores na Escola Superior de Belas-Artes do Porto (ESBAP). Quatro vintes eram as suas notas escolares e um maço de tabaco então popular, mau e barato a que tinham acrescentado um número. Conheci-os bem a todos, Jorge Pinheiro, Armando Alves, José Rodrigues e Ângelo de Sousa e convivi com muita proximidade com os dois últimos. Escrevi sobre eles nas páginas literárias que ainda havia nos jornais, em particular no Jornal de Notícias (o título deste artigo é idêntico a um que escrevi em 1968), assisti (e participei) em muitas peripécias das suas vidas e tenho muitas dezenas de desenhos, ilustrações, gravuras, fotografias e alguns quadros, que me foram então oferecidos e que mantenho com muita estima e gosto. Ângelo está aí representado, desde um raríssimo nu figurativo de juventude, até uma das suas pinturas abstractas em acrílico. Jorge Pinheiro foi-me sempre mais alheio, e Armando Alves acompanhei melhor a sua obra gráfica, do que o seu trabalho de pintor. Por seu lado, o Zé Rodrigues era (é) um daqueles casos absolutamente espontâneos de uma mão que não parava de desenhar e sempre admirei mais a sua obra como desenhador do que como escultor, embora reconheça que era motivado, como aliás o próprio Ângelo, por uma contínua pulsão experimental, que não conhecia descanso. Essa contínua experimentação, com materiais, formas, estilos, dá uma grande desigualdade à sua obra escultórica, que muitas vezes parecia, peça a peça, difícil de identificar como sendo do mesmo autor. Mas a mão trabalhava sempre, e muitos desses desenhos feitos por todo o lado, tenho-os aqui em caixas. O Zé Rodrigues escrevia com uma caneta de tinta-da-china, com lápis, com esferográfica, e se preciso fosse com o dedo, que mergulhava no café, em tudo o que estava à mão, um canto de um jornal, um programa ou um catálogo, toalhas de mesa e guardanapos de papel, uns atrás dos outros. Fazia modelos de esculturas, cenas, retratos, bonecos, desenhos satíricos (bispos e padres na boa tradição anticlerical portuguesa, dotados de poderosos membros) e desenhos eróticos. Desenhava tudo que estava à volta, ao mesmo tempo que conversava, discutia, contava ou ouvia histórias. O nosso habitual companheiro de muitas destas conversas era Eugénio de Andrade, que escreveu textos para os catálogos dos "Quatro Vintes", em particular para o Zé Rodrigues e o Ângelo. Ângelo também andava pela mesma geografia dos cafés portuenses nos anos sessenta, mas era muito mais reservado e foi para Inglaterra durante algum tempo, o que o afastou do meio. Era também o mais "intelectual" do grupo, estudava psicologia, história da pintura, filosofia das formas, fotografia, matérias mais arcanas do que era comum. Os seus livros, muitos dos quais em inglês, traduziam essa procura intelectual, muito para além da curiosidade. Porque Ângelo lia e estudava, prática pouco comum nos artistas plásticos. O seu feito mais reservado, muitas vezes alheio e mordaz, e que gerava perplexidade em quem o não conhecia, contrastava com o carácter expansivo, lúbrico e terra a terra do Zé Rodrigues. A sua pintura, desenhos, escultura e objectos eram mais pensados e menos espontâneos, mais trabalhados, mesmo na sua final simplicidade. Nesses anos do final da década de sessenta, Ângelo estava pouco a pouco a abandonar uma pintura que tinha ainda muitas referências figurativas, para uma maior abstracção e um maior experimentalismo, mas havia nele uma alegria e luminosidade ímpar nos seus companheiros. Armando Alves, que era alentejano, pintava o sol queimado da sua terra, mas as cores de Ângelo eram muito diferentes, artificiais, construídas, únicas, como as de Rothko. E, insisto, de uma alegria equilibrada, se é que isto se pode dizer da alegria. E havia quem fosse à Casa de Chá da Boa Nova, obra de Siza cheia de histórias no seu interior, para ver alguns dos seus quadros que lá se encontravam, para se pacificar. Embora a dita Casa de Chá fosse o mais bizarro sítio para alguém se pacificar, principalmente à noite. Guardo uma fotografia que ele me tirou junto de uma das suas peças metálicas, quando Ângelo começou a fazer experiências numa sua primeira exposição de esculturas na Galeria Alvarez. Este caminho, muito de pittura e cosa mentale, como dizia Leonardo, não agradou a quem estava habituado a uma pintura que, mesmo na sua especial manipulação da superfície de cor acrílica, sobre um desenho minimalista, era também decorativa. Podia colocar-se no lugar de honra de uma sala burguesa, onde não cabiam aquelas lagartas de aço recortado, então sem nenhuma cor que não o brilho do latão, que não tinham postura, nem ficavam quietas na sua procura do ponto de gravidade e que enferrujavam. Mas Ângelo estava já noutra, que hoje, juntando-se tudo, se percebe que era a mesma. Perdi então algum contacto com o trabalho de Ângelo, no meio da turbulência política dos anos setenta, e só o retomei mais recentemente, nas suas últimas grandes exposições de pintura e objectos. Mas, conversando com ele a propósito de um ouvido que ele lá tinha dissecado obsessivamente, como os cubistas faziam à procura da geometria essencial das coisas, lá estava o Ângelo de sempre, na procura das formas mais elementares, a que dava as suas cores de sempre, luminosas e francas. E o mesmo Ângelo, ensimesmado na fala, disse-me: "Passa lá pelo atelier, para te dar umas coisas", ele que era tão avaro da sua obra. Disse-lhe que sim, claro. Mas a morte chegou primeiro. Não faz mal, ele estará certamente a dar às nuvens uma outra geometria, menos nebulosa, diríamos assim, e a desenhar caderno sobre caderno, forma sobre forma, cor sobre cor, a fotografar e a catalogar o mundo. Magro, careca, óculos e barba, ligeiramente estranho, como se estivesse dependurado em si próprio no interior do casaco, como eu o conheci sempre. (Versão do Público de 2 de Abril de 2011.) (url) 8.4.11
HOJE DE NOVO
(url) COISAS DA SÁBADO: IRONIA Tudo indica que, qualquer que seja o resultado eleitoral, caminhamos para uma “grande coligação” mais ou menos forçada. É verdade que o “chefe” da coligação pode ser Sócrates ou Passos Coelho, o que não é a mesma coisa. Mas, seja como for, vejo com muita ironia os excitados internautas que nos blogues queriam ruptura e “eleições já” em nome de Sá Carneiro, Churchill ou algum morto célebre por ter feito alguma coisa que não fez bem assim, a terem que engolir um resultado tão escrito nas estrelas e tão desconforme com os seus anseios revolucionários. Oh senhores! Lenine pode explicar-vos que se há coisa para que as eleições não servem é para fazer revoluções, muito menos quando não há dinheiro para nada. No entanto, não haver dinheiro para nada, isso sim é mais revolucionário do que parece… (url) (url) COISAS DA SÁBADO: NAS MALEITAS DO PAÍS HÁ DOIS LADOS Uma das banalidades que se dizem sempre com redobrar de língua e ênfase puro, à Louçã, é que o “povo” nunca é criticável em democracia. Os políticos são os “bandidos” que se conhecem, o povo está sempre na madrugada “lustral”, puro e perfeito. È verdade que muitos políticos parecem apostados em fazer exactamente aquilo que lhes merece os insultos da praxe. Poucas vezes como agora, se assiste a uma corrida para o abismo em que todos colaboram como se fosse a mais normal das atitudes. Poucas vezes como agora, é mais patente que a lógica que move os principais responsáveis políticos no poder e na oposição deriva apenas de tropismos de conservação ou aproximação ao poder, sem qualquer consideração pela situação do país. Verdade. Mas há outro lado que convém lembrar: Sócrates só lá está porque os portugueses votaram nele e muitos dos mais vocais dos seus críticos actuais caracterizavam-se por odiar mais Ferreira Leite do que Sócrates há um ano e meio. Só passou ano e meio, só passou ano e meio, só passou ano e meio. E Sócrates foi votado pelo mesmo sistema de ilusões a que ele deu corpo em política através da mentira sistemática. Ele mentia e os seus eleitores queriam ouvir aquelas mentiras porque lhes eram confortáveis. E votaram pelo conforto da mentira em 2009, ano em que uma interessante polémica sobre a “verdade” deve hoje queimar a boca de muita gente. Mas há mais: não é líquido que aquilo que fez muita gente abjurar de Sócrates não seja também uma ilusão: que, deitando Sócrates abaixo, se impedirá muita austeridade. Que papel tem a ilusão de que as coisas serão melhores, como por milagre, removendo o “mau”? Ou que, pelo menos, serão adiadas medidas duras, dentro da velha máxima que enquanto o pau vai e vem folgam as costas? É que o outro lado da nossa desgraça é que não existe uma verdadeira força endógena para a mudança que suporte os melhores, que dê suporte eleitoral ao que é difícil mas necessário. Depois não vale a pena andarmos-nos a queixar dos maus políticos. São aqueles que escolhemos. (url)
© José Pacheco Pereira
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