ABRUPTO

8.4.11


COISAS DA SÁBADO: NAS MALEITAS DO PAÍS HÁ DOIS LADOS

Uma das banalidades que se dizem sempre com redobrar de língua e ênfase puro, à Louçã, é que o “povo” nunca é criticável em democracia. Os políticos são os “bandidos” que se conhecem, o povo está sempre na madrugada “lustral”, puro e perfeito. È verdade que muitos políticos parecem apostados em fazer exactamente aquilo que lhes merece os insultos da praxe. Poucas vezes como agora, se assiste a uma corrida para o abismo em que todos colaboram como se fosse a mais normal das atitudes. Poucas vezes como agora, é mais patente que a lógica que move os principais responsáveis políticos no poder e na oposição deriva apenas de tropismos de conservação ou aproximação ao poder, sem qualquer consideração pela situação do país. 

Verdade. Mas há outro lado que convém lembrar: Sócrates só lá está porque os portugueses votaram nele e muitos dos mais vocais dos seus críticos actuais caracterizavam-se por odiar mais Ferreira Leite do que Sócrates há um ano e meio. Só passou ano e meio, só passou ano e meio, só passou ano e meio. E Sócrates foi votado pelo mesmo sistema de ilusões a que ele deu corpo em política através da mentira sistemática. Ele mentia e os seus eleitores queriam ouvir aquelas mentiras porque lhes eram confortáveis. E votaram pelo conforto da mentira em 2009, ano em que uma interessante polémica sobre a “verdade” deve hoje queimar a boca de muita gente. 

Mas há mais: não é líquido que aquilo que fez muita gente abjurar de Sócrates não seja também uma ilusão: que, deitando Sócrates abaixo, se impedirá muita austeridade. Que papel tem a ilusão de que as coisas serão melhores, como por milagre, removendo o “mau”? Ou que, pelo menos, serão adiadas medidas duras, dentro da velha máxima que enquanto o pau vai e vem folgam as costas? É que o outro lado da nossa desgraça é que não existe uma verdadeira força endógena para a mudança que suporte os melhores, que dê suporte eleitoral ao que é difícil mas necessário. Depois não vale a pena andarmos-nos a queixar dos maus políticos. São aqueles que escolhemos.

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© José Pacheco Pereira
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