ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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19.12.09
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COISAS DA SÁBADO: A “JUSTIFICAÇÃO” DA VIOLÊNCIA SOBRE BERLUSCONI
Uma das coisas que é intrínseca à discussão na extrema-esquerda (portuguesa e não só) é a violência, e uma das evoluções dos últimos anos (portuguesa e não só) foi que para se tornar só “esquerda”, mesmo com qualificativos moralistas e de exibição de convicção para se distinguir do PCP como faz o Bloco, deixou de a praticar (à discussão). De vez em quando, confronta-se com a sua ambiguidade de fundo: propondo uma mudança social que ainda classifica timidamente de “revolucionária”, que não pode ser realizada por via parlamentar, fica refém de uma linguagem contraditória e muitas vezes apenas hipócrita, quando se defronta com qualquer incidente que implique a questão da violência. E, aqui, a hipocrisia tem dois sentidos: nuns casos, é porque, aceitando a inevitabilidade da violência, não o querem anunciar publicamente porque tal afectaria a fachada de respeitabilidade democrática, noutros é porque de facto já abandonaram a inevitabilidade da violência, são mais ou menos reformistas, e não querem assumi-lo após mais cento e cinquenta anos de tradição revolucionária da inevitabilidade da violência na “revolução”. Há dois anos o caso da invasão do campo do milho transgénico pelos “verdeufémias” e agora a agressão a Berlusconi voltaram a fazer vir ao de cima a questão da violência com todos os seus incómodos. E aí começa a polémica, agora mais entre blogues do que na luz do dia, desatenta que está a comunicação social que acha que só há extrema-direita e que não vê nunca que também há extrema-esquerda. No mais interessante blogue da esquerda portuguesa mais radical (o 5 Dias) coloca-se com clareza a justificação da agressão a Berlusconi, entre o “estava a pedi-las”, até ao acto do “povo” por interposta mão vingadora. Como é habitual nestas discussões, vem ao de cima, usando a pré-texto leninista que está por trás do seu discurso, a condenação dos “actos individuais de terrorismo” contrastando com a aceitação das “acções violentas de massas”. Mas a legitimação da violência revolucionária, “de classe”, seja qual for a designação, está explicita. Nisso o 5 Dias contrasta na clareza com os blogues da “esquerda”serventuária do governo, cada vez mais dedicados à eliminação simbólica dos adversários pelo insulto mais soez e pelo desvalor, acompanhado pela desinformação anónima vinda dos gabinetes ministeriais, - um típico “estilo do poder”. E contrasta também com a efectiva “social-democratização” (esta palavra eles entendem) de algumas luminárias do Bloco de Esquerda que caminham para serem a “esquerda” do PS, que ajudam sempre que este está aflito. Não é que este estilo governamental corporativo-jugular não tenha também implícita uma incitação à violência, resultado do insulto sistemático contra as pessoas, mas os seus autores, uns anónimos empregados dos ministérios e outros da esquerda bon chic bon genre que gravita à volta da figura de Sócrates, abjurariam de imediato qualquer alusão à violência e ficam muito incomodados com o que lhes lembra o 5 Dias. Não é negativa esta clarificação que a agressão a Berlusconi suscita, quando os velhos fantasmas da acção directa vêm ao de cima. E as velhas discussões também. É que o tempo não está para brincadeiras. Mais vale saber o que se espera. (url) (url) Da nossa semelhança com os deuses Por nosso bem tiremos Julgarmo-nos deidades exiladas E possuindo a Vida Por uma autoridade primitiva E coeva de Jove. Altivamente donos de nós-mesmos, Usemos a existência Como a vila que os deuses nos concedem Para, esquecer o estio. Não de outra forma mais apoquentada Nos vale o esforço usarmos A existência indecisa e afluente Fatal do rio escuro. Como acima dos deuses o Destino É calmo e inexorável, Acima de nós-mesmos construamos Um fado voluntário Que quando nos oprima nós sejamos Esse que nos oprime, E quando entremos pela noite dentro Por nosso pé entremos. (Ricardo Reis) (url) 18.12.09
Por que razão a nobre, elevada, consciente, responsável, séria, causa de impedir que o planeta entre numa catástrofe sem saída provocada pelas alterações climáticas, no dizer dos seus organizadores, junta como um magneto a maior colecção de grupos anarquistas, extremistas, de direita e de esquerda, que há no planeta? Por que razão a mesma nobre causa provoca cenas de pancadaria deliberadas e instigadas pelos próprios grupos de manifestantes, com a polícia dinamarquesa, que não é propriamente uma polícia especialmente repressiva, num país particularmente intolerante?
Se tomássemos à letra o que nos dizem sobre a bondade da causa, a sensatez do Estado dinamarquês que deu guarida à Nações Unidas, a disponibilidade nórdica de “contribuir” para todas as boas causas, seria difícil entender o que move esses grupos que tem dinheiro para se deslocar para todos os sítios que pretendem “aquecer” com pancadaria. Mas eles sabem muito bem o que os move: pouco querem saber da saúde do planeta, mas muito querem saber do mundo das empresas, do capitalismo “explorador”, dos “tubarões” da finança e dos governos vendidos ao capital petrolífero e poluidor. Ou seja, o que os move é mais uma versão do velho anticapitalismo que sempre moveu uma parte de jovens radicais na Europa e nos EUA, a que se somam aqueles a que Marx chamava o “lumpenproletariado” e que habitam as cidades entre os vários rendimentos mínimos e o desemprego, e que tem uma cultura de violência que tanto dá para o Porto – Benfica, como para as cenas de destruição que se vêem em Copenhaga, nas reuniões do G7 ou 8 ou 10. Não é ambiente que lhes interessa, é partir uma vidraça de algum estabelecimento do “big business” que é fonte de todos os males, o corruptor da terra. Pode a cimeira chegar aos melhores resultados que eles continuam imperturbáveis, com o silêncio incomodado dos que fazem de conta que isto não acontece e só vêem à frente o bonacheirão politicamente correcto Al Gore. (url) (url) "The nakedness and asperity of the wintry world always fills the beholder with pensive and profound astonishment: as the variety of the scene is lessened, its grandeur is increased; and the mind is swelled at once by the mingled ideas of the present and the past, of the beauties which have vanished from the eyes, and the waste and desolation that are now before them." (Samuel Johnson) (url) 17.12.09
(url) 16.12.09
HOJE DE NOVO NO
(url) (url) All I know is what the words know, and dead things, and that makes a handsome little sum, with a beginning and a middle and an end, as in the well-built phrase and the long sonata of the dead. (Samuel Beckett) (url) 15.12.09
(url) Há vários impasses ao mesmo tempo. Um chama-se José Sócrates, o Primeiro-ministro de que metade dos portugueses (menos um) desconfia e desconfia por coisas que nunca desconfiou de nenhum outro Primeiro-ministro antes dele. Sócrates é um dos grandes óbices a que se possam começar a dissolver os impasses que nos deixam bloqueados. Não me venham dizer que a oposição quer que Sócrates caia nos tribunais porque não o consegue derrotar nas urnas. Não sei se existe essa oposição, mas se existe eu não faço parte dela. Mas a frase de cima sobre a “a oposição que quer que Sócrates caia nos tribunais” é uma maneira de ocultar um problema real, que esse sim existente, haja ou não haja “a oposição que quer que Sócrates caia nos tribunais”: é que ele próprio colocou-se na situação de andar sempre a mílimetros dos tribunais. Não foi a oposição que andou a manipular currículos académicos, não foi a oposição que andou a assinar projectos de casas pagos não se sabe muito bem como e com que estatuto fiscal, não foi a oposição que inventou o senhor Charles Smith, e o tio e os primos, não foi a oposição que inventou Armando Vara e o “Face Oculta”, não foi a oposição que mentiu ao parlamento sobre o ainda obscuro processo da TVI, etc, etc. Demasiados eteceteras. Verdade seja, e isso pode ser a única coisa de que Sócrates é vítima a não ser de si próprio, que também não foi a oposição que coleccionou declarações inconsistentes e actos jurídicos atabalhoados por parte dos maiores responsáveis da justiça portuguesa que, no afã de protegerem José Sócrates, só aumentaram as suspeitas de que ele estava a ser protegido. Por tudo isto, mesmo que não houvesse oposição, Sócrates iria continuar a ser um problema, porque o é para um número significativo de portugueses. Podem não ser a maioria, estar divididos entre si, mas são mais vocais, mais tenazes, mais motivados, do que a metade mais um que o apoia. E não estão dispostos a ser varridos para um canto escuro. Não custa perceber que se, numa hipótese que sei ser puramente académica e num certo sentido democraticamente retorcida, porque quem ganhou as eleições foi Sócrates, o PS mudasse de Primeiro-ministro e outro dos seus dirigentes fosse encarregado de governar, o ambiente mudaria de imediato. Até penso que nessa hipótese académica, a oposição aceitaria a legitimidade da mudança e um melhor clima de entendimentos necessários poderia daí resultar. A arrogância, a intolerância, o quero, posso e mando dos últimos quatro anos, a persistência por vaidade pessoal em políticas erradas, a ocultação e a manipulação de estatísticas, deixaram estragos enormes na vida pública portuguesa, que, associados ao clima de desconfiança, tornaram Sócrates a face mais visível do impasse actual. (url) (url) A precious, mouldering pleasure 't is To meet an antique book, In just the dress his century wore; A privilege, I think, His venerable hand to take, And warming in our own, A passage back, or two, to make To times when he was young. His quaint opinions to inspect, His knowledge to unfold On what concerns our mutual mind, The literature of old; What interested scholars most, What competitions ran When Plato was a certainty. And Sophocles a man; When Sappho was a living girl, And Beatrice wore The gown that Dante deified. Facts, centuries before, He traverses familiar, As one should come to town And tell you all your dreams were true; He lived where dreams were sown. His presence is enchantment, You beg him not to go; Old volumes shake their vellum heads And tantalize, just so. (Emily Dickinson) (url) 14.12.09
(url) Há palavras que em determinadas alturas inquinam tudo. Basta dizê-las e logo o ar fica respirável a metade, cortam o ar a meio, de um lado há ar a mais e do outro a menos. São variantes da "novilíngua" orwelliana e circulam entre a política e a comunicação social. Nos dias de hoje circulam em número muito elevado, gerando uma cortina de fumo sobre a realidade. Seguem-se alguns exemplos. Atirar lama aos adversários políticos - Enunciar a existência de investigações judiciais em que o primeiro-ministro é referido, seja porque se passou no seu ministério, seja porque está lá a sua família, seja porque apareceu a falar com um dos suspeitos, seja por qualquer razão. Querer esclarecimentos sobre estas matérias então é absolutamente condenável. Outra variante é: Comportamentos antidemocráticos (ou vergonhosos, ou inadmissíveis, ou demagógicos, etc.) - É falar da "personalidade" do primeiro-ministro, ou do caso Freeport ou do caso Face Oculta. Conversas pessoais - Conversas do primeiro-ministro em que o principal detentor do poder executivo discute com um amigo arguido numa investigação judicial, matérias em que decide como governante. Presume-se que o que lhes dá o carácter pessoal é a utilização de uma linguagem obscena, escatológica e pessoalmente insultuosa. Crise internacional - A explicação para tudo o que corre mal. A explicação para tudo que corre bem é a qualidade da governação e a sageza e determinação do primeiro-ministro. Crise internacional - Cataclismo internacional que Portugal defrontou "bem preparado". Cataclismo internacional em que Portugal foi o último a entrar e do qual foi o primeiro a sair. Dívida - Preocupação dos "velhos do Restelo" que não são keynesianos. Dizer a verdade ao Parlamento/Não dizer a verdade ao Parlamento - Comportamento em desuso. Forma de lutar contra a provocatória "política de verdade" da líder da oposição, não falando verdade. Espero que o PSD resolva a sua crise interna - Espero que Manuela Ferreira Leite desapareça o mais rapidamente possível. A senhora é muito intransigente com as mentiras circulantes e acha que o PS e o primeiro-ministro estão a fazer mal ao país. Espero que venha uma nova direcção do PSD "responsável" com que "se possa falar" - Espero que o PS se possa entender sem grandes ondas com o PSD numa partilha de bens e influência, em que o PS mande e o PSD ganhe alguma coisa. No fundo, queremos todos o mesmo, não é? Espionagem política - Fazerem-se escutas legais e válidas a responsáveis do PS. Espreitar pela fechadura, coscuvilhices - O mesmo do anterior. Querer saber-se por que razão um juiz e um magistrado entenderam que podia haver conteúdo criminal numa conversa do primeiro-ministro. Estatísticas - Quando usadas pelo primeiro-ministro, são uma forma de plasticina para adultos. Homofobia - Ser crítico do casamento dos homossexuais. Islamofobia - Ter dúvidas sobre a compatibilidade de certas práticas tradicionais no islão com os fundamentos do Estado de direito e das democracias. Deve ser condenada severamente em nome do multiculturalismo e do "diálogo das civilizações". A maior do mundo, a maior da Europa, a maior da Europa do Sul, a maior do mundo em zona urbana, a maior de sempre a ser construída, a mais moderna do mundo, a mais moderna da Europa, a mais moderna da Península Ibérica, a mais avançada do mundo, a mais avançada da Europa, a mais avançada no seu género, etc., etc. - Caracterização de qualquer coisa que seja inaugurada na área da energia pelo primeiro-ministro no país mais avançado no mundo em matéria de tecnologia de inaugurações. Maioria absoluta - Momento em que a governação era tão estável, eficaz e maviosa que, ao fim de quase cinco anos, uma parte do país estava em guerra contra outra, as escolas estavam bloqueadas e todos os indicadores estavam a cair por aí abaixo mesmo antes dos efeitos da crise internacional. Não sabia oficialmente - Sabia de tudo, só que não chegou nada por ofício, pelo que a parte do cérebro que tinha a informação "não-oficial" não comunicou com a aparte do cérebro onde está o arquivo dos papéis oficiais e por isso pode dizer ao Parlamento que "não sabia de nada" sem mentir. Orçamento redistributivo - Orçamento que não se pode chamar rectificativo porque o ministro das Finanças disse que nunca faria nenhum. Parlamento - O actual lugar do mal, onde habita o Diabo da irresponsabilidade. Politização da justiça - Um magistrado do Ministério Público e um juiz ousarem considerar que o primeiro-ministro podia ter cometido um crime detectado numas escutas fortuitas. Presidente da República - Entidade que se nomeia para se dizer que está "fragilizado". Presidente da República - Entidade a que se apela a que fale se ele falar contra o Parlamento e para "pôr na ordem" a oposição. Entidade a que se apela a que não fale se for para nos prevenir sobre a gravidade da situação económica, porque isso significa uma inaceitável intromissão na área da governação. Responsabilidade - Responsável é votar com o Governo e o PS, irresponsável é votar com a oposição. Velhos do Restelo - Convinha ir ler Camões e Sá de Miranda para se saber o que são, antes de se usar tal classificação. Violar o segredo de justiça - Crime que é o supremo crime se se tratar de divulgar peças de processos que incomodam o PS, o Governo e o primeiro-ministro. Divulgar peças de processos que incomodam o PSD, o PP ou outros partidos da oposição é uma forma menor de violar o segredo de justiça, inteiramente desculpável pelo interesse público. (Versão do Público de 12 de Dezembro de 2009.) (url) Será que quando o PS usa a palavra "verdade" (como neste panfleto eleitoral de Vítor Constâncio), isso significa um "comportamento criptofascista", um enlamear do adversário, a "ausência de política", a substituição da política pelo julgamento de carácter, etc., etc? (url) (url) I have been one acquainted with the night.
I have walked out in rain --and back in rain. I have outwalked the furthest city light. I have looked down the saddest city lane. I have passed by the watchman on his beat And dropped my eyes, unwilling to explain. I have stood still and stopped the sound of feet When far away an interrupted cry Came over houses from another street, But not to call me back or say good-bye; And further still at an unearthly height One luminary clock against the sky Proclaimed the time was neither wrong nor right. I have been one acquainted with the night. (Robert Frost) (url) 13.12.09
(url) (url) Courage yet! my brother or my sister! Keep on! Liberty is to be subserv’d, whatever occurs; That is nothing, that is quell’d by one or two failures, or any number of failures, Or by the indifference or ingratitude of the people, or by any unfaithfulness, Or the show of the tushes of power, soldiers, cannon, penal statutes. Revolt! and still revolt! revolt! What we believe in waits latent forever through all the continents, and all the islands and archipelagos of the sea; What we believe in invites no one, promises nothing, sits in calmness and light, is positive and composed, knows no discouragement, Waiting patiently, waiting its time. (Not songs of loyalty alone are these, But songs of insurrection also; For I am the sworn poet of every dauntless rebel, the world over, And he going with me leaves peace and routine behind him, And stakes his life, to be lost at any moment.) (Walt Whitman) (url)
© José Pacheco Pereira
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