ABRUPTO

25.9.08


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: "MAGALHÃES" (2)

(Primeira parte.)

Aparentemente o Sr. João Silva refere-se ao conteúdo da minha mensagem do passado dia 23. Fica a resposta (...) Infelizmente parece que terei de traduzir as questões que levantei.

Realmente existe propaganda. Pura e simples. Não só pelo modo como a notícia foi apresentada na RTP, mas também pela própria medida. E é a DESMONTAGEM da própria medida, que foi adiantada através de questões, que o Sr. João Silva não entendeu.

Segue a tradução:

As questões que coloquei na mensagem de dia 23 servem unicamente para mostrar que a medida "inovadora" do Governo não só não é inovadora como tão pouco terá sido pensada.

NÃO É INOVADORA:

Repare-se que este tipo de ideia surgiu para os países sub-desenvolvidos, pelo que, é a sua aplicação em Portugal que se torna a PROVA do nosso real estado de desenvolvimento e de mentalidade. Não é, pois, o nível da crítica a fazer prova. Esta ideia não é, portanto, inovadora. É descabida.

NÃO FOI PENSADA:

Se fosse uma medida realmente pensada, e não pura manobra de propaganda, teria sido equacionada a alternativa muito mais RACIONAL, e esta sim «AVANÇADA», de fazer o INVESTIMENTO nas próprias ESCOLAS!!!

Ou seja, qual é a vantagem de ter miúdos de 6 a 10 anos com portáteis em casa, por oposição a ter esses mesmos computadores nas escolas? Ou será que em 2009/10 vão distribuir mais Magalhães aos novos alunos do 1º ano? E em 2010/11? 2011/12?...

Não teria feito mais sentido investir em MENOS, mas MELHORES sistemas de informação nas ESCOLAS?

Não seria até um INCENTIVO para que as crianças GOSTEM de ir à ESCOLA, em lugar de um incentivo a que fiquem em casa a jogar no computador?

Não faria da ESCOLA um lugar mais ATRAENTE, até para os TEMPOS LIVRES?

Não evitaria o USO INDEVIDO dos computadores pelos "manos e papás dos meninos"? Não evitaria roubos? Riscos de contactos com pedófilos? Nem tão pouco se colocaria a questão de ser disco rígido ou SolidState. Ou seja, de os computadores ainda existirem / funcionarem quando chegar o final do ano lectivo.

Resumindo: Ter crianças de 6 anos com Magalhães, e escolas sem equipamentos de informática, é vencer o atraso? Para mim, é prova de mentalidade do país pequeno, retrógrado, eleitoralista e CORRUPTO que temos.


O Sr. João Silva sabe como funciona um SOFTWARE DE CONTROLO PARENTAL? Tenho dúvidas que saiba. Porque se soubesse estaria CIENTE da NECESSIDADE de acompanhamento. O software de controlo parental é uma mera ferramenta, e para ser eficaz necessita de parametrização e monitorização constante. Tem de haver alguém que decida o que pode ser acedido e o que não pode.

http://en.wikipedia.org/wiki/Parental_controls
http://www.miudossegurosna.net/
http://planetasoares.com/2008/09/23/o-magalhaes-e-o-controlo-parental/

Quantos pais destes alunos têm conhecimentos suficientes para garantir esta correcta parametrização? 1%? Menos?

O Sr. Carlos Pinto da INTEL que foi ao noticiário da RTP, disse qualquer coisa como «(...) o Ministério da Educação também sabe a password (...)». Ou seja, parece que existe uma ÚNICA (!!!) password, leia-se IDÊNTICA, que permite o acesso privilegiado ao Magalhães. Fica outra questão: Quanto tempo demorará um dos miúdos a saber essa password? E quanto tempo
demorará o miúdo a contar aos outros todos?

TELEJORNAL - RTP - 23/9/2008 (aos 7 minutos)
http://ww1.rtp.pt/multimedia/index.php?tvprog=1103&idpod=17590&formato=flv&pag=recentes&escolha=

Já agora:
JORNAL DA TARDE - RTP - 23/9/2008 (aos 12 minutos)
http://ww1.rtp.pt/multimedia/index.php?tvprog=1098&idpod=17553&formato=flv&pag=recentes&escolha=

O Magalhães com acesso a conteúdos para adultos:
JORNAL DA NOITE - SIC - 23/9/2008 (aos 14 minutos da 2ª parte)
http://sic.aeiou.pt/online/scripts/2007/videopopup2008.aspx?videoId={4A2761D6-A100-485E-9DBB-21505089D62B}

Eu tive o meu primeiro computador em 1982, quando tinha 14 anos. Durante mais de uma década não tive acesso à Internet. Ainda assim... O meu rendimento escolar diminuiu. Cheguei a ficar TODAS as férias de Verão (3 meses?) sem sair de casa, sempre agarrado aos computadores.
Nem foi por falta de informação, que hoje é acessível pela Internet, que deixei de conseguir fazer cópias dos jogos, que deixei de crackar software que adultos não conseguiram, nem que me impediu de usar exploits no sistema UNIX da universidade. Tudo isto antes de haver Internet.

Não menosprezem as capacidades dos miúdos. Quanto mais novo maior a capacidade de aprendizagem. Como se não bastasse, as crianças têm duas vantagens adicionais: CURIOSIDADE e TEMPO!

É realmente da MAIOR IMPORTÂNCIA dar às crianças o ACESSO a este tipo de ferramentas. Mas dar o acesso não é o mesmo que lhes dar a POSSE das mesmas ferramentas.

Eu até posso deixar uma criança brincar com uma chave-de-fendas. Mas com supervisão. Oferecer uma chave-de-fendas a uma criança, e deixá-la sem sozinha, é meio caminho para um acidente com uma tomada eléctrica.

Dar um computador a uma criança é o mesmo que lhe dar um isqueiro.

A propósito de computadores e fogo... as baterias explosivas:

«Intel's Dream: One Exploding Classmate PC Per Child»
http://www.olpcnews.com/sales_talk/intel/exploding_classmate_pc_laptop.html


Para concluir, o atraso que temos em Portugal não é por falta de medidas inovadoras, é por falta de PLANEAMENTO, dessas ideias. Levar computadores até às crianças é boa ideia. Não se PENSOU foi em COMO fazer do MELHOR modo (para as crianças, entenda-se). Um exemplo que salta à vista? CARJACKING! Existe porque adoptaram-se soluções tecnológicas para impedir que o carro funcione sem chave. Não se pensou nas consequências...

Quem diz Magalhães, diz Aeroporto da Ota, diz chips nas matrículas, diz... todas as outras coisas "muito bem pensadas"...

Lamento que a tradução tenha sido necessária. Espero não ter de traduzir as novas questões levantadas. Sim, porque eu acredito em discutir os assuntos com o levantamento de questões. Não me arrogo a dar respostas. Essas serão dadas por cada um, perante os factos e argumentos que forem avançados no debate dessas mesmas questões.

(Nuno Ferreira)

*

Aprovo, como o leitor João Silva, "a disponibilização, generalizada e a preços simbólicos, de uma ferramenta efectivamente útil e importante como apoio a uma qualquer tentativa de vencer o atraso", e trata-se apenas isso, de uma ferramenta, que pode ser usada ou não, bem usada ou não. Ora, a propaganda governamental apresenta-a como se por si mesma levasse a boas obras. Teria o governo tal lata se em vez de um computador o Magalhães fosse um kit de bricolagem? Suponho que não pois provocaria o ridículo e não a discussão generalizada, mais uma prova de como o computador ainda não está, entre nós, no plano dos objectos banais, dando razão a João Silva quanto ao que eu não diria repugnância mas antes temor "pelo conhecimento, pela cultura e pela inovação".

Esta mística do computador como instrumento não banal, mas sim especializado e como tal apenas devendo ser acessível a gente interessada e preparada, está aliás patente na afirmação do leitor José Rui Fernandes de que é "atribuído sem representar qualquer tipo de esforço quer por parte dos alunos, quer por parte das famílias (....) ainda não percebi para que serve, de que forma se insere no programa escolar". Para quê tanta apreensão? A grande maioria dos Magalhães servirá para entretenimento ou ganhar pó numa prateleira e uma pequena minoria será veículo de aprendizagem, cultura e obra. Simplesmente. Como um kit de bricolagem.

(Mário J. Heleno)

*

Há muitos, muitos anos, quando apareceram os PC, houve um grande entusiasmo com a sua possível aplicação na melhoria do ensino. Criou-se até uma linguagem de inteligência artificial, o Logo, que utilizava amplamente os grafismos e que se esperava que viesse a permitir a estruturação do pensamento informático em crianças a partir dos 8 anos.

Pouco tempo depois surgiram os primeiros resultados globais de avaliação do acesso geral das crianças aos computadores, que foram publicados nas melhores revistas da especialidade (norte-americanas, claro). E quais foram esses resultados?

Que, efectivamente, os alunos que já eram bons e interessados aproveitavam muito com os computadores. Os outros, a maioria desinteressada, continuava desinteressada mesmo com os computadores, que não tinham neles qualquer efeito em termos de melhoria de rendimento escolar.

Um outro equívoco frequente é pensar que a familiarização com o uso de uma tecnologia propicia o progresso tecnológico de toda uma população no sentido do domínio e produção dessa tecnologia. Nesta linha de pensamento, dar automóveis a toda a gente criaria o caldo de cultura necessário para o país vir a ter uma grande indústria de automóveis…

(José Luís Pinto de Sá)

*

Realcei algumas coisas. Daqui: http://www.openeducation.net/2007/07/19/the-impact-of-computers-in-the-classroom/

Embora seja especificamente sobre matemática e leitura, fundamenta-se na relação tecnologia/aprendizagem.

__________

The Impact of Computers in the Classroom

The U.S. Department of Education recently released a study regarding some of the most popular school software programs designed to teach math and reading. According to the report, the result is that many programs appear to fall far short of what would be categorized as having an impact on students.

The study focused on 15 reading and math software programs that are often used in first-, fourth- and sixth-grade classes. The gauge used to measure student impact was simple, did students using the programs raise their academic performance?

Phoebe Cottingham, the Department of Education’s commissioner of evaluation, indicated that despite all the time students were spending in front of their computers the results did not yield the slightest indication of increased learning. Therefore, strictly speaking, the study would indicate that increased learning was not commensurate with access to technology.

But the age old question should once again be asked - is it the computers and software at issue or is it the implementation of these tools in the classroom that is the problem.

Though the report results were surprising on the surface to this writer, Carole Beal, a former professor of child development and education at the University of Massachusetts in Amherst, indicated she wasn’t surprised that the programs in place didn’t produce results.

Beal noted that most of the programs being used focused on the rote “drill and kill” philosophy of education, indicating that most technology used in schools seldom encourages high-level interactivity. It is for this reason, notes Beal, that little is gained in the way of achievement when students use such software.

Though technology clearly has the potential to upgrade any classroom and stimulate students to seek learning options on their own, it also can be used to further the drill concept that takes initiative away from the students. According to Beal, don’t fault technology, fault the people implementing technology in the classroom.

Unfortunately, reading the report summary gives one the impression that technology appears to be totally irrelevent when it comes to helping students increase their academic achievement levels.

*

Gostaria de abordar um aspecto que ainda não foi referido no seu blog, e é pouco abordado na comunicação social.

Concordo com muitas opiniões expressas no seu blog, sobre a campanha eleitoral por detrás desta acção - numa escola em Telheiras nem sequer se preocupara de receber o valor respectivo (20 ou 50€), tal era a pressa de entregar no dia D - sobre a qualidade dos computadores, sobre oportunidade real de ser inovador e não de clonar um produto obsoleto, etc, etc.

Agora, o que está por dizer, é que todos os anos é pedido aos pais que levem material escolar básico, papel higiénico, que os funcionários chegam a levar produtos de limpeza de casa para limparem a escola, que os pais se organizam para comprarem sistemas de aquecimento para a sala dos seus filhos para terem condições mínimas na sala, para não falar da existência de escolas sem condições mínimas estruturais e de equipamentos.

No ensino pré-escolar os professores fazem milagres para as actividades regulares, pedem tampas e embalagens para fazerem esculturas, etc, etc. Até terra já pediram na escola da minha filha!! Conclusão: é um brinquedo eleitoralista, não é grande espingarda como querem fazer crer, não é nenhuma inovação, e há muita coisa onde gastar dinheiro no ensino básico e pré-escolar... First things first!

A experiência relatada foi vivida em 1ª pessoa e não resulta do "diz que disse", e estamos a falar de ("boas") escolas de Telheiras, relativamente recentes e não de escolas antigas de subúrbios...

(C)

*

Impõe-se um esclarecimento: O leitor Mário J. Heleno está a confundir acesso e banalidade da tecnologia, com esforço e mérito para a ter. Também tenho computador desde 1982 (ZX Spectrum), wi-fi em casa desde que existe e filhos de 4 e 6 anos, que já andam na internet. Mas qual apreensão?
Uma coisa é garantida e o leitor Nuno Ferreira de certa forma confirma: O computador não é uma televisão, nem é um carro onde basta rodar a chave. Pode-se querer que seja banal na mochila de cada aluno, mas está longe de ser um objecto banal -- já se foi à Lua com bem menos.
A minha apreensão é que isto seja dinheiro deitado ao lixo, como tanto outro. Meio milhão de "Magalhães", para mim, é assustador. São todos alunos carenciados? Ou o "Magalhães" é para arrumar ao lado da "playstation" e da televisão de plasma lá de casa? Pedagogicamente, quais são as vantagens? Com o rumo que este país tomou, quem vai pagar o "Magalhães" daqui a 20 anos, vão ser os alunos que o receberam. Ficam com a tecnologia facilitista hoje, o choque virá depois.

(José Rui Fernandes)

*

Como saberá, o projecto Magalhães envolve a Intel, a Jp Sá Couto e o Estado Portugês, mas há mais.

O parceiro da Jp Sá Couto é a Prológica (tratam da logistica).

Aliás elas já são parceiros no projecto e-escolas. o YOUTSU juntamente com os fabricantes e fornecedores de internet.

Estas empresas são sócias em duas empresas, a Neo Corporation Lda. e a Neo Computers Lda. (ambas criadas recentemente).

Os computadores são "oferecidos" mas a internet não vem incluída na oferta, segundo consegui apurar, há contratos de fidelização de 24 a 36 meses em causa com os opereadores, TMN, Vodafone e Optimus, a ser pago por alguêm, talvez seja daqui que vêem os 200 milhões.

(J. Carreta)

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]