LENDO VENDO OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 24 de Setembro de 2008
Discute-se o costume sobre isto: em primeiro lugar, o mensageiro, eu próprio, as minhas intenções maléficas, o ódio à RTP, que o PSD também fazia o mesmo (o que como devem imaginar é uma surpresa para mim), que o computador é bom ou mau, que os pobres também têm direito a "Magalhães", que é "normal" que os noticiários sejam partidários e "depois os outros fazem o mesmo", mil e uma distracções menos a discussão do que motiva tudo isto - o noticiário da RTP de ontem às 13 horas. Era esse noticiário que deveria ser discutido, defendido pelos que o fizeram (e a RTP mudando significativamente o registo no noticiário da noite demarcou-se dos excessos das 13 horas) e criticado ou não pelos que o viram. O efeito desta nuvem, sempre centrada na coreografia e não na substância, é gerar tantas distracções que se acaba por beneficiar o infractor.
Quanto à resposta do Presidente da ERC, também descontada a consideração pessoal e a estima pelo seu estilo combativo, tão raro neste tipo de funções, ela só confirma a efectiva desprotecção dos cidadãos face à manipulação governamental. A ERC diz que "tem tempos de decisão que não flutuam ao sabor da opinião pública" e que não pode decidir ao meu "ritmo imediatista". Faz mal, porque muita da propaganda e manipulação mais eficaz faz-se a um "ritmo imediatista" e só é eficaz porque se faz a esse "ritmo", como o noticiário de ontem. O que se passa com vários noticiários da RTP, acompanhando realizações do governo escolhidas a dedo, é que nenhum método estatístico, nem estudo académico que não seja um case study, "pontual" e "imediatista" a seu modo, revela aquela manipulação em particular, que depois se dilui em estatísticas de mais longo prazo. E, no longo prazo não "imediatista", já estamos todos mortos, ou seja, já a propaganda teve efeito. Também aqui este método da ERC beneficia o infractor.
Por último, dizer ao Presidente da ERC que não tenho a mínima intenção de ir ao sítio da ERC preencher um formulário para fazer "queixa"; segundo, que acho que a ERC como "reguladora" da comunicação social tem mesmo que ter em conta a "opinião pública", e, por fim, que não tem muito sentido dizer que não aceita ser "regulada" de fora, ou seja, julgada nos seus procedimentos. É que como a RTP, a ERC é paga com os meus dinheiros de contribuinte, com os dinheiros dos contribuintes" da "opinião pública" e que, se presta mau serviço, ou não cumpre as suas funções, merece ser criticada.
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Li, com o interesse do costume relativamente ao que escreve, a sua “resposta” à minha “resposta” ao que tinha escrito no seu blogue sobre o que considerava mais um exemplo de manipulação e propaganda pró-Governo no Jornal da Tarde do serviço público de televisão.
Em sua opinião, o sentido das minhas declarações só confirma a “efectiva desprotecção dos cidadãos face à manipulação governamental”. Confesso que tenho alguma dificuldade em compreender como consegue, de uma penada, extrair tanta coisa, e conclusão tão categórica, de declarações tão banais, mas, de todo o modo, aqui estou a procurar esclarecer o que disse.
Realmente, quando afirmei, e aqui mantenho, que a ERC não pode decidir ao seu ritmo imediatista, do que se trata é de diferenciar a forma e o espaço de intervenção de um cidadão, por um lado, e de uma entidade pública com competências de regulação, por outro. O Pacheco Pereira, como é natural, pode estar em frente à televisão à hora do Telejornal, ficar chocado e indignado com o que muito bem entender, puxar a si o computador ou instrumento equivalente e lançar um post no seu blogue onde nos dá conta das conclusões a que chegou. Cada um de nós, aliás, enquanto cidadão, é, neste aspecto que criticou, como noutros, um regulador de sofá, com “competência” para avaliar e proferir sentença com força de caso julgado.
Esse é o sentido que atribuí ao “ritmo imediatista”, e creio, realmente, que estaremos de acordo quanto a este ponto – que realça, no fundo, a própria liberdade de expressão e pensamento.
Pelo efeito, até jurídico, de cada uma das suas pronúncias, a ERC não funciona, e não pode num Estado de Direito, funcionar assim.
Dou de barato que não imagina sequer que, enquanto Presidente da ERC, estou sempre em frente ao televisor à uma da tarde (ou algum dos colaboradores da Entidade por mim), pronto a saltar sobre as “infracções” ou alegada propaganda que detecte. E tenho a certeza que não espera de mim que pegue num telefone, indignado, e faça uma chamada ao Director da Informação da RTP, a desancá-lo por uma qualquer patifaria.
Não é, por outro lado, verdade que a ERC recuse fazer avaliação regulatória de casos concretos, mesmo em matéria de independência ou pluralismo político. Bem sei que, por si, nunca existiria um regulador da comunicação social (e, em concreto ou, ainda mais em particular, a ERC). Mas, olhe, já que a ERC existe, penso que seria importante consultar a nossa “jurisprudência” e os casos que analisámos, em concreto, neste domínio, para confirmar o que digo.
E a sua afirmação tanto mais errada é quanto, a propósito de um caso recente em que até apelou, se não me falha a memória, aos homens e mulheres de boa vontade da ERC (!), a dita ERC decidiu que se justificava, pelo menos, uma análise, iniciou um procedimento, que está adiantado, e, entretanto, notificou a RTP para se pronunciar. Tem, por isso, alguma ironia a sua crítica ao regulador neste aspecto!
No entanto, e como se comprova, mesmo num caso concreto a intervenção da ERC está, e muito bem, limitada pelo respeito por vários princípios fundamentais: a presunção de inocência, e o princípio do contraditório.
Ora, se há coisa de dois anos o Pacheco Pereira pediu a minha cabeça pelo facto de a ERC, como instituição pública, ter recorrido à ironia numa nota à Imprensa, como reagiria se, porventura, passasse por cima de tudo isto?
Quanto a não apresentar uma queixa na ERC, faz mal, mas não serei eu a querer convencê-lo. Porém, como já lhe disse pessoalmente, este acto de “castidade” não tem especial mérito, embora confirme a coerência das suas posições contra a própria existência de uma estrutura de regulação. Realmente, se o Pacheco Pereira é, em meu entender, o homem comunicacional multimeios por excelência deste país (no seu blogue; num jornal diário; numa publicação semanal; na televisão; na rádio) a sua influência – e poder, pondo nome às coisas – bem dispensam a necessidade de uma queixa.
Finalmente, sobre a circunstância de eu não aceitar que a ERC seja regulada de fora.
O Pacheco Pereira decidiu, num salto retórico interessante, esclarecer quem o lê, dizendo: “ou seja, [a ERC] não aceita ser julgada nos seus procedimentos”. É fácil de ver que não foi isso que eu disse ou quis dizer, mas, antes, que – reiterada a consideração pessoal que tenho por si – não é o Pacheco Pereira, independentemente de toda a influência e “poder” que conquistou com grande mérito no espaço público, a decretar à ERC o que ela vai ou não fazer. São coisas tão diferentes que nem creio ser necessário incomodá-lo com mais justificações.