ABRUPTO

5.9.07


LENDO/VENDO/OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 5 de Setembro de 2007
A ERC NO CENTRO DA POLÍTICA DE HOJE

(Com pedido de desculpa de erros e impossibilidade de consultar os documentos originais, devido às condições em que a nota foi escrita.)

A entrevista do Presidente da ERC, Azeredo Lopes, a Mário Crespo na SICN foi das mais embrulhadas a que jamais assisti. Se não se percebesse bem demais o que ele queria e não queria dizer, não se percebia mesmo nada. Claro que este "perceber" é para os cognoscenti, porque para qualquer pessoa aquilo era mesmo incompreensível.

Por detrás do hermetismo e de algum malabarismo jurídico, está a "entidade", uma das instituições que já é central no debate político actual. Não no debate sobre a comunicação social, mas no debate político puro e duro. As razões são genéticas da "entidade", deste tipo de "entidades" no modelo dirigista do estado, na tradição europeia de interferência na comunicação social, e, no caso português, da vontade de governos e partidos terem um "polícia" numa área muito perigosa para os políticos. A actual ERC com os poderes reforçados que lhe foram dados tem mostrado à evidência o seu papel na legitimação do poder. Sou, por tudo isto e já do tempo da AACS, partidário da sua extinção. Para "regular" a comunicação social, basta a auto-regulação e a lei geral para punir os crimes e abusos. Se um e outra não funcionam em Portugal, porque os jornalistas são avessos à auto-regulação e os tribunais erráticos na defesa do cidadão contra os abusos da comunicação social, trate-se antes de os melhorar e os tornar eficazes.

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Dito isto, convém não deixar de comentar o artigo de Estrela Serrano em resposta a Cintra Torres hoje no Público. Ele revela o caminho em que a ERC se está a enredar, e o beco sem saída em que se vai meter. Trata-se da introdução de análises qualitativas do "conteúdo" das notícias, usando alguns modelos académicos, mas cujo resultado numa avaliação em última instância política, é enganador. Na polémica com Cintra Torres ambos discutem o número de notícias "favoráveis"/"desfavoráveis" dos candidatos às eleições da CM de Lisboa, como forma de avaliar se a comunicação social favoreceu um ou outro candidato, até agora apenas medido de forma quantitativa pelo número de notícias. Este caminho é muito arriscado e corre o risco de funcionar como as caixas chinesas, dentro de uma há outra, etc., etc.

A questão é que o "sentido" e "conteúdo" não pode ser avaliado fora do contexto. Há notícias "desfavoráveis" que acabam por ser positivas, como por exemplo, vários ataques a Carmona Rodrigues que produziam um efeito de vitimização "favorável" ao candidato. Como é que isso se mede? Mais: nem todas as notícias "desfavoráveis" são iguais, há umas mais "desfavoráveis" do que as outras. Um jornalista hábil pode conduzir uma campanha ad hominem sem parecer mal nas estatísticas da ERC. Por exemplo, que candidato não trocaria uma única notícia "desfavorável" dura (as que envolvem dinheiro, a apropriação de bens públicos, as que favorecem o caldo demagógico popular) por cem notícias "desfavoráveis" que se limitem a retratar tricas partidárias, pequenos lapsos, silêncio incomodados, que são facilmente "lidos " por jornalistas que lhes atribuem importância, mas que são irrelevantes para a maioria dos eleitores.

A ERC pode querer convencer-nos que está a dar passos em frente no escrutínio da pluralidade da comunicação, mas não é difícil com estes critérios obter de antemão qualquer resultado que se deseje, ou seja, a análise diz muito pouco sobre o que acontece. É que o "sentido" é um poço sem fundo, necessita de um contexto o que implicaria ir muito mais longe e nesse longe o subjectivo está sempre presente. E a campanha de Lisboa não é excepção com Costa "favorecido" logo `a cabeça, de mil e uma maneiras, mesmo que com cem notícias "desfavoráveis"...

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É sempre muito estimulante ler as suas opiniões sobre a comunicação social e, em particular, sobre a ERC. Digo-o sem ironia, porque, como sabe, sou leitora assídua dos seus artigos e do seu blog.

Como também sabe, não partilho muitas das suas ideias e análises, o que não me impede de admirar e acompanhar outras posições suas, e não apenas sobre os media. Dito isto, gostaria de comentar o seu post na parte em que se refere ao meu artigo de 4ª. feira no Público.

Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que ao contrário do que afirma, a ERC não faz “avaliação política” nem “em última” nem em qualquer outra “instância”. Esse é um elemento mistificador de qualquer análise sobre o trabalho da ERC. Percebo que, como analista político, queira dar às suas análises sobre a ERC um enfoque político. Mas não é isso que transforma a ERC num órgão político ou governamental.

Não vou voltar a invocar a legitimidade que lhe foi conferida através da eleição dos seus membros pela Assembleia da República e compreendo que seja politicamente correcto atacar a ERC ou pedir a sua extinção, como faz. Tão pouco pretendo discutir e comparar m aqui os sistemas e as práticas de regulação dos media nos EUA e na Europa. Vivemos com as nossas realidades, a nossa Constituição e as nossas leis. Como membro do órgão regulador nacional, compete-me, precisamente, respeitar e
cumprir o quadro normativo português.

O resto é discussão para políticos e, sem diminuir essa discussão, não é isso que me leva a escrever-lhe. Trata-se, antes, de responder ao questionamento que faz no seu post sobre a introdução de metodologias de análise de conteúdo na regulação dos media, concretamente nas deliberações da ERC, considerando-a um “caminho arriscado”. Ora, é precisamente o contrário. Qualquer regulação que não se baseie em critérios rigorosos, susceptíveis de conferir substância a conceitos jurídicos indeterminados, como sejam, o rigor informativo, a isenção, o pluralismo, a diversidade, a ética de antena, e outros constantes da legislação aplicável ao sector, corre o risco de ficar à mercê dos gostos e da inspiração do regulador. Isso sim, seria
arriscado.


Os “modelos académicos” da análise social e da análise dos media a que se refere, são aqueles que conferem rigor às decisões, uma vez que, ao preverem a definição de categorias e indicadores para a avaliação dos conteúdos, os cidadãos e os próprios media podem sempre conhecer os critérios e os métodos adoptados e conferir os resultados obtidos. Isso é transparência de actuação, ao contrário de decisões sem critério, baseadas no “acho que” e no “porque sim”.


É verdade, como diz, que o "sentido" e o "conteúdo" na informação política (mas também noutros campos) “não pode ser avaliado fora do contexto”. Ora, é precisamente a avaliação qualitativa que fornece o contexto e, por isso, eu recuso as leituras apressadas que por aí pululam, como a de que quem tem maior cobertura é favorecido. Nenhum desses indicadores pode ser lido por si só, como faz a análise puramente quantitativa. É a ponderação (elemento qualitativo) de vários factores que nos conduz ao contexto e a uma leitura minimamente rigorosa.

Os exemplos que refere confirmam o que acabo de dizer. Sugiro que leia a Deliberação sobre as autárquicas de 2000 (o chamado Caso Carrilho). Ela confirma que, afinal, o que parecia, não foi o que a análise do contexto veio a revelar.


Devo dizer-lhe que a ERC não está a inventar nada. Outros reguladores com maior experiência usam metodologias qualitativas. Uns fazem-no com meios internos, outros em ligação a universidades, outros usam os dois meios como a ERC está a fazer. Mas não deixa de ser curioso que o que se critique à ERC é ela “fazer”, não é “não fazer” ou “fazer mal”. Aliás, as promessas/ameaças de quem, cada vez que a ERC faz um relatório, diz que vai “desmontá-lo” continuam por concretizar.


Permita-me, Dr. Pacheco Pereira, que lhe confie a minha interpretação pessoal sobre a fixação de algumas pessoas na ERC. É que, a partir do momento em que um organismo oficial apresenta trabalho baseado em métodos transparentes, susceptíveis de confirmação e, naturalmente, sujeitos a escrutínio, fica mais difícil usar o palpite como argumento.

Estrela Serrano

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