ABRUPTO

1.12.03


AMÁLGAMA IDEOLÓGICA

Recebi um convite para uma realização conjunta dos Institutos Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, ligados respectivamente ao PSD e ao PP, intitulada “O legado político de Francisco Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa”, que me parece traduzir uma amálgama perigosa no plano político e ideológico.

A tendência para estender a coligação governamental à ideologia é não só descaracterizadora de ambos os partidos, em particular do PSD, como é uma falsificação do significado das posições daqueles cujo “legado político” se pretende discutir. Sá Carneiro tinha um pensamento muito estruturado, com raíz na doutrina social da Igreja e na social-democracia moderada, e Adelino Amaro da Costa partilhava a primeira fonte ideológica, o pensamento social da Igreja, mas não a segunda.

Tudo é uma floresta de equívocos neste colóquio. A amálgama faz-se a todos os níveis, a começar na oportunidade da iniciativa, ambígua transposição da coligação governamental para o domínio da ideologia, onde é suposto haver identidades e tradições muito distintas. Nem é sequer a junção de Sá Carneiro e Amaro da Costa, em si, e noutras circunstâncias, possível, é a ocultação de que há pouco de comum entre o pensamento de Amaro da Costa e o do PP de Paulo Portas.

Depois, os participantes, ou são pessoas sem qualquer obra política ou ideológica conhecida (João Almeida e Pedro Duarte) e cuja escolha não se compreende, a não ser de novo pela lógica governamental, ou tem pouco a ver com o legado que pretendem discutir. Não conheço o pensamento de Telmo Correia, para além da sua acção política pragmática, e o de Santana Lopes tem muito pouco a ver com o de Sá Carneiro, apesar da habitual invocação que faz do seu nome. O legado político de Sá Carneiro não está nos actos de risco e de ruptura que personificou (e que, retirados do contexto, ficam apenas coreografia política), mas nas razões que os motivaram. E aí encontramos um pensamento consistente e preciso, ancorando o PSD numa visão da sua necessidade para Portugal, num lugar então desocupado no espectro político: entre o centro-esquerda e o centro-direita, mas nunca na direita.

Uma iniciativa deste tipo só teria sentido se fosse o caminho de uma fusão, a prazo, dos dois partidos, que há quem deseje, mas não queira enunciar.

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© José Pacheco Pereira
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