ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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31.1.15
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LOCAIS INFECTOS
De que alfurjas, bueiros, cavernas sulfurosas, loca infecta, saíram estas legiões de comentadores, articulistas, jornalistas, escreventes, gente dos blogues, que passaram o dia das eleições gregas a pedir mais austeridade punitiva para os gregos, mais desemprego, mais pobreza e miséria, mais impostos, menos salários e serviços públicos, como retaliação e vingança por terem tido o topete de votar no Syriza? Ai quiseram livrar-se da austeridade, pois preparem-se para levar com o dobro, para não se porem com ideias! Os insultos a um dos povos mais martirizados da Europa – martírio sem resultados, como todos podem perceber – sucederam-se: não querem trabalhar, querem viver à custa de empréstimos que não têm intenção de pagar, pior do piorio, mentirosos, falsificadores de contas, enganadores de alemães, violentos, mal-agradecidos, tudo.
Ouvindo estas vozes, exigindo que a única política europeia seja "levar o Syriza à derrota" para evitar o contágio, sem transigências e com toda a dureza, eu penso como nestes últimos anos nós não tivemos só discussões políticas e ideológicas (poucas aliás, a sério), alimentámos o mal. O mal. Nalguns sítios da nossa sociedade gerámos, alimentámos, engordámos, trouxemos à luz do dia gente má, muito má, que mandou e manda em nós, instilando arrogância, desprezo pelos mais fracos, insensibilidade face à miséria, gente que olha os gregos como se fossem untermenschen. Do alto do seu conforto, sim porque o conforto distingue-os da ralé, eles andam a passear-se nestes dias com uma enorme espinha na garganta, mais do tamanho de uma trave do que de uma espinha, e não gostam. Obrigado aos gregos por terem ensinado aos maldosos que a sua impunidade tem limites.
O FIM DO BLOQUEIO EUROPEU
Um dos resultados mais positivos das eleições gregas é terem acabado com o bloqueio que as políticas da "inevitabilidade" traziam à Europa. O isolamento alemão (e português) é maior, e todos os outros países têm hoje razões e obrigações de mitigar, moderar e mesmo, num certo sentido, acabar com a hegemonia alemã das políticas de austeridade. A decisão e o maior protagonismo do Banco Central Europeu já abria caminho para essa inversão. Draghi não se limitou a propor uma medida "técnica" contra a inflação negativa, mas explicou preto no branco que as políticas anteriores tinham dado mau resultado e propôs-se aplicar uma medida que classificou de "expansionista". Não admira que Passos Coelho não tenha gostado, as suas declarações, inequívocas neste caso, consideravam estas políticas como "erros".
Mas o soçobrar do bloqueio da "inevitabilidade" (aquilo que mais dói aos detractores das eleições gregas) vai tornar mesmo governantes fracos como Hollande, um obstáculo para o curso punitivo que Merkel, Rajoy e Passos desejariam "para derrotar um governo do Syriza". Eu não tenho nenhuma especial simpatia por Hollande, mas não o estou a ver a assinar de cruz medidas punitivas contra os gregos e, sem a França, a hegemonia alemã enfraquece muito. É isso que significa o desfazer do bloqueio: há hoje alternativas políticas que seriam impensáveis há seis meses. Obrigado aos gregos por terem permitido a possibilidade de uma melhor Europa.
NÃO VAI SER FÁCIL
Todos sabemos que o caminho dos gregos não é fácil. Sabemos, a começar pelos gregos, que enormes dificuldades vão estar pela frente. Mas pela primeira vez depois destes anos de lixo, foram eles próprios que escolheram o caminho das pedras que queriam trilhar e não os alemães e os burocratas europeus. Faz uma enorme, gigantesca diferença, este assumir de dignidade nacional para um país que foi humilhado como poucos.
E é uma bofetada de luva branca para muitos que enchem a boca com a "Pátria", para depois a descreverem como um "protectorado", que aceitaram com aplauso abdicar de todos os traços da nossa soberania, e transformarem Portugal num vassalo obediente, muito além do que seria razoável pelas nossa atribulações financeiras, que tenha sido um partido que descrevem com desprezo como de "extrema-esquerda", que restituiu à Grécia a honra perdida.
Sim, porque na vitória do Syriza o conteúdo do seu programa foi o que menos contou, mas a afirmação da independência e da soberania de um povo que não esqueceu as violências que os alemães fizeram na Segunda Guerra Mundial, e os insultos à Grécia na última década, e a vontade de varrer a elite política nacional corrupta que foi o seu instrumento. Uma vitória destas não se obtém sem ser pelo contra, por aquilo que os gregos não queriam. Depois virá o resto. Obrigado aos gregos por nos terem ensinado que em tempos de lixo o que verdadeiramente mobiliza a mudança é o que não se deseja, e só depois de se ter atirado borda fora esse lastro é que se pode começar a falar outra língua.
AFINAL OS GREGOS NÃO FAZEM TUDO MAL
Portugueses, aprendam com os gregos! Eleições no domingo, coligação durante a noite, governo na tarde do dia seguinte. Obrigado aos gregos por nos darem lições de eficácia.
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CHARLIE
N'EST PAS
CHARLIE
1. Este poderia ser um título do Charlie Hebdo se se mantiver o espírito dos assassinados. Eles seriam os primeiros a satirizar a sua própria morte e a gozar com o unanimismo que hoje sai à rua a seu pretexto e em nome de uma "liberdade de expressão" de que eles, no conjunto da sua vida, só conheceram porque a forçaram. O Hara-Kiri que o diga que, com o seu título provocatório depois da morte de De Gaulle, foi encerrado. "Bal tragique à Colombey: 1 mort" foi o título.
2. A marcha de hoje pode muito bem chegar ao milhão de participantes ou ainda mais. O sentimento de quem participa é de genuína revolta e é respeitável. Para além disso as pessoas gostam destes unanimismos e a mobilização maciça que é feita pelos media, cria quase um dever moral de participar. Mas a marcha de hoje já tem todas as ambiguidades que a tornará inócua e por isso mesmo perigosa. 3. À sua frente vão os homens e mulheres que estão a construir uma Europa não democrática, de Merkel a Passos Coelho, que abandonaram qualquer ideia de uma Europa assente na solidariedade, que ajudaram a criar e a reforçar sociedades em que não há mobilidade vertical, o único mecanismo que permite assegurar o melting pot, logo a integração de todos, os que cá estão e os que conseguem passar as aguas do Mediterrâneo sem morrer nelas. Mas, pior ainda, fecharam os olhos aos problemas que coloca aos valores da nossa civilização "ocidental", ( e sei bem que todas estas palavras são ambíguas, mas servem), a emergência de um Islão transformado num movimento político que assume exactamente esse carácter político ao combater esses valores. É esse o seu conteúdo político e o resto é a sharia. 4. O "politicamente correcto" está em reduzir o problema desse Islão político às suas manifestações mais radicais, ao terrorismo da Al Qaida ou do ISIS, quando é um problema societal e cultural que está muito para além disso. E este "politicamente correcto", presente como um mantra bem intencionado repetido por todos, oculta os problemas para debaixo do tapete. E debaixo desse tapete habita a Senhora Le Pen, que percebe muito melhor os problemas que são sentidos por milhões de franceses, os problemas de proximidade, os mais perturbadores, do que os discursos vazios de Hollande e os seus amigos europeus.
5. Alguns dirigentes muçulmanos, quase todos com a cabeça a prémio pelos fundamentalistas, são a voz da razão e moderação. Mérito deles. Aliás, se o Rei e a Rainha da Jordânia participarem na marcha, é deles a maior coragem. Mas a verdade é que fora destas tragédias, dos atentados e assassinatos, não é a comunidade muçulmana que sente como seu primeiro problema o assalto aos valores da democracia, e da liberdade feitos em nome da sua religião, mesmo nos países ocidentais. Só uma minoria, muito minoritária, fala como deve falar e mesmo assim nunca falaram alto e bom som pelo direito de se ser blasfemo numa sociedade livre, como não falam com clareza sobre a principal fractura civilizacional que separa o mundo ocidental das sociedades islâmicas, o papel e condição da mulher.
6. A questão não está na religião em si, (embora do ponto de vista histórico, como se passou com o cristianismo, a autoridade interpretativa teológica mais forte no papado assim como no xiismo e menos no sunismo, tenha algum papel) mas no modo como é vivida, entendida e controlada por imans, clérigos e dirigentes civis, universidades, escolas, instituições de beneficência, poderes e autoridades, como não havendo separação entre estado e igreja, logo impondo ou legitimando padrões de comportamento na sociedade que ofendem a liberdade individual. O problema é que mesmo nos casos em que a "primavera árabe" tentou democratizar as sociedades, o que emergiu, como já acontecera na Argélia com a vitória eleitoral da FIS, foi uma enorme pressão para o retorno da sharia, e a punição dos infiéis. O mesmo se passa nos países "libertados" dos seus ditadores pelo apoio ocidental, como a Líbia, o Iraque, ou a tentativa de derrubar Assad na Síria, todos deram origem a sociedades onde ser-se ateu é correr um real perigo de morte, e as mulheres se escondem debaixo de camadas de véus, e o que aumenta é a Al Qaida ou o ISIS. 7. Ora em sociedades europeias em que comunidades muçulmanas crescem pela história colonial ou pela emigração mais recente, estes mesmos códigos de comportamento tem vindo a estabelecer-se. Não estou a falar obviamente dos radicais fundamentalistas, embora haja relação entre o crescente recrutamento por exemplo para o ISIS e este processo de maior controlo religioso, de maior intransigência face aos comportamentos considerados "pecaminosos", das mulheres em primeiro lugar. E este problema não pode ser deixado à Senhora Le Pen. 8. Para usar um exemplo do judaísmo, eu não quero que haja, onde vivo, no espaço público, algo de parecido com o Bairro Mea Shearim de Jerusalem e o que acontece em certos sítios da Europa, a França em particular, é que se caminha para aí. Eu se for a uma mesquita cumpro os códigos de decoro que me são pedidos, como aliás acontece nas igrejas cristãs. E penso que é legítimo pedir esses códigos mesmo às mulheres. Quem não quer não vai lá. Mas espero que na rua da esquina da mesquita uma banca de jornais possa ter o Charlie Hebdo ou o Playboy, sem correr o risco de ser vandalizada ou incendiada. Faz toda a diferença.
(Continua.)
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UM APELO
para que amanhã as capas dos jornais e a abertura dos noticiários televisivos mostrem aos assassinos que não colherão frutos do terror, reproduzindo as imagens livres do Charlie Hebdo.
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CARTAS PORTUGUESAS A LUDWIG PAN, GEÓLOGO E AGRIMENSOR NA AUSTRÁLIA
(As duas primeiras aqui, a terceira aqui, a quarta aqui, a quinta aqui, a sexta aqui., a sétima aqui.
Devíamos fazer tréguas no Natal, eu desta constante guerra civil e tu dessa procura da paz pela expiação do pecado alemão de não ter culpa? Eu sei a resposta: não. Eu fiquei missionário da justiça, azorrague dos poderosos, voz dos insatisfeitos, irritação dos contentes, trombeta da moral pública, enfim uma maçada. E tu lá vais voltar para o lado de baixo do mundo a ver se, procurando ouro, consegues ser menos Siegfried e mais aborígene, o que é definitivamente impossível. Uma vez mergulhado no sangue do dragão fica-se assim. Bem sei que, como Aquiles, também tens um soft spot, onde uma folha colada ao corpo te impediu de ser totalmente coberto pelo líquido todo-poderoso do dragão, Mas isso abafa-se com schnapps.
Aqui estamos nós a fazer o que não queremos pela civilização, eu procurando um homem justo, medianamente justo, apenas um pouco de justo, talvez só não injusto e tu, virando mundo ao contrário a comer raízes. C’est la décadence mon cher. Por falar nisso já sabes que nos prometem que 2015 vai ser o ano do retorno, do optimismo, do crescimento, dos maiores rendimentos, do sair do fundo do túnel, da glória das exportações, do fim dos privilégios, dos poderosos e das injustiças. Sim, é como no Harry Potter, há por cá mágicos a mais, todos a mexer nas suas vibrantes varinhas e a transformar chumbo em ouro. Agora chamam-se agências de comunicação, ou de marketing político. Devias contratar um deles a ver se te ajudava nessa procura australiana do pó dourado, mas corrias o risco de quando a valiosa carga chegasse à Alemanha estivesse feita em areia fina.
Mas a minha verdadeira gargalhada vai para o novo mundo em que o nosso mamífero lagomorfo da família dos leporídeos nos diz que acabaram as mordomias, os privilégios, os favores, os poderosos e as injustiças, apenas porque os Espírito Santo caíram do seu pedestal para o vilipêndio do público. Foram muito empurrados por eles próprios, pela inépcia do Banco de Portugal e pelos ziguezagues governamentais, umas vezes pretendendo ser salvíficos, outras vezes hostis, até porque Ricardo Salgado colou-se demais ao engenheiro que está preso e o "bom" Espírito Santo chamava-se Ricciardi e é "amigo" de Relvas e do primeiro-ministro. Tenho sempre as maiores das dúvidas sobre estas "amizades".
Como é? Eram amigos de escola, Relvas e Passos naquelas universidades com cursos instantâneos e o "bom" José Maria saído da casa, onde brincava com o primo, para estudar "Sciences Economiques Appliquées", pelo Instituto de Administração e Gestão da Faculdade de Ciências Económicas, Políticas e Sociais, da Universidade Católica de Lovaina? Então o homem vem de estudar com os jesuítas na Bélgica e fraterniza com um pequeno mação do PSD?
Hum… Ajudaram-no a fazer a tese La Banque et la Prise de Décision d’Octroi de Crédits d’Investissement, ou foi pelo contrário o nobre banqueiro a ajudá-los a fazer os trabalhinhos de casa para a Lusófona? Frequentavam a casa uns dos outros, jogavam ténis, tinham os mesmos alfaiates, as mulheres iam às compras juntas? Investiam em conjunto comparando portfólios da Bolsa e trocando dicas sobre acções, "olha compra aquelas" e não estas, eram "empreendedores" nalguma empresa que fosse deles e não dos seus patrões? Ou pura e simplesmente nalguma esquina do poder, nalgum encontro da imprensa económica, nalgum jantar daqueles que os seus protectores angélicos organizam para os socializar e os apresentar "às pessoas certas", gostaram-se de uma amizade inquebrantável e à primeira vista? Mistérios, tão insondáveis como os divinos, não houvesse mão do Espírito Santo em todas as coisas mundanas.
O pior foram as escutas telefónicas, meu bom Pan, porque em Portugal toda a gente é escutada, tão grande é a endogamia caseira e tão frágil a investigação sem as ditas. O paroxismo foi durante o caso Casa Pia, sabes, aquela "cabala" contra o PS, que motivou as mais lamentáveis cenas no nosso parlamento? Também aí havia um responsável pela investigação que tinha a tese da pesca de arrasto e queria cruzar as chamadas feitas por todos os portugueses para ver se havia padrões com os telefonemas dos pedófilos, os verdadeiros e os imaginados. Sim, o mesmo que colocou o cardeal patriarca numa fila fotográfica de identificação.
Por falar disso, na Alemanha da chanceler também estão sempre a cair os telefones? Também fazem ruídos estranhos, também têm aqueles hiatos comprometedores? Ou já acabou a Stasi? Ou integraram os "técnicos" da outra Alemanha nos serviços federais onde eles se encontraram com os agentes que controlavam ao serviço de "Karla" numa grande festa democrática?
Bem, presumo que na tua longínqua Austrália não deve haver escutas em terras aborígenes. Who cares? Nem o telefone funciona, e as línguas locais são difíceis. Dá notícias da tua chegada, pelo velho processo das cartas, porque a probabilidade de já não haver ninguém a abri-las é grande. Com tanto telefonema, SMS, email, Skype, WhatsApp, nem o mais rico dos serviços ainda tem gente para descolar cartas a vapor e colá-las de novo. Além disso, podemos sempre comunicar como a Al-Qaeda no Afeganistão, mando-te um homem de burro com uma mensagem e um drone atrás. Recebes a carta e um míssil, e isso é que é comunicar!
Bom regresso! (url) 5.1.15
TÃO ABANDONADO ABRUPTO...
... esperando pelo muito escasso tempo. Vamos ver se esta semana o coloco em ordem, militar, prussiana, ordem ordenada, que coma o tempo que está para trás e que lhe devia. Bom ano! (url)
© José Pacheco Pereira
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