ABRUPTO

26.5.13



O CONSELHO DE ESTADO IRREAL 


 Basta ler com atenção o bizarro “comunicado” que foi publicitado depois da reunião para perceber que ela não correu nada bem nem para o Presidente, nem para o governo. A decisão de convocar o Conselho de Estado com uma agenda fechada, remetida para um futuro “pós troika” cujas características estão longe de poderem ser conhecidas é tão evidentemente escapista que, no actual contexto político, o que aconteceu não pode ser aquilo que o comunicado descreve. 

Esta forma de convocar a reunião é o corolário do desejo presidencial de que nada mude no quadro governativo no próximo ano, de que não haja eleições antecipadas nem agora, nem no fim do “programa”. Trata-se de um puro desejo, que assume ares de irrealismo, visto que não passou uma semana desde que o Presidente veio de uma crise política muito séria e está a assistir a um agravamento da desagregação da coligação e do governo com episódios cada vez mais próximos no tempo. Suspira de alívio num dia, para logo se sobressaltar no dia seguinte. 

A situação do governo é parecida com aqueles vulcões que antecedem a erupção com tremores de terra cada vez mais frequentes e sucessivos até explodirem de todo. O Presidente, embora avisado pelos vulcanologistas que o Pico de Dante está para explodir, não quer que evacuemos a cidadezinha para não assustra os turistas. Sabe-se como é nos filmes catástrofes.



 O COMUNICADO EM “PASSOS COELHÊS” 

 O comunicado do Conselho é um ecrã, que tapará a realidade da reunião até muita gente que lá esteve começar a conta-la. É provável que à data em que lerem este artigo já se saiba quase tudo. Mas fica uma perplexidade e uma preocupação. Veja-se o título da ordem de trabalhos: “Perspectivas da economia portuguesa no pós-troika, no quadro de uma União Económica e Monetária efectiva e aprofundada”. 

Veja-se o comunicado a informar-nos que o “Conselho debruçou-se sobre os desafios que se colocam ao processo de ajustamento português no contexto das reformas em curso na União Europeia e tendo em vista o período pós-troika”. E mais se “debruçou”, interessante escolha de verbo, como numa varanda, sobre “a perspectiva do reforço da coordenação das políticas económicas e da criação de um instrumento financeiro de solidariedade destinado a apoiar as reformas estruturais dos Estados-Membros, visando o aumento da competitividade e o crescimento sustentável". 

 E por fim este truísmo que é, ao mesmo tempo, tudo e nada: “o Conselho de Estado entende que o programa de aprofundamento da União Económica e Monetária deve criar condições para que a União Europeia e os Estados-Membros enfrentem, com êxito, o flagelo do desemprego que os atinge e reconquistem a confiança dos cidadãos, devendo ser assegurado um adequado equilíbrio entre disciplina financeira, solidariedade e estímulo à actividade económica"

Porque é que isto me preocupa? É que isto é “passos coelhês”, a linguagem enrolada e pesada, obscura e tecnocrática, habitual no Primeiro-ministro quando não quer dizer nada ou quando as palavras saem entarameladas ou por incompetência ou por dolo. Por favor, se não se quer dizer o que aconteceu, faça-se um comunicado de duas linhas: o Conselho discutiu vários temas da actualidade nacional e europeia, tendo os conselheiros exprimido a sua opinião ao Presidente da República.” Chegava e era escrito em português comum. E era mais verdadeiro.

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© José Pacheco Pereira
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