ABRUPTO |
![]() semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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4.5.13
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A novidade é a grande
cenoura do jornalismo. No sistema dos media, é muito fácil sugerir
mudanças, mesmo que elas não existam ou sejam muito mais ténues do que o
efeito obtido com esse anúncio. Os media vivem da novidade, "cansam-se"
muito facilmente de uma descrição que tenha tendência para se repetir.
Pelo contrário, precipitam-se com enorme gula e superficialidade para
tudo o que pareça ser diferente, valorizando excessivamente aquilo que
interpretam como sinais de mudança. A continuidade interessa-lhes pouco,
pelo que não é muito difícil encenar mudanças, ou conduzi-los para um
discurso desejado ou pura e simplesmente levá-los a racionalizar como
mudanças aquilo que pode ser caótico e contraditório.
Por todo o
lado, existem hoje declarações, comentários, análises acentuando que o
governo mudou de "estratégia", ou porque foi a isso obrigado, ou porque o
desejou, ou porque desde sempre estava prevista uma governação de dois
actos e entrou-se agora nesse segundo acto. A mensagem que a
superficialidade mediática "passa" bem é a de que "agora" o Governo quer
voltar-se para a economia, está disposto a mudar de atitude em relação à
concertação social, e está "dialogante". Estes são os sinais de mudança
e, no plano político, ela tem para o poder político uma dupla vantagem:
apresenta o Governo como tendo "compreendido" a importância do
crescimento, passando para o PS o ónus da intolerância e rigidez de quem
"não quer os consensos" neste tempo de "emergência nacional". Não há
nenhum sinal sólido nem de que o Governo tenha mudado qualquer política
de fundo, nem que "dialogue" genuinamente, mas todos os sinais
coreográficos de que possa haver essa mudança são hipervalorizados.
Embora
a remodelação não tenha sido muito entusiasmante, bastou a presença de
um novo ministro numa conferência de imprensa atabalhoada e sem
conteúdo, a recitar um mantra sobre o "consenso", para que houvesse quem
dissesse "aqui está uma lufada de ar fresco". Basta o Governo - que já
negociou com a troika quase tudo de essencial e não o quer
revelar por receio das consequências, e, em complemento, porque não o
tem estudado em detalhe - afirmar que nada pode dizer em público porque
tem que negociar com o PS ou com a concertação social, para se aceitar
que há uma "nova atitude" e um novo adiamento. Na verdade, os adiamentos
sucessivos da informação devida aos portugueses sobre os novos planos
de austeridade, previstos para Fevereiro de 2013, adiados com o pretexto
de que não podiam ser revelados antes da avaliação da troika,
depois de novo adiados sem razão, e, por fim, acrescentados das novas
medidas resultantes das inconstitucionalidades do Orçamento, foram mais
uma vez anunciados para o Conselho de Ministros desta semana e depois de
novo adiados para a apresentação do Orçamento Rectificativo em Maio. O
que era possível saber-se em Outubro de 2012 foi adiado para Fevereiro
de 2013, adiado de novo para inícios de Abril de 2013 e, por fim (?),
para Maio de 2013. O que é que se passa? A "lufada de ar fresco" não nos
explica isto.
Depois há a mudança para a "prioridade" do
crescimento. Na verdade, esta dicotomia austeridade-crescimento, ou
défice-economia, ou finanças-economia, é mais um remake do que
uma novidade, mas, pelos vistos, pega sempre. Quer Marcelo, através da
sua "narrativa", quer Marques Mendes, como representante de um lado do
Governo hostil a Gaspar, popularizaram a dicotomia, mas têm o problema
de ter que estar sempre a anunciá-la como acontecendo "amanhã", ou já
ter acontecido na última semana, mas depois desaparecendo sem traço.
Se
andarmos para trás, já houve várias tentativas de usar estas dicotomias
para sugerir que o Governo iria ter um novo curso. Já tivemos quinze
dias de acesa esperança na "industrialização", mais um anúncio sobre a
mudança de parte do porto de Lisboa para a margem sul, e muitos mais
anúncios avulsos para depois de 2015... Todos surgiram depois de
falhanços consideráveis do primeiro elemento da dicotomia: ou
austeridade que não acaba e exige novas medidas, ou défice que não se
atinge, ou crise económica muito mais funda do que a prevista. E lá dá o
Governo sinais de atenção à economia, pela acção esforçada do ministro
da dita, ou por umas declarações ambíguas de outros governantes.
Na
verdade, esta dicotomia, mais do que correspondendo a uma qualquer
realidade, funciona para enquadrar rivalidades internas no Governo. No
interior da máquina política do Governo, em que rivalizam os ministros
da Economia e das Finanças, ou os do CDS e os do PSD, os primeiros
considerados "mais amigos" da economia, em detrimento dos segundos
(personificados por Gaspar, Borges e Passos Coelho), houve sempre a
tendência para sobrepor o conflito político de poder e influência entre
pessoas e partidos do lado "bom" (economia, crescimento) versus o lado "mau" (impostos, austeridade). Mas a dicotomia esgota-se nisso.
E,
no entanto, a terra move-se. Mudou muito a governação? Mudou mesmo
muito, mas não no sentido em que têm sido descritas as pressupostas
mudanças. Mudou por necessidade, mudou por fracasso, mudou por
impotência, mudou por medo das consequências, mudou por dificuldades
acrescidas de prosseguir num determinado rumo, mudou porque foi obrigado
a mudar. Mas não mudou porque desejasse, e isso faz uma enorme
diferença.
Enquanto quem manda no Governo, Passos e Gaspar, com o
apoio de Borges, pôde fazer aquilo para que vinha com a "força anímica"
toda, o Governo passou como um bulldozer pela economia que
existia, estragando tudo o que podia com a convicção de que dos
escombros dessa "má" economia (e das "más", "piegas" e preguiçosas
pessoas que ela alimentava), sairia um Portugal alemão de dot.coms, tecnologias de ponta e empreendedores descomplexados, com salários baixos e disciplina social.
O
Governo sabia o que queria e nunca quis ouvir ninguém no seu
milenarismo profético, que estragou, essa é a palavra certa, tudo o que
lhe passou à frente, sem obter nenhum resultado sustentável, por
utopismo ideológico, engenharia política e muita, mesmo muita,
ignorância sobre o seu país e as pessoas que nele vivem. Alienou tudo e
todos, inclusive o mais valioso património que um Governo pode ter em
períodos de crise, que é a disponibilidade para o sacrifício. E não
conseguiu nada, nem cumprir o défice, nem reconstruir uma nova economia,
nem separar "empreendedores" dos "piegas", alienando tudo e todos,
menos os interesses que sempre protegeu. Os resultados nas exportações
foram frágeis, os resultados na balança comercial devem-se à recessão,
os cortes na despesa foram caóticos e insustentáveis. É verdade que
mostrou uma sanha especial em empobrecer os portugueses e desequilibrar
as relações laborais de forma claramente punitiva para os trabalhadores.
Alienou o PS, que tratou abaixo de cão, desprezou a concertação social,
esse cóio de "direitos" inaceitáveis, governou ilegalmente contra a
Constituição, apresentou aos portugueses a face de um Governo
estrangeiro. Estragou por convicção tudo o que pôde estragar, e agora
está num beco sem saída, tentando em desespero de causa e sem convicção
remendar o que estragou para não lhe sofrer as consequências.
Essa
é que é a mudança, mas é em direcção ao esbracejar e ao caos, mais do
que para uma outra política. Não é para a economia, é para a
sobrevivência, não é para razão, mas para o medo. É para um mundo
fantasmático de restos do passado, bodes expiatórios, desculpas
europeias e contínuo dolo e engano para os homens comuns. Vamos ter
metade dos dias o discurso do crescimento, de preferência antes da saída
dos semanários e dos comentários do fim-de-semana e, na outra metade, o
discurso da austeridade. Mas a única política que prossegue é a que vai
de novo atingir centenas de milhares de funcionários públicos e
pensionistas, milhares de reformados, milhões de portugueses que
precisam de serviços públicos de saúde e educação, de uma segurança
social estável, e muitos milhares de pequenas e médias empresas que são
as primeiras a sentir os cortes nas despesas do Estado, num já muito
frágil mercado interno.
Eu nem sequer peço que nos contem
mentiras novas, porque isso eles sabem fazer. Preferia que estivessem
calados até ao som da queda do pedestal e da damnatio memoriae.
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© José Pacheco Pereira
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