ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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17.9.12
ÀS VEZES APETECE LEMBRAR, por que razão não tenho surpresas...
Em
Setembro, todos os actores do poder, da oposição e das diferentes forças
políticas, económicas e sociais estarão encostados à parede num quarto
cada vez mais pequeno. Encostados a um canto. Uns sabem, outros não. Uns
vão saber a mal, outros vão tentar abrir um buraco na parede.
(...)
Já escrevi e repito que nesse canto da casa onde estamos, a raiva vai ser a resposta mais comum. A raiva é um sentimento complicado, que nem sempre transparece na violência pública, seja contra os familiares, os colegas, os polícias, a montra de um banco, ou um carro preto do Governo. George Santayana escreveu que "a depressão era uma raiva espalhada fina" e, numa das melhores descrições da raiva "espalhada grossa", Melville falava do capitão Ahab que descarregava sobre a baleia branca "a raiva e ódio sentido por toda a raça humana de Adão até aos nossos dias". E como se não chegasse tão monumental violência ainda diz que se "o peito [de Ahab] fosse um morteiro, faria explodir a granada do seu coração em brasa sobre ela", a baleia. Já temos baleia, temos o morteiro e temos o capitão Ahab. Não há segredo nenhum sobre a pretensa passividade e "aquiescência" dos "pacientes" e "pacíficos" portugueses face ao "ajustamento". E não há segredo nenhum porque não há qualquer dessas atitudes, nem paciência, nem passividade, e muito menos aquiescência. (...) É na pedrada na rua que se vê a raiva? Não, não é. Não olhem para a raiva de baixo, olham para a raiva de cima. É que não são só os de baixo que percebem que estão a ficar encostados a um canto, são também os de cima. Os de cima já perceberam que os melhores tempos já estão no passado, que o Governo já está mais estragado e hesitante do que o que eles desejavam, que já não está intacto e forte, mas que uma mistura de Relvas, mais o défice incontrolado, mais, espantem-se, a proximidade de eleições, está a dar second thoughts àqueles que queriam apenas como "bons alunos" e executores. O magma da "política", que os de cima tanto desprezam, começa a vir à superfície e será o "ruído" que não desejam. Ou, como diz o FMI de forma certeira, há "fadiga do ajustamento". (...) Começam a ter a sensação de que foi uma oportunidade única, ainda é uma oportunidade única, mas que está a acabar, começa a faltar o espaço. O canto começa a ficar apertado. Daí a raiva crescente. (...) No meio disto tudo, Passos Coelho fornece outro produto, mais à sua dimensão de executante, mas que também transporta alguma desta raiva. É quando Passos Coelho diz que "não estamos a exigir de mais", como se fosse pouco o que se está a "exigir" e ainda não levaram em cima com a dose toda. É quando avança com mais uma comparação moral que mostra o imaginário onde estamos metidos; não podemos correr o risco de nos cruzar com os nossos credores "nos bons restaurantes e boas lojas". É mesmo isso que os portugueses andaram a fazer nos últimos anos, a comprar malas Vuitton e sapatos Jimmy Choo! Passos dizia que as pessoas "simples" percebiam isto, porque de facto para ele as coisas são assim simples. Então como é que nos devemos "cruzar com os nossos credores"? De alpergatas, vestidos de chita, trabalhando dez horas por um salário de miséria? É que não é preciso andar muito tempo para trás para ter sido assim. Ainda há quem se lembre. Deve ser por isso que é preciso "ajustar". (...) Em alturas de mudança social profunda, neste caso associada à destruição da classe média e ao empobrecimento generalizado, quem não percebe isto, não percebe nada. Em Setembro, acordará do seu sono percebendo o canto a que está encostado. Ou em Agosto, ou em Outubro. Porque estas coisas, uma vez maduras, não escolhem nem dia nem hora. (url)
© José Pacheco Pereira
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