ENCONTROS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU COM AS MAÇONARIAS
Objectos maçónicos da Colecção da Maçonaria do EPHEMERA.
O
meu primeiro encontro imediato do terceiro grau (agora até isto parece
linguagem cifrada) com a Maçonaria foi durante a campanha eleitoral de
Mário Soares, nos idos de 1985. No meio de uma campanha que foi muito
complicada no início, com o PS, para quem Soares era um perdedor
garantido com 8% nas sondagens e demasiado à direita, a fechar as sedes
no Norte do país para não haver actividades do candidato, almocei no
Porto com meia dúzia de "jovens" quadros socialistas que eram activos na
candidatura. No meio do almoço, disse qualquer coisa irónica sobre
pessoas adultas que andavam de avental e luvas e o ambiente à mesa mudou
de imediato. Parecia que um bloco de gelo caíra sobre a mesa e não me
custou chegar à conclusão de que a maioria dos comensais eram "filhos da
viúva". A "viúva" era então a nossa Maçonaria de quase sempre, aquela a
que se atribuía naturalmente o nome de "Maçonaria", como o PCP era "o
partido", ou seja, o Grande Oriente Lusitano.
Depois os tempos
foram mudando e apareceram outras maçonarias, a Grande Loja Regular de
Portugal, e a sua cisão, a Grande Loja Legal de Portugal. O recrutamento
clássico para a Maçonaria começou então a sair do republicanismo
clássico, onde, como diria o PCP, a "lei da vida" ia abatendo os mações
dessa obediência, e os restos do "reviralho", sobrevivendo no PS de
Almeida Santos e outros, começavam a dar lugar a uma nova geração de
pedreiros-livres do PSD e do CDS. Nessa área política, os mações eram
até então muito poucos, e também ligados ao Grande Oriente Lusitano.
Eram vistos com desconfiança e a sua pertença era mantida em grande
segredo num partido hostil. Depois, através principalmente das "jotas",
foram alargando a sua influência até aos dias de hoje, em que as lojas
maçónicas, em particular ligadas à Grande Loja Legal de Portugal, são a
instituição parapolítica com mais influência no PSD. Os sectores mais
conservadores do partido, ligados à Igreja e nalguns casos à Opus Dei,
perderam influência e os militantes de base, de um modo geral
"antimaçónicos" primários, como antes se era "anticomunista primário",
descobrem agora a dimensão do takover maçónico no PSD. E não
gostam, mesmo que o aparelho dominante, fortemente ligado à maçonaria em
distritais como o Porto e Lisboa, tenha tendência para tornar o assunto
tabu.
O meu segundo encontro imediato com a Maçonaria foi já
com esta nova era maçónica inaugurada no início da década de noventa com
o aparecimento da Grande Loja Regular de Portugal. O motivo foi o
mesmo, uma brincadeira irónica que caiu mal num importante mação, que
era publicamente mação, mas não tinha qualquer espírito de humor e não
apreciou a brincadeira. Concorria eu à Distrital de Lisboa pela primeira
vez e numa sessão de apresentação da candidatura na sede da distrital,
encontrava-se, entre os que apoiavam a candidatura, esse conhecido
mação, a quem eu perguntei ironicamente se queria que lhe fizesse um
sinal maçónico, daqueles que se aprendem nos livros e que foram gozados
num célebre sketch dos Monty Python. Ele ficou furioso e saiu
pela porta fora e acabou por apoiar o meu adversário Pedro Passos
Coelho, sem que isso me parecesse particularmente significativo. Nunca
pensei que por isso fosse "a Maçonaria" a apoiar o Passos Coelho, nem
antes, nem hoje. Atribuí esse acto a um gesto individual e não
institucional, e nem hoje me sinto tentado a tirar conclusões diferentes
pelo peso que a instituição tem no partido e no Governo. A conclusão
que tirei foi que devia ter aprendido a lição de uns anos antes, a de
que os mações não têm qualquer sentido de humor quando se trata da
"casa".
Depois disso, mais sábio quanto à "viúva" e aos seus
"filhos", pude observar o contínuo crescimento da instituição, através
das suas novas "obediências", no seio de gente nova cuja atracção pelo
"Supremo Arquitecto" e pelos "bons costumes" me parecia bastante remota.
Pelo contrário, todos os que ia conhecendo a entrar na Maçonaria, nos
meios políticos, económicos e da comunicação social, pareciam atraídos
por uma coisa muito diferente: poder, influência e dinheiro, por esta
ordem ou por outra ordem muito semelhante. Na verdade, no Parlamento,
nas "jotas", nos jovens quadros partidários, nos quadros do aparelho
partidário, eram os especialistas no controlo do poder interno,
envolvidos muitos deles em tráfico de influência ao nível das
autarquias, dos partidos e da governação, e subindo na carreira através
de sindicatos de votos e de trade off de favores e lugares, ou
seja, nos mais ambiciosos profissionais partidários, que eu via de
repente aparecerem numa loja maçónica qualquer. Porquê? Porquê? A
resposta só podia ser porque isso lhes potenciava a carreira, a ascensão
social com novos conhecimentos e novas relações de entreajuda oriundas
da sua filiação maçónica. Há excepções, mas são mesmo excepções.
O que leva A. e B. e C. a serem mações? O que leva gente dependurada em gadgets,
e modernaça, a esse mundo anacrónico da maçonaria? Da maçonaria
conhecem muito pouco e parece-me pouco provável que tenham o ritual como
coisa para levar a sério, embora não ignore que a própria estranheza
litúrgica do rito seja dadora de identidade. A linguagem maçónica que
usam não pode ser mais elaborada do que a linguagem que usam na
política, uma mistura de SMS, twitter e "politiquês". Quanto aos
"bons costumes", estamos conversados, porque nem o mais ingénuo e
benévolo observador pode considerar que a lista dos mações-políticos
desta nova geração tenham dado alguma vez alguma prova pública de
corresponderem aos critérios formais da maçonaria. Na verdade, quer a
sua formação intelectual apressada, quer os maus hábitos da sua
actividade partidária, quer os seus escassos interesses culturais, não
apontam, nem de perto nem de longe, para uma instituição
proto-religiosa, que assenta numa filosofia sobre a ordem do universo,
numa história simbólica e iniciática e numa exigência ética e de
solidariedade, associada a outros tempos e outras práticas. É suposto
haver alguma espessura, e eles são flat.
Por isso tenho a
maior das dificuldades em tomá-los a sério de avental, luvas e colar,
mas a maior das facilidades em perceber aquilo que eles esperam dessa
irmandade ocasional. Se ser eremita no deserto da Judeia, viver em cima
de uma coluna e olhar um dia inteiro para uma caveira lhes desse um
lugar de secretário de Estado, deputado, presidente de uma distrital,
chefe de gabinete, assessor num Governo, ou membro de uma administração
municipal, ou qualquer outro lugar de poder, dinheiro ou influência,
eles também lá estariam nus a subir à coluna com uma caveira de plástico
comprada no Toys"r"us. Pelo mais curto período de tempo necessário,
como é evidente.
Se considerar este artigo o meu terceiro
encontro imediato com os "filhos da viúva" da geração actual, também não
me vou sair bem, mas seja o que o Supremo Arquitecto quiser. Há num
filme de John Huston, The Man Who Would Be King [O Homem que Queria Ser Rei],
uma história em que a maçonaria tem um papel. Kipling, o autor da
história inicial e personagem do filme, encontra-se com dois trapaceiros
ambiciosos e aventureiros, representados por Sean Connery e Michael
Caine, que apelam à sua ajuda com base na fraternidade maçónica. Eles
querem ir para ao Kafiristão e serem aí reis dos ingénuos mas ferozes
autóctones, coisa que conseguem também pelo facto de um deles usar um
colar com um símbolo maçónico que correspondia a uma velha tradição
religiosa inaugurada por Alexandre, o Grande, cujo desenho iniciático só
era conhecido por um Supremo Sacerdote.
Na verdade, o que eles
queriam era poder, dinheiro e mulheres, mas o poder, o dinheiro e as
mulheres subiram-lhes à cabeça e a história acaba mal para os dois,
quando se verifica que eram meros humanos e não deuses. Também por cá a
protecção maçónica, a discrição e o segredo que a cobrem acabarão por se
gastar, como está a acontecer por estes dias. No fundo, isto é Portugal
e em Portugal nunca há segredos que durem muito. E pode ser que o
Supremo Arquitecto também abata os seus falsos pedreiros. Pode ser, não é
certo, mas pode ser.