ABRUPTO

9.11.10


UM PLANO DE SALVAÇÃO NACIONAL PURAMENTE UTÓPICO


Querem um plano de salvação nacional puramente utópico? Aqui vai.

Durante a próxima semana, os seguintes eventos decorrem com a máxima celeridade. Em acordo com o Presidente ? da República e, se fosse possível, consultando os candidatos ao cargo com mais possibilidades eleitorais, ou seja, em acordo e colaboração activa com o Presidente Cavaco Silva e consultando Manuel Alegre, o Secretariado do PS, o partido vencedor das últimas eleições, dispõe-se a apresentar um novo primeiro-ministro para substituir José Sócrates. Este, percebendo que é um obstáculo a qualquer entendimento sustentado na vida política portuguesa com o PSD e o CDS, demite-se do cargo que ocupa e insiste com o PS para apresentar outro nome que possa obter um acordo ou pelo menos um forte benefício da dúvida e lhe dê carta-branca para constituir um novo governo o mais depressa possível. Faz isso tudo num dia ou dois, retirando qualquer conteúdo polémico dentro do partido à decisão. Depois, retira-se de imediato sem acrimónia nem reserva mental para uma função diplomático-política, substituindo Ferro Rodrigues ou Basílio Horta, por exemplo. Longe. Não se esqueçam nunca que isto é ficção.

Neste processo, o PS consultou o PSD e o CDS sobre a figura que lhes parece mais aceitável para primeiro-ministro e para ministro das Finanças, alguém com quem os dois partidos, seja qual for a fórmula, aceitem colaborar num programa mínimo de salvação nacional. Não se trata de um governo de coligação, nem sequer de um acordo parlamentar à partida (pode ser um passo seguinte), mas de uma figura que ambos os partidos considerem ser de confiança e que mereça também a consideração do Presidente da República. A desconfiança face a José Sócrates e à sua equipa, mais que justificada por toda uma série de acontecimentos, é considerada o principal óbice a entendimentos duradouros no meio de uma crise gravíssima. O objectivo é garantir uma distensão a curto prazo no sistema político português e obter um efeito semelhante na opinião pública. Esta polariza-se negativamente à volta de José Sócrates e não do PS, e este processo de substituição garantiria também uma distensão a nível nacional. De novo, para resultar tudo tem que ser muito rápido e sem considerações de cálculo partidário. Não se esqueçam nunca que isto é ficção.

A direcção do PSD (e eventualmente a do CDS) decide deixar de tomar as sondagens como factor de consideração na elaboração de políticas e, mesmo que as sondagens lhes dêem a maior das maiorias daqui a seis meses, raciocinam para a crise hoje e não a prazo, por muito curto que lhes pareça. Sabem que a bancarrota nacional pode estar no dia de amanhã e aceitam actuar com desprendimento em relação aos interesses partidários de curto e médio prazo. De curto e médio prazo e não apenas de curto. Isso significa abandonar qualquer plano de derrube do Governo por via de uma moção de censura até ao fim da legislatura, considerando que não é lógico permitir a passagem de um orçamento e tornar inviável a sua aplicação pela queda do Governo que a ele está vinculado. Põem um freio nos apetites internos de mudar rapidamente um grupo parlamentar de que não gostam para fazer outro de que gostam, mesmo no meio das chamas da crise financeira. Não se esqueçam nunca que isto é ficção.

O PSD apresenta ao PS um plano mínimo de medidas que considera fundamentais para restaurar as finanças públicas, permitir o crescimento económico e controlar a dívida. Esse plano destina-se a ser implementado de imediato. Naquilo que forem políticas a mais longo prazo, fica acordado pelos dois partidos (ou três) que estas serão incorporadas nos seus programas eleitorais de 2013. O objectivo é permitir, principalmente nos aspectos mais gravosos de uma política de austeridade, que esta é sustentada desde já e o continua a ser até ao fim da legislatura que terminará em 2017. Haverá quem entenda que assim os eleitores ficarão condenados a escolher entre Dupont e Dupond, mas ficam de fora o PCP e o BE, logo haverá escolha. Não se esqueçam nunca que isto é ficção.

Para dar seriedade à política e se deixar de ter que ouvir os mil e um ersatz ideológicos que nos dão a sensação de que há debate político quando não há, o PS deixa-se de andar a hastear a bandeira do "Estado social" e o PSD de "emagrecer o Estado", quando nem um nem outro estão a fazer o que dizem. O PSD ajudará a definir as regras do "Estado social" mínimo e sustentado, o PS fará um plano drástico de reduzir os custos e o tamanho do Estado, porque ambos bem o podem fazer sem trair nada de fundo do que pensam ser as suas bandeiras ideológicas. Cada partido ouvirá o outro e fará um esforço de entendimento, percebendo que muito do que é a polémica política que até à semana miraculosa travaram é mais destinada a animar as hostes para esconder as políticas reais, do que as políticas reais. No fundo, Marcelo Caetano e Cavaco Silva fizeram muito pelo "Estado social" e Mário Soares e Sócrates fizeram bem pouco. O que todos fizeram foi gastar muito dinheiro e dar-lhe a etiqueta de "social", umas vezes com razão, outras não.

Conseguida a figura do novo primeiro-ministro, constituído o Governo em meia dúzia de dias, um governo muito pequeno e operacional, a legislação que materializa este Orçamento começa a ser aprovada com celeridade na Assembleia da República. Rígidos critérios de controlo da execução são postos em marcha, e os poucos recursos que sobram do aperto orçamental são destinados ou a proteger os mais pobres dos efeitos da crise ou a apoiar a economia produtiva. O Governo decide concentrar nas instituições de solidariedade


Tudo isto é feito no máximo de um mês, com um enorme esforço de negociação por equipas de pessoas que têm em comum saber como são graves os problemas do país e sentir um enorme sentimento de urgência para responder à crise. Nem um homem dos aparelhos partidários estará nessas equipas, que juntam os mais prestigiados, conhecedores e respeitados homens dos partidos, que existem no PS e no PSD, estejam no activo, no Parlamento, no Conselho de Estado, ou a trabalhar nas suas profissões. Não farão obra perfeita, mas farão obra dedicada ao país e descomprometida aos interesses partidários. Não aparecerão de cinco em cinco minutos na televisão, não darão conferências de imprensa a não ser no fim, não abundarão de sorrisos. Não prometerão nada, apresentarão resultados. Não se esqueçam nunca que isto é ficção.


E... pouco a pouco, os juros da dívida baixarão. Não se esqueçam nunca que isto é ficção.

(Versão do Público de 6 de Novembro de 2010.)

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© José Pacheco Pereira
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