ABRUPTO

21.11.10


COISAS DA SÁBADO: TEORIAS SOBRE AS LEITURAS EM VIAGEM 
(3) UM CAPÍTULO AQUI E OUTRO ALI: KISSINGER E BENJAMIN BRITTEN

Britten e Peter Pears

E começou então a leitura pêle-mêle, um capítulo aqui, outro ali, sem grande nexo a não ser a prisão da minha atenção, – ainda sou da geração que não sofre de ADD, Attention Deficit Desorder – por dois excelentes ensaios. Neste caso um sobre Kissinger, outro sobre o compositor inglês Britten. Tenho a a impressão que juntar este par , num texto deve ser a uma estreia mundial fruto de leituras verdadeiramente en vrac. Comprei em segunda mão, como novo, The Coming Anarchy, de Robert Kaplan, de que conhecia o livro sobre os Balcãs. E no meio do índice estava um ensaio sobre o “realismo” de Kissinger que faz justiça a um dos grandes diplomatas, políticos e teóricos das relações internacionais do século XX. Kaplan mostra como, contrariamente a outras leituras, Kissinger foi profundamente influenciado pela sua juventude na Alemanha nazi e por uma aversão profunda à “revolução” hitleriana e à política de apaziguamento que conduziu não à paz, mas à guerra. O seu “realismo” vinha da consciência de que nada melhor para gerar instabilidade e revolução do que políticas bem-intencionadas e diplomacias sem disponibilidade e capacidade para usar força. Obama devia ler Kissinger.

O outro ensaio, sobre Britten, vem no livro de Alex Ross, The Rest is Noise. Listening to the Twentieth Century. Era para mim um livro azarado que já tinha tentado comprar e desistido à última hora. Quando saiu, nas “novidades” da Waterstones de Londres, fresco na sua capa dura de primeira edição, atraiu-me logo a atenção, peguei nele para o levar, mas já tinha tanta coisa e tanto peso que desisti. Foi uma asneira de que só me estou a redimir agora, porque a julgar pelo ensaio sobre Benjamin Britten, o único capítulo que li, o livro merece os prémios e fama. Ross retrata Britten no contexto da sua Aldeburgh natal e onde está sepultado, uma terra de pescadores cinzenta, despida, inóspita, varrida pelo vento, com um estuário e um mar perigosos. O centro da análise é a opera Peter Grimes, passada exactamente no cenário trágico da sua terra de pescadores, com uma história do mal, da culpa e da loucura. À volta de Britten, da sua homossexualidade, dos dilemas artísticos da sua criação, solitária e fora de moda como a de Chostakovitch com que pode ser comparado, à margem do atonalismo e do experimentalismo vanguardista – Luigi Nono recusou-lhe um aperto de mão – Ross mostra os dilemas e contradições dos anos da Guerra Fria e da passagem de um mundo que tirou a homossexualidade do armário. Quando Britten morreu a Rainha Isabel mandou um telegrama de condolências a Peter Pears, o seu companheiro de quase uma vida toda. O mundo tinha mudado entretanto.

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© José Pacheco Pereira
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