ABRUPTO

30.10.10


COISAS DA SÁBADO:  ATENÇÃO AOS FACTORES POLÍTICOS DA CRISE

O facto do aspecto mais visível da nossa crise ser de natureza financeira e o seu motor ser de natureza económica e social, tem obscurecido o papel da crise especificamente política. Ouvindo no essencial economistas a falar sobre a crise cria-se a perigosa ilusão que as soluções para a crise que atravessamos são apenas de natureza económico-financeira e que os aspectos políticos são menos relevantes ou irrelevantes. Ora Portugal é uma democracia e por isso há dois factores que nunca podem ser esquecidos: um, primeiro e fundamental, é que o eleitorado não vota segundo a racionalidade dos economistas, mas segundo os seus interesses e expectativas e conforme considera que eles estão assegurados ou ameaçados por determinadas políticas; e, em segundo lugar, que é na política, nos partidos e nas suas lideranças, que essas expectativas e interesses estão representados, ou não.

Isto para dizer que para haver a mudança necessária ela tem que passar pelo voto e o voto não se move pela noção de custo-benefício económica, mas sim pela percepção do custo-benefício social para o eleitor. Em condições de normalidade os partidos políticos representariam as diferentes percepções desse custo-benefício social, que não é a mesma para os eleitores do PCP e do BE ou do CDS e, mesmo que seja a mesma para os eleitores do PS e do PSD, há muitos factores de diferenciação, mesmo sociais, entre os partidos que vão buscar votos ao centro. Mas hoje essa relação entre políticos-partidos-eleitores está muito deteriorada e isso ainda torna mais difícil manter a racionalidade democrática do voto. Por várias razões, que vão desde a degradação dos partidos e dos políticos, até a bloqueios institucionais inscritos na Constituição e na legislação eleitoral, ao surto de demagogia e populismo que vivemos, o sistema político está disfuncional e ameaça manter-se disfuncional por muitos anos. Ou seja, a crise da política democrática impede a estabilização de um terreno em que a racionalidade económica funcione sem ser pelos diktats do estrangeiro. Isto significa que a crise política pode agravar significativamente o tempo necessário para se tomarem as medidas devidas para defrontar a crise económica e financeira e travar a crise social.

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© José Pacheco Pereira
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