ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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22.3.09
ÍNDICE DO SITUACIONISMO (74): O EGO À PROCURA DO ECO (1) A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração. E, nalguns casos, de respiração assistida. A peça do Público de hoje (Filomena Fontes e Margarida Gomes, Por que é que o país não ouve Manuela Ferreira Leite?) é uma daquelas peças típicas de auto-justificação, destinada a demonstrar as teses dos jornalistas mais do que qualquer realidade que lhe seja exterior. Não é uma notícia, ou uma investigação, ou um facto, é uma opinião que procura no eco de si própria a sua confirmação. É o resultado da criação de um mundo "comunicacional" que depois filtra a realidade para se alimentar na sua razão narrativa naquilo que passa no filtro. É um círculo vicioso. Eu sei que a "realidade" a que se reduz o pensamento único dominante nos meios de comunicação social são as sondagens, mas para além de todas as dúvidas que se possam ter sobre o que é que dizem as sondagens (e eu não as coloco em causa como indicador entre outros), a questão é saber se a causalidade dos resultados vem dos pressupostos implícitos na pergunta do artigo. Ou seja, se os resultados das sondagens "explicam" as causas dos resultados das sondagens e se esses resultados vêm da "política comunicacional" de Manuela Ferreira Leite, como está explícito no artigo. Podiam aliás vir de outra coisa muito pior para um protagonista político, da discordância com as propostas de Manuela Ferreira Leite, mas isso introduz uma outra "realidade" demasiado complicada para o mundo simples que o jornalismo político hoje produz. Só que, imaginem que eu propunha outro título para a peça, por exemplo: "porque é que os jornalistas não ouvem Ferreira Leite?". Podia ser, não podia? É exactamente da mesma natureza, só que o filtro é meu e também podia explicar as sondagens, a "realidade". Mas não explica, nem eu penso que explique, porém ajudava a tornar menos monocórdica a explicação. E que os jornalistas não ouvem ou fazem por não ouvir, começa pelo próprio título, resultado de uma clara manipulação de uma frase de Manuela Ferreira Leite, que nunca disse que "ninguém nos ouve" referindo-se ao país, mas sim ao governo. O que se passa é uma espécie de reacção pavloviana dos jornalistas que, sempre que encontram uma frase que se presta para transformar em gaffe, a truncam do contexto e a usam noutro sentido. Interpretar a frase de Manuela Ferreira Leite fora do contexto em que foi dita, fora das frases que a acompanham, é, para ser meigo, mau jornalismo. O resultado é evidentemente perverso: tende, no mundo comunicacional claustrofóbico que é o nosso, a criar uma narrativa que depois é repetida pelo jornalismo de rebanho dominante. É isso que eu tenho chamado situacionismo, porque o seu efeito, mesmo não subjectivamente pretendido, é servir o poder que está. E o poder que está não é uma abstracção: existe e exerce-se. (Continua.) (url)
© José Pacheco Pereira
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