ABRUPTO

9.9.08


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
Porque é que os nossos telejornais não avisam que o Mundo pode acabar na Quarta-Feira?


Tempos houve onde eu ainda tinha alguma esperança: surgiram programas de debate (já desapareceram quase todos), os jornais faziam (pelo menos parecia-me) tentativas sérias para subir o nível das suas notícias e colunas de opinião, sabia-se um pouco do que se passava pelo mundo e parecia haver vontade de se saber cada vez mais e de quebrar o gosto pela ignorância, que tão bem nos caracteriza como povo. Agora já não tenho, e não é por causa do assunto desta mensagem: "Porque é que os nossos telejornais não avisam que o Mundo pode acabar na Quarta-Feira?". Obviamente a minha crença neste evento (cujas probabilidades são da mesma ordem de grandeza das de eu conseguir atravessar uma parede por efeito de túnel), ainda por cima pelas causas apontadas, é nula.

Mas é relevante a intensidade da discussão à volta dele na Internet e nos meios de comunicação social estrangeiros; veja-se esta notícia no Times,
que fala do medo suscitado pelo início das operações do LHC, no CERN, que alguns temem que possa levar à produção de mini-buracos negros, que por sua vez transformarão todo o planeta em "grey goo". Obviamente, aplica-se aqui a sábia caução dos nossos aliados Ilhéus: "a little knowledge is a dangerous thing"; quase toda esta discussão não passa de um conjunto de disparates, mas HÀ discussão, feita por cidadãos comuns, pelos meios de comunicação social clássicos e pelos blogues. E o facto de que um cidadão comum do Reino Unido, da Alemanha, Estados Unidos, etc., tenha ouvido falar do LHC e dos seus objectivos (a detecção do bosão de Higgs) e mostre interesse e alguma compreensão é, para quem viva em Portugal, espantoso.

Aqui, agora, não hà nada comparável (já agora, um bocadinho de conhecimento pode ser perigoso, mas nenhum conhecimento é, de certeza, mortífero), mas não foi sempre assim: recordo-me de ver exemplares antigos d'O Século onde, em pleno Estado Novo, apareciam boas reportagens da corrida espacial, recordo-me dos comentários do falecido Eurico da Fonseca sobre o programa espacial; até me recordo de você levar para o Flashback o cancelamento, pelo Congresso dos Estados Unidos, do SSC. (Além disso, estou convencido que a literacia matemática e científica tem caído a pique nos últimos anos, e está, cada vez mais, a ser substituída pela adoração acrítica de tecnologias não compreendidas).

É apenas a minha impressão ou demos, como povo, vários passos atrás nos últimos 15 anos? Começo a suspeitar que, se o planeta realmente se transformar em "grey goo", nós não vamos notar grandes diferenças; até aposto que o telejornal vai continuar a abrir com o futebol.

(João Soares)

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Acerca dos hipotéticos perigos causados pelas experiências no LHC, talvez seja útil divulgar este artigo. Trata-se duma publicação numa revista de especialidade, a Journal of Physics G: Nuclear and Particle Physics. Em todo o caso, parece-me relativamente acessível, principalmente o resumo, a introdução e as conclusões. É um estudo sobre a segurança das colisões no LHC do CERN.

Rui Pereira Bento (Licenciado em Física pela FCUL)

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Ao ver as fotografias do LHC sugeridas pelo José Rui Fernandes
(sobretudo esta), diria que o LHC é uma autêntica "Linha Maginot" da Física de
Partículas! E é curioso que o empreendimento seja uma iniciativa conjunta da
França e da Suíça, dois países com uma tradição já longa de estruturas
militares subterrâneas: túneis, túneis e mais túneis.

(mc)

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Podemos contribuir para o LHC através do projecto LHC@Home . Estas experiências científicas produzem enormes quantidades de dados (neste caso, milhares de GB) que precisam de ser processados para ganharem sentido. Podemos oferecer o nosso computador para dar uma ajudinha. Gastamos alguma (pouca) electricidade mas rentabilizamos os fantásticos processadores que estão a dormir dentro do nosso pc, 99.9% do tempo, mesmo quando o usamos para escrever, navegar, etc.
Quem tem portáteis convém ter cuidado, pois estes não foram desenhados para funcionar como cavalos de carga (workhorses) e podem aquecer, mas é uma questão de afinar a configuração.

(Ricardo Resende)

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Ainda sobre a eminente destruição do mundo por buracos negros produzidos no LHC, deixe-me dizer-lhe que os físicos de partículas têm resposta para tudo: 'Criaram' um dispositivo para precaver essa eventualidade. A vêr aqui. Creio que assim podemos dormir descansados!

(Filipe Paccetti)

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Será que não há mesmo mercado para a informação científica? Será que os jornais que em Portugal pretendem ser de referência não estarão a cometer um erro de gestão ao tratar de modo tão displicente a ciência? É uma hipótese que devemos colocar.

Dou por mim a comprar jornais não tanto pelas notícias (que as posso ter mais cedo na televisão) mas pela importância de ler este ou aquele contributo deste ou daquele comentador ou divulgador, nas mais diversas áreas do conhecimento, pessoas que nos ajudam a pensar e a contextualizar a informação que nos chega. Mas quanto à Ciência não há quase nada, é um buraco negro, um vazio (bom, buraco negro deve ser o contrário absoluto de vazio, as metáforas têm destas coisas).Tudo isto para dizer que gostaria de poder comprar jornais também para me pôr em dia com a ciência e tecnologia, obviamente com garantia de rigor.

Sou de uma geração em que alguns de nós, ainda mesmo enquanto miúdos, sabiam de cor os nomes daqueles que se iam evidenciando na Astronáutica, na Aviação, na exploração dos oceanos, etc. e mesmo quando não percebíamos os seus ramos de conhecimento e as suas descobertas, mesmo assim eles tornavam-se nos nossos heróis, pessoas que um dia, à nossa maneira, poderíamos tentar emular.

Lembro-me de ser miúdo e andar a pedinchar algumas moedas lá em casa para poder comprar o jornal, só para poder viver, à distância, os feitos e as conquistas da minha então contemporaneidade, geralmente a conquista do espaço (assunto quase sempre comentado entusiasticamente pelo saudoso Eurico de Figueiredo, o "nosso contacto na NASA"). Mesmo que não percebesse grande coisa isso era para mim fascinante. Lembro-me também que nessa altura a grande dúvida era que jornal comprar. Geralmente acabava por comprar o que tivesse o artigo maior! Acho que se hoje ainda tenho amor aos jornais, essa ligação vem desse tempo (quando ia de férias fazia uma assinatura do Diário de Lisboa, que requinte poder recebê-lo ao pequeno almoço!).

Por tudo isso penso que talvez haja aqui um nicho de "conteúdos" (desculpem), que os jornais, alguns, podem perfeitamente explorar e com isso contribuir tanto para os seus resultados líquidos como para a literacia, em sentido lato, dos seus leitores.

Do lado dos jornais vejo esta possibilidade que é ao mesmo tempo uma oportunidade e uma necessidade. Não compreendo esta omissão generalizada.

Do lado da televisão, a pública, a RTP tem pesadas responsabilidades, que não cumpre ou cumpre muito mal. Pior ainda, não é só no campo da ciência mas também noutros, por exemplo o teatro e a música (há quanto tempo não há um concerto de clássica?, há quanto tempo não temos um programa de jazz na rtp 2?, por quanto tempo mais teremos ainda o chamado espaço "nobre" da 1 preenchido com boçalidades do tipo "O Preço Certo", etc. etc..).

Se nem todos compramos jornais, todos acabamos por ver televisão e a educação dos jovens passa em larga medida pelo que vêem e ouvem na tv. A escola não pode, não consegue, lutar sozinha. Em tempos (há muito tempo) fui professor e nessa altura levei muitas vezes para a aula alguns jornais debaixo do braço para os poder abrir em plena aula e a partir das suas notícias e reportagens poder fazer a ligação entre o programa curricular e a vida do dia a dia.(o Times de 6 de Janeiro de 1969, com a Terra a nascer por detrás da Lua ainda hoje é um espanto e um assunto em desenvolvimento).

Resumindo, entendo que os jornais estão a desperdiçar uma oportunidade e a televisão pública a desrespeitar uma obrigação.

(António Matos Rodrigues)

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É verdade que os telejornais não avisaram que o mundo podia acabar na quarta feira, em consequência da experiência a realizar no LHC (Large Hadron Collider) do CERN, durante a qual as planeadas colisões entre feixes acelerados de protões poderiam dar origem à criação dos míticos buracos negros, embora em versão mini, mas capazes de engolir a matéria circundante, num processo de bola de neve que provocaria a implosão de todo o planeta.

Felizmente (ou infelizmente) isto não vai acontecer, por motivos que agora seria demorado explicar. Mas houve quem dedicasse algum tempo e paciência a falar dessa hipótese. Pelo menos no blog De Rerum Natura, o assunto foi abordado com alguma intensidade de argumentação.

(Jorge Pacheco de Oliveira)

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Relativamente ao post: Porque é que os nossos telejornais não avisam que o Mundo pode acabar na Quarta-Feira?, junto envio uma pequena contribuição que ajuda a explicar o LHC:

(Pedro Velasco)

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De facto a divulgação científica em Portugal tem vindo a diminuir porventura resultado de alguma iliteracia científica e da forma como as redacções dos media fazem outras apostas. Mesmo assim têm sido publicados diversos artigos em português. A revista SuperInteressante já falou sobre isso e tem publicado textos muito interessantes na área da astronomia/cosmologia.

Ainda recentemente, Carlos Fiolhais foi entrevistado na SIC Notícias, no “Jornal das 9” e falou da partícula de Higgs, sendo visível o interesse e desconhecimento de Mário Crespo pelo assunto. Sem querer tirar o mérito do jornalista, foi uma entrevista em que se percebeu como é mais fácil ser treinador de bancada e falar de futebol nos media do que discutir ciência.

Há pouco tempo, a propósito de uma expressão de um cientista da NASA em que ele comentava de forma ligeira a qualidade do solo de Marte e a sua capacidade para servir para cultivo, os jornalistas portugueses apressaram-se a traduzir as suas afirmações sugerindo que o solo de Marte servia para cultivar alho-francês, não percebendo, na sua iliteracia, que ele afirmava isso da mesma maneira que, se fosse do norte de Portugal, teria dito que servia para cultivar couve-galega. Era apenas um comentário de momento, transformado em título pela iliteracia científica dos jornalistas.

Relativamente ao LHC, sugiro ainda este excelente blog que, inclusive, já usei em várias aulas minhas de Física e Química: particularmente esta entrada .

(Emanuel Ferreira)
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Mont Blanc, 08.08 - Antes da operação do LHC (Large Hadron Collider) no CERN (Laboratório Europeu de Física de Partículas) Segundo o relatório dos cientistas responsáveis pelo LHC – citado no timesonline.co.uk: “Nature has already conducted the equivalent of about a hundred thousand LHC experimental programmes on Earth – and the planet still exists”

(MJ)

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O seu leitor João Soares tem razão ao queixar-se da falte de textos sobe questões científicas da actualidade na imprensa generalista. No caso específico do início do funcionamento do LHC, deve-se dizer no entanto que o professor Carlos Fiolhais publicou um artigo sobre o assunto no Sol. Mas nota-se que, com excepção do Público, se vêem nos jornais e nos telejornais pouquíssimos trabalhos jornalísticos sobre questões científicas (não confundir trabalhos jornalísticos com textos de divulgação). Em Outubro do ano passado, um texto do Expresso tinha uma afirmação de George Steiner relativa aos teoremas de Gödel que poderia induzir em erro os leitores daquele jornal. Enviei-lhes então este texto. Nem tive resposta.

(José Carlos Santos)

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Feliz, a sua transcrição dos comentários sobre inumeracia e ignorância científica nacional, problemas que são, para mim, muito mais graves do que os de ileteracia – até por, precisamente, os media e os blogues nem sequer darem por eles, ao contrário do que lá vai sucedendo com as línguas!

Sobre a transcrição do leitor José Carlos Santos, um obrigado pelo acesso á carta dele sobre Godel. Muito bem escrita. Deixe-me juntar-lhe duas ideias que há muito tenho sobre isso (teorema de Godel):

1 – Há também quem acredite que “os computadores” acabarão por entender tudo e que talvez até já compreendam mais que nós. Mas o teorema de Godel tem uma correspondência na computação, na chamada “tese de Church”. Os computadores nunca poderão sequer resolver problemas muito complexos. O que, obviamente, não significa que não possam incorporar imenso conhecimento humano, tal como o teorema de Godel não impede a Matemática de descrever bem muita coisa.

2 – De interesse maior será o facto de Godel nos ter mostrado as limitações do raciocínio como via de conhecimento. As contradições insolúveis de que sofrem os sistemas formais só se resolvem recorrendo a conhecimento exterior (meta-conhecimento). O qual, é óbvio, não pode ter sido adquirido por esse mesmo formalismo. O que e finalmente, digamos, é uma confirmação do velho escrito “Da Prática”… J

Quanto ao acelerador de partículas, o que mais me excita (sorrindo, claro) é a janela para as provas da supersimetria. Por que se esta se provar, então a teoria das “membranas” (ou “cordas”) terá um enorme reforço, com ela a ideia de dimensões extra, e daí a possibilidade de universos paralelos, e portanto da imortalidade da alma (noutras dimensões), do Céu e do Inferno… J

(José Luís Pinto de Sá)


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