ABRUPTO

2.9.08


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: UMA II GUERRA MUNDIAL COMO NUNCA SE TINHA OUVIDO FALAR (2)

No início do seu livro Davies formula uma série de perguntas que costumava fazer sobre a guerra e que poucos eram capazes de responder. Por exemplo, que nacionalidade perdeu o maior número de civis durante a guerra? (A Bielorrússia). Qual o maior desastre marítimo ocorrido durante a guerra? (O afundamento do navio alemão "Wilhelm Gustloff" em Janeiro de 1945 no Báltico por um submarino soviético, com perda de 9343 homens, mulheres e crianças). Não é por acaso que pouca gente sabe responder a estas perguntas, não pelos factos em si não serem conhecidos, mas porque uma visão ideológica da guerra impediu comparações, análises, estudos que resultam num diferente equílibro do que aconteceu. A Bielorrússia apesar de ter sido brevemente independente no pós I Guerra (como a Ucrânia outra nação particularmente martirizada), tinha que ser englobada nas estatísticas soviéticas e em muitos casos "russas", quando a parte mais violenta do conflito, com maior número de civis mortos, foi fora da Rússia propriamente dita, cujo grosso do território nunca foi ocupado pelos alemães. No caso do "Wilhelm Gustloff", também era suposto não se tratar os alemães como vítimas, mas apenas como agressores. As mortes dos agressores não contavam, mesmo quando se tratava na sua maioria de civis que fugiam da Prússia Oriental, à chegada do exército soviético.

Estes e outros factos (por exemplo, a ideia que temos do bombardeamento de Coventry como a quinta essência dos ataques aérios a cidades, logo a civis, empalidece quando se comparam os 568 mortos ingleses, com os 40000 de Dresden, mesmo assim muito abaixo dos 90000 de Varsóvia), tratados pelo seu valor em si mesmos e não numa lógica ou ideológica (pró-soviética), ou pró-ocidental, ou pura e simplesmente dos vencedores, dão a este livro o tom de frescura e provocação que o tornam muito interessante. Mais: dão-lhe o valor de uma história outra que só agora se começa a fazer da II Guerra Mundial.

(Continua.)

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O livro de Norman Davies sobre a II Guerra teve algumas críticas negativas, mas que julgo injustas. Li-o antes da sua edição em português e encontrei nele uma extraordinária virtude: recentra a guerra na Europa onde ela realmente se passou, isto é, no Leste. Mas não o faz para elogiar a URSS de Estaline, antes porque foi isso mesmo que se passou. Para vergonha, devo acrescentar, da França, o grande país europeu onde a “nova ordem do Reich” menos oposição encontrou durante mais tempo.

Julgo que Norman Davies escreveu este livro porque conhece como poucos a história da Polónia – uma história que deveríamos estudar com a maior atenção. Por isso, e uma vez que a sua monumental História da Polónia é de difícil digestão, recomendo a soberba síntese, escrita do presente para o passado, isto é, com a cronologia investida, da memória daquele país: Heart of Europe: The Past in Poland's Present. Para mim é do melhor que li de Davies, e também um das obras mais conseguidas sobre a forma como a memória histórica e a herança cultural condiciona o que um país é e pode ser. Igualmente notável, e muito apropriado para recomendar no dia em que o Presidente da República visitou um museu que celebra o levantamento de Varsóvia no Verão de 1944, é Rising’44, notável reconstituição da luta heróica do povo de Varsóvia contra os nazis. E, também, brilhante evocação de como os soviéticos assistiram, a poucas dezenas de quilómetros de distância, ao massacre dos patriotas polacos sem mexerem uma palha, deixando que fossem os nazis a massacrar os nacionalistas que um dia poderiam vir a opor-se à tutela soviética.

(José Manuel Fernandes)

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Talvez porque sempre tive propensão para a matemática e porque li muita coisa sobre a II Guerra Mundial até aos 15 anos de idade, os números que Davies indica não constituem novidade para mim. Sempre tive bem a noção de que a Guerra alemã foi essencialmente travada contra a Rússia e a Ocidente não houve mais que umas escaramuças, comparativamente.

Aliás, já uma vez lhe escrevi a notar que foi a batalha de Kursk que desviou os recursos alemães da Itália, e não o contrário…

De resto, é um feito militar espantoso o que o III Reich conseguiu infligir aos aliados ocidentais no Norte de África, em Monte Cassino e até na França/Holanda, com tão parcos recursos, já que o grosso das suas forças sempre esteve para lá da Polónia, desde o início da Barbarrosa! A Ocidente; só numa proporção de 10 para 1 os alemães eram vencidos. Em El Alemein os ingleses venceram mas perderam mais homens que o total de efectivos do Africa Korps, que nem era composto por nenhumas forças especialmente preparadas ou ideologicamente motivadas!...

Mas claro que para os ignorantes da história desta guerra estas coisas são surpresas, considerando a propaganda ocidental. Lembro-me que ainda não era maoísta, no início de 1970, e eu já escandalizava o dono do quarto onde vivia, em Lisboa, quando lhe afirmava que não haviam sido os ingleses no norte de África que tinham permitido a vitória russa de Estalinegrado mas sim o contrário…

Claro que a propaganda faz o seu trabalho e ainda recentemente um filme teve o despudor de afirmar que haviam sido os americanos a apanhar a máquina de código dos submarinos alemães, e não os ingleses, como de facto foram!

Do que me conta, a novidade maior estará na apreciação dos eventos na óptica da nova geografia política europeia!

No que escreveu no seu blogue, um reparo maior que talvez queira publicar:

Os 40 mil mortos de Dresden são a estimativa mínima e muito discutível dos efeitos das duas vagas de bombardeamento (com bombas de fósforo incendiárias), dado o grau de incineração dos cadáveres e o número mal-determinado de refugiados que na altura ocupavam aquela cidade cheia de casas de madeira. A estimativa máxima anda pelos 500 mil, mas é geralmente aceite que terão sido entre 100 e 150 mil. Ou seja, e isto é mais outra “novidade” para muita gente: mais que em Hiroshima ou Nagasaki!

(José Luís Pinto de Sá)

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