ABRUPTO

9.6.08


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: РОДИНА



Simon Roberts, Motherland, Londres, Chris Boot, 2007.

Toda a gente tem terras especiais. É uma velha pecha romântica prender-se às terras como se fossem "estados de alma" e depois não conseguir sair delas, como se se estivesse impregnado do seu ar. Na Rússia há um ar tão "russo" que se fosse transportado para lá pelo aparelho da nave USS Enterprise abriria os olhos e diria "estou na Rússia" sem hesitar. Beam me up, Scotty!

Como se percebe, uma das minhas "terras" é a Rússia. Há quem goste assim de África, eu prefiro a Rússia que é mais fria e com outra história mais nossa, com gente com tanto espaço dentro e fora que nós nunca cabemos neles. Sobra sempre alguma coisa, como se a roupa fosse maior. Tolstoi, Chekov, as mulheres da poesia, a Anna e a Marina, Pasternak, os pintores, os músicos. E sempre a pátria e a tragédia duma Rússia que conheci pelo lado torto, numa das grandes convulsões da sua história, o fim do comunismo. Aliás não me lembro da Rússia ter um lado direito em todo o século XX.



Há na Rússia uma vastidão muito especial, mais épica do que lírica, uma enorme quantidade de terra com pouca gente, ligada pelos fios ténues do Transsiberiano, ou pelos voos da Aeroflot para aeroportos inomináveis, em cidades que merecem verdadeiramente o nome de perdidas. Mesmo para os russos europeus, o lado de lá dos Urais até ao Mar do Japão é uma travessia que só se faz por exílio e por pena. Só os turistas americanos o fazem por turismo e por aventura. Para os russos é sempre percorrer a Vladimirka. Levitan retratou essa estrada perdida, de terra batida, feita pelos pés, sem fim, perdida nas nuvens sombrias de um espaço que é para os russos um destino.



As fotografias de Simon Roberts dão como poucas esse espaço que só se atravessa no sofrimento, que só se atravessa partilhando com a родина, com a pátria-mãe, essa terra que mistura húmus, sangue, história, mortos, pobreza, vida difícil. A tragédia da Rússia é que, no meio daquela terra, sempre houve esperança e essa esperança nunca se cumpriu. Roberts quis fotografá-la, uns rapazes a brincar no meio da devastação urbana, umas raparigas a sorrir para a fotografia, um jovem soldado na sua farda nova, uns casais embrulhados em roupas sobre roupas algures na Sibéria, mas sempre que as figuras são individuais não há esperança que apague aquelas caras, aqueles corpos perdidos no fim do mundo, no fim de um mundo. Por isso me reconheço nestas fotos de Simon Roberts. Bastante. Muito. Mesmo muito.

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© José Pacheco Pereira
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