ABRUPTO

1.2.08


COISAS DA SÁBADO:
UM MÉRITO DE MARQUES MENDES QUE JÁ PASSOU À HISTÓRIA PARA NOSSO MAL: PENSAR QUE A ÉTICA REPUBLICANA NÃO É APENAS A LEI



Quando Pina Moura foi confrontado com a incompatibilidade ética de exercer as funções de deputado e ser Presidente da Iberdrola, respondeu que para ele (e para o PS) “só havia uma ética republicana, a lei”. Ou seja, tudo que não é proibido por lei é permitido a um político, mesmo que se tratasse, como era o seu caso e de mais alguns deputados, de uma incompatibilidade ética evidente: ser presidente de uma empresa estrangeira que concorria com empresas nacionais e ter acesso, como deputado, a informação privilegiada sobre decisões que afectavam o mercado em que a sua empresa actuava.

Durante um breve período de tempo num partido português, o PSD, Marques Mendes entendeu o contrário: que havia circunstâncias que não implicavam nem a assunção de ilegalidades, nem a sua condenação em tribunal mas que implicavam a suspensão do exercício de alguns cargos políticos ou a retirada da confiança política. Ele formulou a questão correctamente, insistindo que não se tratava de fazer um pré-decisão de condenação, ou de uma norma genérica que punha em causa arguidos apenas por serem arguidos. Ele insistiu que se tratava de um juízo político pontual, caso a caso, mas que tinha implícito que determinados comportamentos podiam exigir uma sanção política, mesmo sem ser ilegais e sem presunção de culpa. Perdeu três câmaras por causa disso, Oeiras, Gondomar e Lisboa, e o seu partido não lhe perdoou, pelas piores razões. Caiu-lhe tudo em cima, confundindo aquilo que ele sempre dissera ser político e pontual, nalguns casos até com solidariedade pessoal com os acusados e sua defesa pública, para, na amálgama, condenar o precedente que ele com coragem iniciou.

Não houve qualquer inocência no ataque que foi vítima Marques Mendes, que uniu solidamente os “profissionais” do PS e o PSD. Se o que ele inaugurou, a responsabilidade dos partidos em sancionarem determinados comportamentos como eticamente inadmissíveis, mesmo que não sejam ilegais, se tornasse uma regra, muita coisa que hoje se faz impunemente teria custos políticos para os que os praticam. O mesmo se pode dizer para a Comissão de Ética da Assembleia: tivesse a Comissão autoridade e independência para sancionar determinados comportamentos dos deputados, que causam e com razão escândalo público, e a Assembleia sairia mais prestigiada.

Muita da antecâmara da corrupção e do tráfico de influências não é ilegal, está numa zona cinzenta que os partidos conhecem bem. Começa na complacência com as próprias fraudes internas, a falsificação de assinaturas em declarações de voto, os procedimentos do “gangue do Multibanco” pagando centenas de quotas às 3 da manhã, para acabar no proto-tráfico de influências que se torna muita vez a principal actividade de secções e federações e depois sobe por aí acima, passando pelas alcatifas, até chegar aos tapetes persas. É que muita coisa que pode ser feita contra a corrupção e os seus caminhos, não precisa de novas leis, nem de polícias, nem tribunais, precisa de políticos que se incomodem com o que vêem à sua volta e actuem politicamente. Foi o que fez Marques Mendes e correram-no também por isso.

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© José Pacheco Pereira
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