ABRUPTO

3.1.08


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: A LIDERANÇA AMERICANA NA GUERRA DO IRAQUE (2)

Esta história dos primeiros e conturbados anos americanos no Iraque (2003-6) justifica o título freudiano: "estado de negação". O autor aplica-o ao Presidente Bush, de forma explícita no fim do livro, mas, lendo-se com atenção o texto, não se percebe até que ponto este "estado" é de verdadeira "negação". Não é claro se Bush não quer aceitar a realidade iraquiana posterior à vitória militar, se a "nega" por defeito de liderança, ou se o faz porque vive numa "bolha" e não foi devidamente informado ou, ainda, se é uma atitude do Presidente, uma postura, um teatro, para não deixar a mínima dúvida nos seus colaboradores sobre a sua decisão, contra tudo e contra todos, de ter sucesso no Iraque. Provavelmente é um pouco de tudo, porque, mesmo se fosse puro teatro, o actor a uma dada altura já não saberia como sair da pele da personagem e "negava". Churchill actuou várias vezes da mesma maneira nos momentos mais dificeis da guerra de 1939-45.

Bush aparece como pouco curioso, pouco atento, às vezes, agarrado a todas as falsas esperanças com que o alimentam, vivendo num contínuo e poderoso wishfull thinking, mas com uma forte convicção da sua missão e dominado por sentimentos genuínos. Por exemplo, nem Bush nem Cheney parecem ter duvidado da existência de armas de destruição massiva, convicção genericamente partilhada pela maioria dos altos responsáveis civis e militares americanos. Havia dúvidas sobre a solidez das provas, ou sequer se havia provas, dúvidas expressas numa dada altura pela CIA ainda que de uma forma ambígua, mas todos tendiam a acreditar na sua existência. Ou seja, não houve deliberada "mentira".

As personagens à volta de Bush são dominadas pelo "mau" da peça, Rumsfeld. O responsável pela Defesa, logo pelo Pentágono e pelos militares, aparece como um governante brutal, obcecado por controlar tudo, indiferente às críticas, actuando como um bulldozer, esmagando todos menos os seus fiéis. No relato de Woodward, é Rumsfeld o verdadeiro responsável pelos erros de julgamento ocorridos após a derrota militar de Saddam, recusando-se a aumentar o número de tropas, permanecendo indiferente à tarefa de reconstrução do Iraque, permitindo desde os primeiros dias o caos e os saques, que começaram a envenenar a situação e gerar hostilidade contra os invasores. A indiferença de Rumsfeld aos problemas políticos, que inevitavelmente surgiriam a seguir à invasão e à ocupação, colocou as forças armadas americanas à margem da garantia da ordem e, posteriormente, tornou-as no alvo privilegiado dos grupos de Baathistas sunitas e da Al-Qaida, a que esporadicamente se somaram os xiitas radicais.

(Continua.)

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