ABRUPTO

9.12.07


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ÁTOMOS E BITS

de 9 de Dezembro de 2007


Bastam dois minutos para se perceber o tom do noticiário da RTP sobre a Cimeira UE - África. Em dois minutos estamos em plena retórica empolada e palavrosa, épica e grandiloquente, sem um átomo de jornalismo. Pelos vistos ninguém dá por ela na RTP.

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A demonização de Gordon Brown também é interessante...

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Ah! grande Merkel! Ah! pequeno Sócrates!

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O "espírito de Lisboa" é na cabeça de Sócrates o seu próprio "espírito". Quando louva o "espírito de Lisboa", o que ninguém sabe o que é, gaba-se a si mesmo.

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Alguém consegue saber o que aconteceu na Cimeira, o que se conseguiu e o que não se conseguiu, as fracturas UE - África que dominaram as discussões comerciais, tudo o que de novo aconteceu nestes dias, não apenas o que já estava preparado há muito? É isto que é matéria jornalística, não as múltiplas distrações incidentais e sobre isto sabe-se pouco. Lá vamos ter que ir aos jornais ingleses...

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Ou a BBC cujo correspondente retrata uma Cimeira muito diferente da da RTP, assim como o Le Monde:
"As the Portuguese hosts hailed a "new chapter" in relations, Senegal's president railed against new EU-African trade deals proposed by the EU. And Zimbabwe's President Robert Mugabe reportedly accused Europe of arrogance in criticising his human rights record.

The hosts have lauded the summit as heralding a new relationship of equals. The 67 leaders gathered at the summit agreed to work together to forge a new partnership on issues including security, development, trade and good governance. The BBC's Mark Doyle, in Lisbon, says the joint declaration is hugely ambitious in scope, and that clear differences remain on several issues.

Angry words flew over trade deals - known as Economic Partnership Agreements - proposed to replace existing agreements due to expire at the end of the year. "We are not talking any more about EPAs, we've rejected them," said President Abdoulaye Wade of Senegal.

Although some east African nations have already agreed to the deals, many other countries argue that they will damage their fragile economies. The deals - to replace historical agreements which gave former European colonies preferential trade terms - demand that African countries open their markets to European goods in order to keep tariff-free EU access for their own exports. The summit was seen as an EU attempt regain lost ground in Africa and combat growing Chinese influence in the continent. But President Wade said that "Europe is close to losing the battle of competition in Africa".


"Concernant les accords de partenariat économique (APE) proposés par l'UE, le président sénégalais Abdoulaye Wade a déclaré qu'ils ont été rejetés par ses pairs et qu'"on n'en parle plus". Disant représenter "la tendance de la majorité des Etats africains", il a indiqué que "quand on va se retrouver, on discutera, l'UE présentera des APE, nous présenterons autre chose". Selon le porte-parole de la Commission européenne, Amadeu Altafaj, l'UE n'a pas encore décidé si elle relèverait, comme le demande l'OMC, les tarifs douaniers pour les Etats africains à revenu moyen qui ne signeraient pas de nouveaux accords commerciaux avant le 31 décembre."


(sublinhados meus)

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Não sei o que se conseguiu e não se conseguiu. Não sei o que se ganhou ou perdeu. Nem a UE nem África. Mas sei uma coisa: a mim, como português, como europeu crente que um conjunto de países que, apesar das diferenças, compartilha ideiais de pluralismo democrático e respeito pelos direitos humanos, repugna-me ver o primeiro-ministro do meu país alardear os benefícios de um acordo (acordo? declaração de intenções? memorando de entendimento? outra coisa qualquer?...) com a Líbia, essa nação democrática, com um soba que está há décadas no poder, que compra páginas inteiras de anúncios contra o tribunal penal internacional nos principais jornais em circulação, que é suspeito de múltiplos atentados dentro e fora de portas, que se passeia com total descaramento por onde quer que vá, com óculos escuros e ar sinistro dentro dos recintos onde decorrem os "trabalhos", devidamente acompanhado por umas igualmente sinistras mulheres que são quem lhe serve de protecção pessoal. Esse mesmo chefe de estado cujos assessores queriam desgravar uma parte do filme de um repórter da RTP só porque ele perguntou se ele já tinha ou não sido confrontado com algumas questões menos simpáticas. Os mesmos assessores e seguranças que perguntavam ao conjunto de jornalistas que ali estavam, num inglês mal falado e ameaçador «do you have any problem?». Estes chefes de estado, verdadeiros líderes que se impuseram à força em países sem condições para os expulsar definitivamente, vieram cá porque Portugal exerce actualmente a presidência da UE. Nada a apontar. Mas alguns desses vieram cá e passearam a sua arrogância e prepotência, montando tendas em fortes e sendo ofertados com banquetes presidenciais. Para além do mais, ainda são agraciados com declarações únicas do primeiro-ministro, porque existem interesses económicos que, como é óbvio e qualquer um compreende, se sobrepõem claramente a quaisquer questões de princípio. Isto é hoje o meu país. Um país que cada vez tenho mais dificuldade em aceitar.

(Rui Esperança)

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