ABRUPTO

1.12.07


COISAS DA SÁBADO: BARROSO E O IRAQUE

http://www.geographicguide.net/asia/maps/middle-east-map.jpgDurão Barroso sentiu-se na necessidade de se justificar da atitude de apoio à intervenção militar no Iraque com o argumento que tinha sido enganado com as provas “que lhe tinham mostrado” sobre a existência de armas de destruição massiva no Iraque. Ele lembrou, e com razão, que na altura toda a gente (incluindo serviços secretos franceses e russos, os inspectores da ONU, e muitos outros insuspeitos geopolíticos) estava convencida de que essas armas existiam, embora não considerassem que isso era motivo suficiente para a acção militar contra o Iraque. Eu próprio não tinha dúvidas sobre a sua existência e certamente por não querer dar o braço a torcer, que não é a minha escola, ainda não estou inteiramente convencido sobre o que é que lhes aconteceu. Esta é uma história que permanece mal contada, quer pelos EUA, quer pelos próceres do regime iraquiano, quer pela Síria, Irão e companhia. Mas nunca falaria como Barroso, que tem necessidade de se justificar do passado para ter margem de manobra para o presente, porque nunca considerei que a existência de armas de destruição massiva fosse a principal razão para invadir o Iraque. Nem eu, nem Bush, nem Blair, nem Aznar, e muito menos Barroso, perdoe-se a presunção da companhia. Aí é que eles estão a ser “mentirosos”, a tentar convencer-nos que a invasão do Iraque teve como única e exclusiva causa a presumida existência de armas de destruição massiva.

Eu estou noutra, pensava e continuo a pensar que havia (e há) uma explicação racional, politicamente suatentável, para invadir o Iraque muito para além da presumida existência de tais armas. Escrevi-o na altura e repito-o agora para que se veja que nem todos foram da escola dos actuais “enganados” : numa altura em que o terrorismo fundamentalista é a maior ameça estratégica mundial para o século XXI era fundamental desiquilibrar a relação de forças favorável no Médio Oriente ao radicalismo anti-ocidental. Nunca pensei que o Iraque apoiasse a Al-Qaida, não era essa a questão, mas sim que o Iraque era um factor de instabilização em todo o Médio oriente, em particular na Palestina, e que gerava as condições para uma turbulência permanente que, impedindo a resolução do conflito israelo-palestiniano, criava um “irritante” que alimentava o terrorismo fundamentalista. A Al-Qaida não queria saber dos palestinianos para nada, mas alargava a sua influência e recrutamento com o radicalismo de regimes como o de Saddam, que se tinha colocado com vigor por detrás do extremismo palestiniano, juntando-se aos sírios e ao Irão, para evitar a emergência dos palestinianos moderados.

Se alguma coisa correu mal no processo iraquiano foi que estes objectivos de longo fôlego acabaram por ser postos em causa pela enorme incompetência da “administração” do Iraque ocupado, que permitiu a curto prazo o reforço do risco B, o desiquilibrio de forças regionais com o Irão, sendo que o risco A era falhar a operação militar. Por tudo isto foi um erro de consequências enormes, ter utilizado como argumento principal a existência das armas de destruição massivas. Quando se verificou que elas não existiam, a crise de legitimidade dos defensores da invasão foi devastadora e essa legitimação era fundamental para prosseguir um plano que só tinha e tem sentido a médio e longo prazo. Mas, no preciso momento em que Barroso pede desculpas, nem tudo corre mal no Médio Oriente, mesmo no Iraque, embora não tenha tanto destaque nas notícias como os atentados. Vamos ver.

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Embora eu suporte a sua justificação de base, a de que a invasão do Iraque se justificaria se, independentemente da existência de armas de destruição macissa, ela contribuísse para um reequilíbrio do poder anti-neo-fundamentalismo islâmico, o que não consigo ver agora, nem conseguia ver na altura, é como é que a invasão realizaria esse objectivo! A começar por que se metia pelos olhos dentro de toda a gente, inclusive de Bush pai, desde os tempos em que Portugal vendia armas "de tecnologia intermédia" a ambos os lados, que o Iraque era imprescindível para equilibrar o Irão, que é onde foi, não esqueçamos, o berço do moderno neo-fundamentalismo islâmico!

O que admito que haja quem não previsse, a começar por muitos americanos "naif", é que em vez de abraçarem agradecidos o way of life americano, os iraquianos optassem pela resistência nacional com adesão crescente ao neo-fundamentalismo. Mas isso, desculpe-me que lhe diga, só me faz é lembrar a cena do "Full metal jacket" do Kubrick, em que um oficial repreende o "herói" da fita por ele trazer o símbolo pacifista no capacete, e lhe diz que as coisas hão-de correr bem porque acredita que "no fundo de todo o vietnamita há um bom americano"... E não consigo ver como é que as coisas estão a melhorar no Iraque, quando todo o resistente iraquiano sabe que só tem de esperar pelas próximas eleições americanas para cantar vitória!

Quanto a Barroso, mantém-se apenas igual a si próprio.

(Pinto de Sá)

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