ABRUPTO

26.11.07


PROBLEMAS DE UM ENCICLOPEDISTA MODERNO: OS NOMES COMUNS, OS SILVA, OS OLIVEIRA, OS COSTA, OS SANTOS

O enciclopedista moderno tem o Grande Livro da Rede à sua frente, a realização dos mais bravios e improváveis sonhos de todos os enciclopedistas do passado. Vale bem duzentos nègres, mais do que os de Dumas, a escreverem-lhe os romances, ou os assalariados do Dr. Johnson a prepararem as entradas do dicionário. Vale bem mil listas telefónicas, um dos instrumentos do enciclopedista antes da Rede. Listas, catálogos, reportórios. Mas este aprendiz de enciclopedista, que entre outras coisas, labora com cerca de 1700 entradas biográficas, a crescer todos os dias, defronta-se com uma praga: os nomes comuns, vulgares, os Silva, os Costa, os Pereira, os Santos. Para cada um dos 1700 nomes , de pessoas a 80% vivas, 20% mortas, faço uma pesquisa na Rede. Os esquerdistas, minha matéria biográfica, deixam, de um modo geral, abundantes traços na Rede. Com excepção dos operários e de outros trabalhadores, que esses não existem no mapa electrónico, sobra a maioria que era constituída por estudantes, e que hoje são professores, académicos ilustres, membros do governo, jornalistas, escritores, publicitários, médicos, advogados, autores de blogues, autarcas, deputados, empresários, ou seja, uma parte substancial da elite portuguesa na sua faixa etária, quarenta para cima. Eu lido só com os que deram sinais de esquerdismo antes do 25 de Abril e foram muitos.

Os resultados positivos das procuras na Rede são vários: as profissões e cargos actuais, os locais de trabalho, alguns artigos e entrevistas, um ou outro blogue, endereços de e-mail, a ocasional notícia de uma morte. Bons pontos de partida para as fases seguintes - estrutura, estrutura, que é o que mais se deseja na abertura de uma entrada. Pilares, estrutura, pontos de partida, marcadores de identidade, fronteiras com a entrada anterior, com a seguinte. Só que muitas vezes aparece a Praga. A Praga dos nomes comuns, vulgares, que dão milhares de resultados no Google e nenhum útil. As múltiplas variantes dos "José Silvas" e dos "Antónios Costas" e das "Marias Santos", em Portugal, no Brasil, nas genealogias depositadas no Utah, nas notas das turmas da brasileira Aparecida, ou nas actas da Assembleia Municipal de Silves. O tempo perdido a "folhear" páginas inúteis dava para mais 1700 nomes novos complicados. E não adianta em muitos casos ter nomes completos, porque quase ninguém tem o nome completo na Rede a não ser nalguns casos em listas eleitorais, cubes de caçadores ou em despachos burocráticos e há sempre dez brasileiros com o mesmo nome direitinho. Como eu desejo os nomes raros, os Tibúrcios, os Anacletos, os Donas, os Sentieiro, os Teixeirinha, os Teives, os Vidaul, os Barracosa, os nomes estrangeiros a seguir a um Manuel ou a um José, senão aparecem-me australianos ou brasileiros, embora haja sempre um brasileiro algures. E se fosse possível durante uns anos, para efeito de facilitar o trabalho do enciclopedista, também não seria mau um número único, um código de barras, um chip.

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© José Pacheco Pereira
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