ABRUPTO

11.11.07


OS LIVROS DA MINHA VIDA 8
(OS PROPRIAMENTE DITOS, OS VERDADEIROS, OS DA BAYER)

João Guimarães Rosa, Miguilim e Manuelzão, Lisboa, Livros do Brasil, s.d.

Eu pensava que sabia até onde o português podia ir, fosse grave, fosse lúdico, fosse sério, jocoso, didáctico, sentimental, lamechas, marcial, afrancesado, mais doce ou menos doce, com mais "flor do Lácio" ou com menos. Havia Vieira, o padre Bernardes, Aquilino. Puro engano. Quando li Miguilim e Manuelzão foi como se a língua portuguesa explodisse para outra dimensão, para outro português que estava lá por baixo daquele que conhecia e imperfeitamente usava. Foi como Miguilim míope quando lhe emprestaram uns óculos:

"Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo..."

Havia ali um festim com as palavras, uma densidade vocabular, como a de Aquilino, mas com uma dimensão diferente, menos de amador de preciosidades e de antiguidades do léxico, menos de folclore, mas uma dimensão épica em que a palavra mandava para dar substância ao movimento da multidão que a épica exige.

Depois li Sagarana e o Grande Sertão: Veredas, que revisitei na exposição do Museu da Língua Portuguesa em S. Paulo, um museu naturalmente "guimarãesrosiano", onde as palavras passam como as "formiguinhas" que Miguilim via com óculos. A sensação de como, a nós portugueses, o português nos escapou há muito, só se acentuou com o Museu, mas começou com Guimarães Rosa.


(Ver no Abrupto: exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas : 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 )

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