ABRUPTO |
![]() semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
|
22.10.07
![]()
09:21
(JPP)
O TRATADO QUE SE CHAMARÁ DE LISBOA ![]() ![]() Os europeístas tecnocráticos são outras variantes de gente contente. Eles acreditam que a racionalidade europeia é superior à das nações e tem uma certa razão prática. Os burocratas, se deixados à Lei de Parkinson, tratarão em primeiro lugar de si próprios, tratarão de alargar a burocracia, mas em seguida combaterão aquilo que acham ser a "incompetência" dos políticos. Está tudo no Sim, Senhor Primeiro-Ministro esse compêndio televisivo da democracia real. Combaterão a política e essa impureza para a dignidade do bom governo que são as eleições e os votos. Eles produzirão milhares de leis, regras, regulamentos, directivas, estudos, pareceres, notas de orientação, produtos do puro saber burocrático regulamentador, que, para além da pequena pecha de implicarem sempre mais burocratas, mais escritórios, mais "agências", são produtos iluminados de um mundo perfeito onde os barcos têm duplo casco, o silicone mamário é resistente, tudo é biodegradável, as ovelhas têm transporte adequado, os peixes estão protegidos dos pescadores, a carne, as maçãs, o vinho, o queijo, estão isentos de todas as doenças conhecidas, são inodoros, não têm sabor, brilham em embalagens etiquetadas como deve ser, e os trabalhadores devem ser muito bem tratados pelo "modelo social europeu", menos os canalizadores polacos. Centenas de Sir Humphreys no topo e milhares de Bernards na hierarquia garantem esta Europa. Há quem se converta a ela, exactamente para servir de garantia para que não haja desvarios com a moeda, com o défice, com o "monstro". Cavaco Silva passou de eurocéptico a europeísta por esta via de descrença nas capacidades endógenas de Portugal se reformar e na esperança de que, se não vai de dentro, vai de fora. Apenas, apenas uma lista de uma pequena parte da burocracia europeia: as agências especializadas sediadas nos diferentes países da União:Depois, há contentamentos menos evidentes, menos conhecidos e, acima de tudo, menos reconhecidos porque politicamente inconvenientes para o discurso mítico-heróico da Europa. São estes contentamentos que mais nos deviam preocupar no caminho que este tratado abre, na sequência, aliás, do processo europeu que já levou à falhada Constituição e leva agora à fuga aos referendos. Bem sei que, para os portugueses, cujo único interesse nacional foi pôr lá o nome de Lisboa, esta coisa de manifestar interesses é não só um absurdo "nacionalismo", como incomoda, porque há sempre alguém a quem os fundos não abafam a voz, como acontece connosco. É por isso que jornalistas e comentadores tratavam com enorme desprezo os infames "interesses nacionais", ridicularizados nos gémeos polacos, no deputado italiano a mais, no cirílico do euro, etc., etc. Ao mesmo tempo, evitavam a todo o custo analisar o tratado como expressão de interesses nacionais muito mais agressivos e eficazes como os da Alemanha e da França. A seu tempo, vão admirar-se por verem que, afinal, não é assim tão simples abafar as nações numa supra-entidade nacional que tem hoje uma lógica muito mais do interesse nacional que outra coisa. O problema com este tratado é que ele não resolverá nenhum dos problemas actuais da Europa e criará alguns outros bem complicados. Basta concentrarmo-nos naquela que é louvada como a melhoria fundamental no funcionamento da Europa a 27, a substituição de uma regra implícita de unanimidade por regras de maioria qualificada. Esta por si só é uma mudança qualitativa que altera radicalmente os fundamentos consensuais em que a Europa de Monnet, Schumann e De Gasperi foi construída. Eles percebiam, a partir da experiência trágica da guerra, que uma "união" na Europa só era possível se todos se sentissem iguais, nem que fosse na possibilidade virtual de vetarem, e que isso implicava um enorme esforço de consenso e, logo, de "pequenos passos". ![]() Fora disso, só há ficções. Alguém pensa que uma decisão da União que seja entendida como prejudicial ao Reino Unido possa ser implementada por uma maioria de países europeus contra o Reino Unido? Tirem daí a ideia, porque, na prática, uma de três coisas resultará: ou cai o Governo inglês que aceite tal decisão sendo substituído por outro ainda mais eurocéptico, ou há mais um opting out, ou o Reino Unido sai da União, coisa aliás muito desejada pelos europeístas. O mesmo se aplica em bom rigor à França, Alemanha e Polónia. Ou seja o afã de criar maior governabilidade por sistemas de maiorias e minorias é uma receita para a prazo haver sempre ganhadores e perdedores na Europa, que terão de responder no seu país ao seu próprio eleitorado. Isto enquanto a União Europeia não conseguir substituir as eleições nacionais por eleições europeias. ![]() (No Público de 20 de Outubro de 2007) Etiquetas: União Europeia (url)
© José Pacheco Pereira
|