ABRUPTO

20.10.07


COISAS DA SÁBADO: NOTAS SOBRE O CONGRESSO DO PSD

http://www.nature.ca/notebooks/images/platypus.gif1. O poupar sai caro. O desinvestimento que os órgãos de comunicação social tem feito no jornalismo político e, dentro dele, na cobertura partidária está à vista nas paupérrimas reportagens feitas do Congresso do PSD, em particular na televisão. Todos os defeitos do jornalismo, o “pack journalism”, todos a dizerem as mesmas coisas, todos a repetir sem cessar as mesmas palavras. Era o “presidente” e o “administrador executivo”, era o “pedido de casamento” a Manuela Ferreira Leite, era o “tabu” da liderança parlamentar,– a palavra “tabu” devia ser proibida durante dez anos nos jornais - eram mais duas ou três coisas, sempre as mesmas, o fala-não-fala de Lopes alimentado pelo próprio e repetido n vezes. Enfim, muito pouco. A despolitização deste tipo de relatos, somada à repetição dos mesmos momentos “espectaculares”, reduz a política ao protagonismo pobre e, como o espaço é limitado, esta vacuidade “ocupa” tudo. Um exemplo de como a cobertura jornalística foi desatenta é terem ignorado o que disse Jardim e que refiro mais à frente, a favor de irrelevâncias várias.

http://www.nature.ca/notebooks/images/platypus.gif2. Diarquia. O PSD tem hoje dois centros do poder, um na Câmara de Gaia e na Secretaria-geral, outro no Grupo Parlamentar. Menezes deixou que tal acontecesse sob os seus pés e quando o quis atalhar já era tarde. Deixou-se enredar na teia de Santana Lopes, anunciou um absurdo “acordo institucional” (os jornalistas juram que foi nestes termos que tal acordo lhes foi anunciado), e depois ao realizar reuniões sucessivas com Santana Lopes transmitiu uma mensagem de negociação e de tradeoff, de partilha de território. Para quê tantas reuniões se não havia problema? Deu sinais de que não desejava Lopes na direcção parlamentar, sondou outras pessoas para o lugar, o seu Conselheiro preveniu contra a “espuma” do “santanismo”, e depois teve que aceitar o facto consumado. A facilidade com que Menezes foi condicionado, mesmo no apogeu do seu poder, antes mesmo do teste do Congresso, mostra fragilidade e hesitação na liderança.

http://www.nature.ca/notebooks/images/platypus.gif3. Palmómetro. O Congresso teve dois momentos: antes das listas e depois das listas. Depois das listas, metade da sala deixou de se importar de ser filmada sem estar a bater palmas ostensivamente. O número de palmas baixou muito e houve até alguns assobios. O problema que Menezes tem é que, ganhando-se com o aparelho tem-se garantias de eficácia eleitoral mas, com muita facilidade se geram descontentamentos e hostilidades. No PSD sempre que é aparelho contra aparelho, há sempre 60% versus 40%, na melhor das hipóteses, com uma forte transumância de um lado para o outro nos momentos das escolhas para listas e cargos.

http://www.nature.ca/notebooks/images/platypus.gif4. Órgãos. A comissão política de Mendes era a pura expressão do aparelho que apoiava Mendes e era para funcionar como gestora do dito aparelho, não tendo qualquer papel político de relevo. A de Menezes foi feita para dar sinais de “unidade” para a comunicação social, o que não conseguiu. E não é para funcionar. Menezes continuará a controlar o partido a partir do seu núcleo duro, o que agora se vai instalar na sede da S. Caetano, e aquele que continuará no Norte, não apenas em Gaia mas também no Porto e no Minho.

http://www.nature.ca/notebooks/images/platypus.gif5. O tribunal do partido. O Conselho de Jurisdição é o órgão que mais devia preocupar o partido, e preocupou de facto, dado que foi essa a pior votação das listas de Menezes. Muitos delegados ao Congresso manifestaram aqui o seu máximo descontentamento possível. Escolhendo a sua composição entre os mais fiéis dos fiéis, depois de ter sugerido nomes respeitáveis como o de Costa Andrade, a isenção do Conselho terá que ser cuidadosamente escrutinada. Começo a ser favorável a que a eleição deste órgão necessite de uma votação qualificada de dois terços, para evitar acusações de facciosismo.

http://www.nature.ca/notebooks/images/platypus.gif6. Agências. Com Menezes, pela primeira vez, que se saiba, uma agência de comunicação - que tem mostrado a sua eficácia na razão inversa da qualidade do nosso jornalismo, e cujas pegadas são visíveis em muitas notícias e desinformações - instalar-se-á na sede do partido como parte habitual do processo político. Eles fazem parte da Comissão Política de facto.

http://www.nature.ca/notebooks/images/platypus.gif7. Como se manipula a informação. Um exemplo de uma operação de desinformação: pré-anunciar tipologias para a constituição da Comissão Política, do tipo “terá antigos ministros de Sá Carneiro, Cavaco e Durão Barroso”, para condicionar e enquadrar o comentário, prendendo-o a essas tipologias e não a outras. Na verdade, ter antigos ministros de vários governos não significa nada, tanto mais que alguns deles foram irrelevantes, outros saíram a mal e, acima de tudo, não há qualquer coerência nem garantia de qualidade e abertura nessa classificação. Como Ângelo Correia e Menezes tinham dito, em campanha contra Marques Mendes, a maioria desses ex-ministros não significavam nada, eram um zero em termos de prestígio e capacidade eleitoral.

http://www.nature.ca/notebooks/images/platypus.gif8. A eficácia de Menezes. A eficácia retórica de Menezes é superior à de Marques Mendes. Este facto já se tinha visto no anterior congresso. Menezes transmite melhor a “mensagem”, é mais empático e usa uma linguagem mais acessível e popular. Transmite mais convicção e, como usa a emotividade, é mais espectacular num sistema mediático dominado pelo Pathos. No entanto, quando deixa o registo político mais corriqueiro, enreda-se e complica-se, e perde clareza, como aconteceu nas declarações sobre o tratado europeu à saída da audiência com o Primeiro-ministro.

http://www.nature.ca/notebooks/images/platypus.gif9. Propostas. Muitas propostas de Menezes são louváveis e positivas. Umas já vinham de trás, outras receberam um novo impulso. É positivo que se proponha um avanço na privatização de áreas importantes do Estado, é positiva uma maior afirmação liberal da economia. No entanto, é difícil tomar a sério uma parte do discurso sem se entrar em contradição com outra. Na verdade, a chave do nosso atraso encontra-se no Estado, no excesso de Estado, não apenas na economia, mas enquanto garante do “modelo social europeu”. Não há Estado mínimo com “modelo social europeu”, não há liberalização do Estado e da economia com “modelo social europeu”. Pode-se privatizar as águas, mas não se podem diminuir despesas nem baixar os impostos, logo uma parte brutal do trabalho e da riqueza dos portugueses continuará a ir para o Estado. Há por isso uma profunda contradição entre o discurso social e o agitar de todas as insatisfações, que são a força do discurso de Menezes, e uma política liberal mais que nunca necessária.

http://www.nature.ca/notebooks/images/platypus.gif10. Os zeros. Há várias matérias em que quase nada se disse no Congresso e constituem verdadeiros zeros na política do PSD - por exemplo, as relações internacionais, a cultura, as universidades, a investigação e a novas tecnologias.

http://www.nature.ca/notebooks/images/platypus.gif11. Cá se fazem, cá se pagam. Jardim aplicou a Menezes a receita que este aplicou a Mendes: ou há sucesso claro nas sondagens e na mobilização eleitoral em início de 2009 ou a há que tirar “este” e pôr lá “outro” mais capaz. Jardim exigiu a Menezes o que este exigia a Mendes que mostrasse provas antes das eleições e não nas ditas. Como Menezes fez com Mendes. Esta intervenção, a mais hostil a Menezes no Congresso, passou despercebida no meio das distracções jornalísticas. Jardim, para que não houvesse, dúvidas explicou ao RCP no dia seguinte, que queria dizer exactamente o que disse; a avaliação de Menezes far-se-á antes das eleições e não perante o facto consumado. Não sei se é wishfull thinking de Jardim mas que o disse, disse.

(Na Sábado de 18 de Outubro de 2007)

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