ABRUPTO

30.3.07


COISAS DA SÁBADO: O HINO DA EUROPA

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Numa iniciativa da representação portuguesa da União Europeia duzentas bandas tocaram, no domingo às 16 horas, o “hino da Europa”, ou seja uma versão da Ode à Alegria da 9ª Sinfonia de Beethoven. É uma iniciativa pacífica e que, se outro mérito não tivesse, deve ter dado algum trabalho beethoveniano às bandas, o que só pode ter sido vantagem. Eu próprio participei num debate sobre os 50 anos do Tratado de Roma e ouvi o “hino”, interrogando-me sobre este esforço ingente, e não ingénuo, de dar à “Europa” o estatuto simbólico de uma Pátria: bandeira e hino, já tem.

Tinha tomado a resolução de não me levantar quando se tocasse o hino, porque aquilo não é o hino nacional, nem hino de nenhuma outra coisa que implicasse reverência e respeito simbólico. Não teria qualquer problema em levantar-me se se tratasse de uma homenagem a Jean Monnet, ou a De Gasperi, ou a qualquer “pai fundador” da Europa, mas essa reverência é a outra coisa, que essa sim merece respeito: a luta pela unidade europeia baseada na paz pela “economia política”, o que se revelou até agora um sólido adquirido político.

Felizmente que o problema não se pôs: aos meus companheiros de sessão nunca lhes deve ter passado pela cabeça levantarem-se ao som de Beethoven, mas houve toques de banda em que as pessoas se levantaram, em Portugal e pela Europa fora. Aliás, não é caso inédito: quando terminou a Convenção havia gente a chorar ao som da 9ª Sinfonia – a Convenção que nos deu a Constituição Europeia, documento póstumo que alguns não querem de vez enterrar.

O hino e a bandeira são pacíficos se não forem levados muito a sério. A bandeira é a de uma aliança entre nações com bastante sucesso e muitos méritos, independentemente dos seus impasses actuais, mas é para colocar ao lado das bandeiras nacionais. O problema é ir pouco a pouco alimentando uma ficção de uma “pátria” europeia que muitos burocratas e europeístas extremos já pensam existir. Seria um equívoco perigoso tomá-la a sério.

Todos os anos vem de Bruxelas uma nova ideia paga à custa de muitos euros para tentar criar essa “pátria”. Já se propôs uma equipa de futebol europeia, na convicção que o futebol ajudaria, mas como não há claques nem entusiasmo, a ideia ainda está no papel. Já o mesmo não se pode dizer dos inúmeros programas subsidiados pela UE sobre a Europa, convenientemente protegidos de qualquer eurocepticismo, e que oferecem empregos, viagens e prestígio a jornalistas que não aceitariam ser pagos por um governo nacional para fazer propaganda dos seus feitos. Em vésperas de uma nova rodada de pressões para forçar os europeus a aceitarem uma Constituição que muitos já rejeitaram nas urnas, convém estarmos atentos à propaganda de uma certa visão da Europa, a mesma que leva meia dúzia de pessoas a acharem que se devem levantar ao som do “hino da Europa”.

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© José Pacheco Pereira
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