ABRUPTO |
![]() semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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12.2.07
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NUNCA É TARDE PARA APRENDER: OS LOUCOS QUE QUEREM SABER TUDO
![]() Os autores de dicionários e enciclopédias tendem a enlouquecer com a tarefa. Esta é matéria que percebo muito bem, estando no ofício da referência. Cada entrada nova no meu dicionário-enciclopédia, a que dedico "o melhor dos meus dias", como se dizia antigamente, tem o hábito de se alargar por pelo menos mais três ou quatro entradas. Para cada entrada nova, parece haver mais dez à espreita. E quando se quer fichar tudo, registar tudo, o espaço por preencher tem tendência para aumentar à medida que campos e campos de palavras já enchem uma vastidão atrás. A regra é que atrás está sempre uma pequena vastidão e à frente uma gigantesca vastidão. Vejam lá como isto é pouco normal... Tudo isto exige um grão de loucura prévia, que tende a agravar-se. Mas o caso do Dr. W. C. Minor, médico, militar, erudito, flautista, pintor de aguarelas e "lunático criminoso" vai um pouco mais longe. Os eruditos têm loucuras habitualmente mansas, mas o Dr. Minor estava internado perpetuamente porque um dia saiu à rua de pistola em punho e matou um desgraçado que lhe apareceu numa esquina, convencido que assim eliminava os seus "inimigos". Estes "inimigos" entravam-lhe à noite no quarto pelo soalho (mandou depois colocar um chão de zinco) ou pelos interstícios do telhado, pegavam nele e levavam-no para um qualquer bordel de Istambul, onde o obrigavam a praticar "actos imorais" com rapazes e raparigas. Noite, após noite, após noite. Já muitos anos depois de internado, o Dr. Minor resolveu castrar-se para ver se os seus "inimigos" o deixavam em paz. Não deixaram. ![]() Quando Murray veio a conhecer o Dr. Minor, uma história que correu mundo na época (primeira década do século XX) numa versão tablóide, tornou-se seu amigo e ajudou-o como pode a suportar melhor a sua doença e internamento. Ambos se correspondiam e durante vários anos, os contributos do Dr. Minor para o dicionário chegavam diariamente ao Scriptorium de Oxford onde uma equipa diligente ia arrumando em cacifos as muitas contribuições voluntárias que chegavam pelo correio de todo o lado. Mais de uma dezena de milhar de citações enviadas de Broadmoor pelo Dr. Minor fazem parte ainda hoje do OED . * O OED teve como título inicial New English Dictionary on Historical Principles, Founded Mainly on the Materials Collected by the Philological Society, edited by James A.H.Murray LL.D. Sometime President of the Philological Society, with the Assistance of Many Scholars and Men of Science. Por aqui se vê o papel colectivo de muitas pessoas que voluntariamente contribuíram para o dicionário num processo que tem parecenças com a Wikipedia. A diferença essencial não estava na colaboração voluntária, mas na selecção e edição pela equipa de Murray e pelos lexicógrafos que trabalhavam no Scriptorium, dos materiais que recebiam. Estes eram cuidadosamente verificados através de uma hierarquia de responsáveis até chegar ao grupo final que redigia as entradas. * ![]() O livro de Simon Winchester faz também referência ao OED enquanto obra maior da história da tipografia. * Pois é... este livro é muito interessante. Por várias razões, aliás, sendo que a que mais me fascinou quando o li a paciência necessária para o monumental trabalho que foi desenvolvido quer na pesquisa quer na acreditação do vocabulário sicronica e diacronicamente. É um tipo de paciência que hoje já não temos: fazemos a busca na Net e não precisamos de esperar muito. Mas é pena. Porque era a paciência das grandes obras, trabalhadas ao pormenor... E ainda hoje o OED é uma fonte de referência insubstituível para quem trabalha com o inglês. Etiquetas: dicionário, James Murray, Oxford English Dictionary, W. C. Minor, Wikipedia (url)
© José Pacheco Pereira
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