TESTEMUNHOS E OPINIÕES DOS LEITORES DO ABRUPTO SOBRE AS GREVES 3
Quem me conhece sabe que, por princípio, defendo os trabalhadores e os seus direitos. Sabe ainda que me bato pelo lugar-comum segundo o qual os funcionários públicos e os serviços públicos são medíocres. É ainda capaz de saber que acho que os últimos Governos têm vindo a tratar mal os funcionários públicos, fazendo-os perder poder de compra, há anos sucessivos. Esta situação é suficiente para que eu entenda que os trabalhadores do Estado têm legitimidade para recorrer à greve. Só que, pelo que atrás expus sobre os lugares-comuns nesta matéria, defendo que os funcionários públicos têm de tentar ganhar a simpatia da generalidade da opinião pública. Para isso, dependem muito daquilo que os sindicatos que os representam decidam.
O problema é que uma parte substancial dos sindicalistas são, eles sim e não os trabalhadores que dizem defender, medíocres. É gente que se perpetua há décadas no trabalho sindical e que já não trabalha há largos anos no emprego de origem. São pessoas que, deste modo, têm uma vida muito mais descansada do que quando tinham chefes e patrões a quem prestar contas. Agora limitam-se a fazer o que manda o controleiro partidário que os dirige de cima. E quem os dirige quer agitação social a todo o custo. Não entende as greves como uma forma de pressão negocial, entende-as apenas como braços-de-ferro para demonstrar uma suposta influência social. É por isso que convoca greves para perto dos fins-de-semana. Deste modo, aumentam a adesão aos protestos: aderem os trabalhadores conscientes e aqueles que apenas querem ter um fim-de-semana prolongado. Assim, não se ganha a simpatia da opinião pública. Pelo contrário, isolam-se os grevistas, que até têm razão para reivindicar. Ficam isolados e são apontados a dedo pelo cidadão comum, um cidadão que vê a greve - e com alguma razão - apenas como uma desculpa para a criação de uma ponte de São Martinho.
Já era tempo de os sindicalistas defenderem realmente aqueles que representam e de convocarem greves para o meio da semana. É que ganhar a opinião pública é meio caminho andado para vencer as justas reivindicações. Só desvaloriza isto quem vê nas lutas laborais apenas um pretexto para uma agenda política mais ou menos oculta.
(José Carlos Gomes)
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O que me choca mais neste momento de contestação, é a reacção de uma parte significativa da população que tem sido ouvida nos órgãos de comunicação. Para lá de qualquer possível estratégia de apoio ou contestação à greve, é inegável que cada vez mais pessoas são contra as greves.
Uma das razões mais apontadas para esta posição é a ideia de que os funcionários públicos são privilegiados, têm emprego garantido, salários altos, e reformas boas. Bem, a questão das reformas, agora que são aos 65 anos e foram reduzidas em valor, já não se ouve tanto. Mas a ideia de que há funcionários a mais, de que estes não trabalham, ou que trabalham mal, e que ganham de mais, é muito generalizada.
Porque me chocam estas opiniões? Porque revelam um desconhecimento enorme da realidade. Da realidade dos funcionários públicos, dos serviços públicos e da sua organização, e dos direitos dos trabalhadores. Essas pessoas que acusam, a meu ver injustamente, os trabalhadores da administração públicos de tudo o que consideram mau, são em muitos casos, as mesmas que aceitam trabalhar em más condições, com salários muito baixos, e com poucas ou nenhumas regalias sociais. Desta forma, tendem a conceber os direitos sociais como privilégios. Isto é muito preocupante...
Na medida em que revelam um pessimismo generalizado, uma inveja latente, uma noção de que os direitos são privilégios e não direitos, de que todos devem sofrer como eles sofrem, estas opiniões são perigosas. Não para os funcionários públicos, que parecem estar condenados a continuar a perder poder de compra e direitos, mas para a generalidade dos trabalhadores por conta de outrém. Isto revela uma submissão e uma subserviência ao poder económico, que acaba por se generalizar e diminuir, se não extinguir, direitos que eram considerados, até há pouco tempo, fundamentais.
Não me parece ser este um bom caminho. Puxando os funcionários públicos para baixo, toda a sociedade portuguesa vai ser puxada para baixo, e vamos assistir, já estamos a assistir, a um aumento da diferença entre ricos e pobres, ou seja, ao enfraquecimento das classes médias. Isto é mau para o colectivo, por bom que seja para os empresários, proprietários de riqueza e de bens de produção.
Será que vamos ser todos empresários? Será que vamos todos ter empregados a trabalhar para nós, e a quem vamos pagar o mínimo possível?
Mais uma vez a hipocrisia leva a melhor. O mesmo povo que tem um dos índices mais altos de posse e utilização de telemóveis, e de outros bens não essenciais, reclama agora uma justiça social nivelada por baixo, como se isso fosse bom para todos. Hiprcrisia perigosa, digo eu, porque vai calcar ainda mais o nível de vida dos portugueses, de todos, incluindo os funcionários públicos. Será que os não-funcionários públicos ganham alguma coisa com isso? Tenho a convicção que não, mas ficam felizes com esta vingaçazinha, do português "toma lá que é para não pensares que és melhor que eu...eu estou mal mas tu também ficas."
(Fernando Reis)
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Aqui vai um testemunho relativo à adesão à greve dos funcionários da Administração Pública. Eu própria, e vários colegas, aderimos à greve no passado mês de Outubro tendo inclusive participado na manifestação que se realizou no mesmo dia. No meu caso, em 23 anos de serviço na AP, foi a primeira vez que fiz greve e participei numa manifestação desta índole.
Por razões de ordem financeira – o respectivo desconto de um ou dois dias no salário – decidi que não tenho condições de o fazer. Anoto que sou técnica superior e estou no topo da carreira. No meu serviço, desta vez também ninguém fez greve.
Na escola do meu filho os professores fizeram greve no dia da greve apenas da greve dos docentes. Ouvi, esta semana, alguns professores referirem que também não o poderiam fazer por razões de ordem financeira. Curiosamente ontem a escola funcionou normalmente, hoje fechou por adesão à greve por parte dos funcionários. Manifestamente organizaram-se para a fazer só num dia.
Há aqui matéria para os sindicatos reflectirem sobre a sua estratégia.
(Rosa Barreto)
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Vamos lá então a um testemunho pessoal sobre greves:
Nos idos anos de 1975/76 fiz parte de uma comissão de trabalhadores de uma empresa sediada no distrito de Setúbal, cujo patrão se havia ausentado abruptamente para o Brasil, tendo o governo intervido na empresa nomeando uma comissão administrativa para a gerir. A este tipo de empresas se chamavam de intervencionadas. Na época a Intersindical decretou uma greve no sector com intuitos meramente politicos e intimamente ligados aos interesses estratégicos do PCP e nós, comissão de trabalhadores, que não éramos nem de perto nem de longe uns “amarelos”, resolvemos “furar” a greve, exactamente pelas suas raízes e motivações e pensando únicamente no interesse particular da empresa, que se debatia com dificuldades económico-financeiras, não podendo por isso desperdiçar uma hora que fosse da sua produção.
Hoje ainda me pergunto, se o patrão estivesse na gestão da empresa se assim teríamos pensado e agido ?
Não dependerão muitas greves mais de quem está no lado contrário do que do interesse imediato de quem as faz ?
(JCB)
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Sugiro-lhe alguma decência. Verifico mais uma vez que recai no hábito de lançar uma discussão com premissas mais que contestáveis. Assim costuma fazer a manipulação, que não está em qualquer raciocínio lógico que siga depois, mas no estabelecimento das premissas, que são colocadas com tal rapidez e eloquência que a audiência as toma por verdadeiras. Com isto ponho em causa a sua afirmação absoluta: "as greves têm hoje má imprensa e má fama". Sem me propôr desconstruir a frase em si, o que obrigaria a um trabalho espartilhado de moderação (para explicar que "nem tanto ao mar nem tanto à terra") sugiro-lhe que leia o que os blogs do João Morgado Fernandes e do Eduardo Pitta dizem sobre o assunto.