ABRUPTO

11.11.06


TESTEMUNHOS E OPINIÕES DOS LEITORES DO ABRUPTO SOBRE AS GREVES 4



A minha mulher, educadora do ensino especial (miúdos deficientes), desta vez não fez greve. A escola dela funcionou. Eu não fiz greve, na Universidade, que me pareceu estar a trabalhar “as usual”. O meu filho, estudante universitário noutra escola, também teve as aulas todas, e a minha filha (12º ano) notou a falta de alguns professores, mas teve aulas de substituição, na sua ausência.

E no entanto, o descontentamento é geral, no ensino. Porquê, então, esta greve suave?
Uma causa será o custo económico dela, como notou um leitor seu. Outra, o facto de os Sindicatos estarem algo descredibilizados. Mas eu acho que há outra causa mais séria: o anúncio de que boa parte dos docentes vai para o desemprego no próximo ano, e que os que ficarem vão ter de se esforçar muito para ascenderem de escalão remunerativo. Há medo. E a noção de que as grandes lutas ainda estão para vir, agora que ninguém se vai reformar em breve. Talvez me engane, mas palpita-me que 2007 vai ser um ano de brasa!...

Mas fora da função pública, um taxista que o é há 32 anos, disse-me ontem que os privilégios dos funcionários públicos eram um escândalo, antes das novas leis. E contou-me o mesmo tipo de histórias do seu leitor Manuel Castelo Branco. Quererá ele nivelar por baixo? Nos EUA, li ontem numa revista, o horário médio semanal de trabalho de um engenheiro é de 46 horas (cá, varia entre as 35 e as 40)... e em geral, ainda que a produtividade média horária do trabalho norte-americano não supere a norueguesa ou a alemã, acontece que o número médio de horas de trabalho per capita é lá muito superior. Claro que por outro lado, os ritmos de vida no litoral brasileiro ou em Moçambique, por exemplo, são de uma falta de stress invejável (“qualidade de vida”, diz-se). O que não se pode é ter o melhor desses dois mundos...

(Pinto de Sá)

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Diz o Sr Fernando Reis, que fica chocado com a "reacção de uma parte significativa da população que tem sido ouvida nos órgãos de comunicação". Refere ainda que "Essas pessoas que acusam...são em muitos casos, as mesmas que aceitam trabalhar em más condições, com salários muito baixos, e com poucas ou nenhumas regalias sociais." Diz ainda o Sr Fernando Reis que estas pessoas vêem "Privilégios", onde ele vê apenas "Direitos".

Fico impressionado com o raciocínio. Só está na situação de ter um trabalho em más condições, mau salário e nenhumas regalias, as pessoas que o aceitam. Esquece-se que essas má condições decorrem essencialmente da situação económica do país, onde há pouco emprego gerado, levando as pessoas a ter que aceitar o que aparece. Os patrões menos escrupulosos, percebendo a aflição do empregado em manter o emprego que lhe permite um mínimo de sobrevivência, permitem-se explorá-lo como entendem, não havendo força sindical ou tribunal que lhe valha. É óbvio que para estes trabalhadores, as vantagens da função pública são obscenas, porque são obtidas em parte à custa daquilo que ele desconta todos os meses.

Os "direitos" do Sr Fernando Reis são os deveres de desconto dos trabalhadores que ele critica por não compreenderem a posição dos funcionários públicos. E o trabalhador sente-se obviamente injustiçado por, com o seu dinheiro, darem aos outros aquilo de que ele não usufrui. Chamar a isto "inveja" é, no mínimo, uma provocação irreflectida. O dinheiro que é pago aos funcionários públicos tem origem nos impostos que todos pagamos. É nosso dever e direito garantir que seja gasto com o melhor índice de aproveitamento possível e benefício prático dos cidadãos pagantes. Não é o que tem acontecido. O desperdício abunda, as perdas são enormes e parece que, muitas vezes as formalidades só existem para justificar uns quantos empregos pagos com dinheiro que seria mais útil noutros lados. Nem que fosse no bolso de onde saiu.

Se a crise diminui os empregos disponíveis, os salários e as condições de trabalho, logo, o rendimento do Estado proveniente dos impostos, porque é que os trabalhadores da administração central continuam como se nada se passasse, montados nos seus "direitos" inalienáveis? A crise é só para alguns?

( Lá fora passa um carro do lixo, em abstinência da greve, que todos na rua agradecem concerteza. Já neste trabalho, por exemplo, acho que não há privilégios. Apenas algumas vantagens que tentam compensar um trabalho em condições extremas, a que poucos se sujeitam, mas que aproveita a todos nós).

(Pedro Malheiros Fonseca)

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Sou uma funcionária pública que fez greve ontem, dia 9 de Novembro. Hoje não aderi. E não o fiz porque considero que a decisão de fazer greve não pode, de forma alguma, correr o risco de poder estar associada a uma maneira expedita de conseguir um fim-de-semana prolongado.


Num país como Portugal, em que é fundamental aumentar a produtividade, entendo que o acto de fazer greve deverá ser reflexo de uma atitude cívica responsável, de recurso extremo, face a uma situação de manifesta gravidade.

Mas, de facto, é muito grave o que se está a passar na Função Pública, tanto mais que não se pode considerar o “fenómeno Função Pública” como extrínseco à própria realidade da sociedade portuguesa.

Se é certo que, por natureza, e tendencialmente, se oferece resistência à mudança, a verdade é que a gravidade de que falo nada tem a ver com a reestruturação dos Serviços da Função Pública, enquanto tal.

Todos os que querem que Portugal cresça qualitativamente sabem o quanto é necessário alterar o sistema de funcionamento de grande parte destes Serviços.

A gravidade advém do facto de não ser possível, em qualquer tipo de serviço – seja público ou privado –, mudar no sentido da melhoria e do desenvolvimento, se essa mudança não se basear no rigor, na objectividade e na eficácia, princípios fundamentais numa gestão orientada para o sucesso.

O novo sistema de avaliação dos funcionários públicos (Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública) é, apenas, uma ferramenta de gestão que, como qualquer outra, pode ser bem ou mal usada.

Ter a ferramenta é importante, mas não é suficiente. É necessário assegurar a sua boa aplicação. E isso nem sempre está a acontecer.

Infelizmente, são do meu conhecimento casos concretos, nos quais, com comprovada falta de isenção, são atribuídas classificações de insuficiente na decorrência de razões que nada têm a ver com o desempenho do funcionário, visando a sua saída da instituição e seu o possível desvio para os chamados supranumerários.

- A lei prevê que os funcionários que se sentirem injustiçados possam recorrer da classificação de que foram alvo – dirão muitos.

Mas, voltando à objectividade dos casos concretos, acrescentarei:

- Sim, sem dúvida, recorrerão aqueles funcionários cujo perfil seja suficientemente forte para resistirem ao processo de desencorajamento de que vão ser alvo, quando após dois ou três contactos, paralelamente à garantia de poder recorrer – que ninguém nega – vão ouvir falar de coisas como “se tiver coragem”, “se estiver disposto a enfrentar possíveis represálias”, ou, pura e simplesmente, “se for capaz de entrar num processo de grandes desigualdades de poder”: de um lado o funcionário; do outro o dirigente de topo da instituição, que, em algumas situações, é o próprio avaliador, ou mesmo o membro do Governo competente, que, amiúde, terá nomeado aquele.
Recorrerão, ainda, os que não se deixarem entorpecer pelas anestesiantes e recorrentes expressões “não se pode fazer nada”, ou “o melhor é mudar para outra instituição”.

Não há boa gestão sem sistema de avaliação. É preciso avaliar para poder melhorar.
È preciso associar o reconhecimento do mérito a quem trabalha bem e penalizar quem tem um mau desempenho. É compreensível que quem não cumpra, de forma adequada, as suas funções, deva ser dispensado. Só assim poderá haver mudança qualitativa na Função Pública.

Qualquer pessoa entende isto. Mais, qualquer pessoa de bem o deseja.

Mas o grave é que, infelizmente – como acima referi –, há casos que mostram que a realidade é bem diferente. E se é óbvio que seria abusivo, e até injusto, tomar a parte pelo todo, também não é verosímil que aquilo que conheço seja apenas um caso singular, ou a tal excepção à regra.

Neste texto, a palavra “infelizmente” é recorrente.

Na verdade, pela primeira vez, na minha já muito longa vida de funcionária pública, é de um modo infeliz que convivo com o meu quotidiano profissional, não só por aquilo a que venho a assistir ultimamente, dia após dia, mas porque receio pelo amanhã de um país em que é possível, em democracia, e no seio das instituições do Estado, utilizar de modo perverso uma ferramenta de gestão – a classificação –, não para o desenvolvimento e para a mudança qualitativa, mas antes para actos vexatórios que atentam contra um dos valores mais sublimes: a dignidade do indivíduo.

E se a prática de tais actos já é grave, mais grave ainda é a sua impunidade, indiciando uma sociedade dormente, que já perdeu a capacidade de se indignar.

(F. P.)

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Com ou sem greves, (as quais eu não acredito uma vez que trabalhei mais de 45 anos numa firma privada, ali passei o 25 Abril, o sector a que pertencia chegou a fazer várias greves, mas eu não) acho que já vai sendo tempo de deixar de branquear o funcionalismo público, no que se refere a privilégios. Senão vejamos: em 1959, com 17 anos de idade, comecei a trabalhar numa determinada empresa e nessa altura tinha um grande amigo, da minha idade, que começou igualmente a trabalhar no funcionalismo público. Em 1989, isto é, com 30 anos de serviço o meu amigo, na altura com 47 anos, reformou-se e nessa altura foi-lhe atribuído uma pensão igual a 100% do seu último ordenado. Eu tive de trabalhar até 2004, e isto porque resolvi fazer uma pré-reforma, e na altura tinha 63 anos de idade, quarenta e cinco anos de descontos e mesmo assim fui penalizado na minha reforma em 0,5% porque aos 55 anos faltava-me 6 meses para atingir “x” tempo de descontos. A minha reforma foi calculada na base da média dos melhores 10, dos últimos 15 anos de salários. Além disso, não pude dispor de um sistema especial de saúde (ADSE) como o meu amigo.

Mas o mais irritante é que, durante os meus 45 anos de trabalho eu mensalmente descontei, para a Segurança Social, 11% do meu salário e a firma onde prestei serviço, 23,75% também daquele salário, para o mesmo fim, o que quer dizer que ambos descontamos 23,75% do meu salário em cada mês. O patrão do meu amigo, esse não descontou um centavo, mas no fim o meu amigo tem muito melhor reforma do que eu.

Afinal, será que o funcionalismo público estará assim tão mal ? E se assim é, porquê no tempo de António Guterres somente, entraram 100.000 novos funcionários públicos? Serão todos masoquistas ?

(Manuel Castelo Branco)

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© José Pacheco Pereira
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