ABRUPTO

10.11.06


TESTEMUNHOS E OPINIÕES DOS LEITORES DO ABRUPTO SOBRE AS GREVES



As greves têm hoje má imprensa e má fama. Fazem parte das coisas que estão fora de moda. Há muitas razões para isso ter acontecido, incluindo a estatização dos sindicatos, que se tornaram um apêndice orgânico do estado do "modelo social europeu" e perderam independência na sua acção. Com o "modelo" em crise, os sindicatos do "modelo" (socialistas) e os que se colaram ao "modelo" (os comunistas) entraram também em crise. No caso português, há também uma grande partidarização dos sindicatos, com a CGTP e a UGT dependentes de estratégias dos partidos. Acresce que uma comunicação social "económica", que funciona como porta-voz das empresas e dos gestores, por sua vez igualmente politizados como se vê pelos seus "Compromissos", conseguiu uma hegemonia interpretativa, hoje ao lado dos interesses do Governo, que oculta outros elementos importantes para julgar o que se passa.

Mas tudo isto não deve impedir-nos de estar atentos à greve da função pública e a outras greves simultâneas, não as tratando como movimentos sociais ultrapassados e “fora de moda”. Por aqui pensa-se que é importante, numa sociedade democrática, a existência de instituições de mediação, sem as quais a democracia representativa fica enfraquecida. Os sindicatos são uma dessas instituições. A produção de "equilíbrio social", quase sempre via conflitualidade social, aberta ou latente no processo negocial, é um mecanismo que se pode inserir nos checks and balances de uma sociedade democrática. Ora, uma das características da pulsão para a chamada "democracia participativa", no meu ponto de vista uma degradação demagógica da democracia, é para a destruição dessas mediações. Por isso, seja qual for a concordância que se tenha com os objectivos das greves, elas não serão aqui desvalorizadas. Podem ser discutidas, podem ser contestadas na sua razão, podem pôr-se em causa os seus objectivos e oportunidade, mas a experiência de fazer greve é uma experiência cívica que não pode ser ignorada.

Apela-se por isso aos leitores do Abrupto para que, durante o dia de hoje, enviem testemunhos (opiniões também, mas os testemunhos terão prioridade) sobre o que se está a passar. De quem entendeu fazer greve, de quem entendeu não a fazer, de quem é por ela prejudicado, de quem não estando no universo dos sectores em greve assistiu a episódios da greve. Seguindo as regras habituais, serão aqui publicados.

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O secretário de estado, João Figueiredo, faz lembrar o ministro da informação iraquiano, Mohammed Saeed Al-Sahhaf. Os seus 11,7% de adesão à greve da função pública hoje (9.11.2006), por exemplo, na educação, querem dizer que a escola está aberta, apenas com um ou dois funcionários. Um deles na portaria. Os professores entram, estão nas escolas, não podem ir às salas de aula porque os pavilhões estão fechados. Ficam confinados à sala de professores e ao café em frente da escola. Os alunos não podem entrar no recinto escolar por falta de pessoal. Mas a escola funcionou e não houve greve! Pelo que se passou hoje, amanhã os alunos nem se preocuparão em levantar-se a horas. Não quer dizer que tomo como líquidos os 80% de adesão referidos pelos sindicatos. Mas...

(Gabriel Mithá Ribeiro)

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Como se sabe, o Governo precisou de uma eternidade para saber quantos funcionários públicos existem; no entanto, no primeiro dia de greve da função pública, bastou-lhe um par de horas para saber que a percentagem de aderentes foi de 11,74%. Assim sendo, vale a pena passar adiante da recorrente anedota que são os números díspares esgrimidos por governos e sindicatos e, desta vez, matutar apenas no rigor do valor apresentado.

A mim, pelo menos, faz-me lembrar um director de uma empresa - que eu em tempos conheci - que, face aos orçamentos que os seus técnicos lhe preparavam, dava sempre uns retoques, transformando, por exemplo, 1 milhão de contos em 1.000.000.000$10

Dizia ele que, com isso, mostrava aos clientes como a empresa era rigorosa a fazer orçamentos - e nunca ninguém teve coragem de lhe dizer que ele era alvo da chacota geral - dizendo-se, no meio, que padecia do "Centesi... Mal".

(C. Medina Ribeiro)

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© José Pacheco Pereira
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