ABRUPTO

1.11.06


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: TERMINOLOGIAS



Tenho vivido no Reino Unido no ultimo ano (e por isso peco desculpa pela grafia e pela falta de acentos) tenho contudo seguido atentamente a imprensa portuguesa. A cronica de Vasco Graca Moura (VGM) no DN de hoje sobre a nova terminologia linguística para os ensinos básico e secundário (TLEBS) voltou a chamar-me a atencao para um debate que comecou ha cerca de um ano e que, talvez por ser demasiado tecnico, se tem mantido sem a devida atencao da comunicacao social.

Ao ler hoje algumas das alteracoes propostas :

« Entre outros, há pronomes indefinidos que dão agora pelos nomes sorumbáticos de "quantificadores indefinidos", "quantificadores universais" e "quantificadores relativos". Nos advérbios, encontramos coisas alucinantes como "advérbios disjuntos avaliativos", "advérbios disjuntos modais", "advérbios disjuntos reforçadores da verdade da asserção" e "advérbios disjuntos restritivos da verdade da asserção". O sujeito indefinido passa a ser o luminoso "sujeito nulo expletivo". O "aposto ou continuado" chama-se bombasticamente "modificador do nome apositivo", podendo ser do tipo "nominal", "adjectival", "proposicional" ou "frásico"... »

Ficou-me a pergunta: sera que a lingua que aprendi na escola mudou tanto nos ultimos 15 anos? E mais, nao estaram a complicar o que e simples?

E alem destas resta a outra questao, que esta subjacente a a toda a cronica de
VGM: sera que se pode ensinar uma lingua esquecendo a literatura que a fixa e a cria, desmontando-a apenas nas suas componentes mais tecnicas?

Nao me parece que esta seja a melhor forma de ensinar o portugues e talvez seja altura de pensar que o cronico fracasso com a matematica possa estar relacionado com todas estas questoes. Ja ha 20 anos, a maior parte dos meus colegas tinha dificuldades em interpretar os enunciados dos problemas em matematica no 5o e no 6o anos. O fracasso e a sucessiva rejeicao comecaram ai, muito cedo.

Por esta e outras questoes acho que o debate sobre a TLEBS merecia um pouco mais de visibilidade, afinal, tambem e por aqui que passa o futuro do pais que queremos tirar da crise.

Como nota acrescento que nem sequer estou ligado as letras ou humanidades sou Bioquimico, mas nenhum plano tecnologico resultara se falharmos nas coisas mais basicas.

(Andre M. N. Silva)

*
Acabo de ler o texto de André M N Silva sobre a TLEBS, publicado no "Abrupto". Tanto quanto me apercebo, tudo se resume a classificar de um modo diferente daquele a que estavamos habituados os nomes que integram a nossa língua. Ignoro as vantagens do exercício. Mas o exercício em si mesmo relembrou-me o texto "El idioma analítico de John Wilkins", de Jorge Luis Borges, (...) numa versão encontrada aqui. Talvez os responsáveis pela TLEBS ganhassem alguma coisa em lê-lo.

(António Cardosos da Conceição)

*

Se a TLEBS tem certamente muitos defeitos -- como a mudança gratuita dos "nomes" em "substantivos" e, porventura, a suposição antipedagógica de que as aulas de gramática, nos liceus, seriam aulas de linguística (não são) -- é preciso notar que a oposição de VGM à TLEBS se insere na sua antiga oposição... aos linguistas, bem clara nos seus ataques palavrosos e, de resto, vácuos disponíveis on line no Ciberdúvidas, devidamente respondidos por Inês Duarte.

E muitas das críticas que faz são puro desconhecimento. Por exemplo, o desconhecimento de que muitos dos antigos "pronomes" não eram pronomes e alguns dos "sujeitos indefinidos" não tinham nada de indefinido. As aulas de gramática não são aulas de linguística, mas convém saber um mínimo de linguística para perceber, pelo menos, que os quantificadores são mesmo quantificadores.
As tristes guerras entre "literatos" e "linguistas" dificilmente nos trarão alguma coisa de bom. Sobretudo, impedem que se vejam alguns meios termos óbvios, soterrados pelo facciosismo e pela confusão.

(Pedro Múrias)

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