ABRUPTO

7.11.06


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 7 de Novembro de 2006


Para quem tem dúvidas sobre a governamentalização da RTP, o telejornal de hoje deve ser visto muito atentamente. Para quem está sempre a pedir exemplos, e a quem se está sempre a dar exemplos que depois não se quer discutir, o telejornal de hoje é um excelente exemplo. Hoje foi o dia do debate parlamentar sobre o OE. Até aos primeiros minutos tudo esteve bem: o debate foi animado e permitiu uma peça dinâmica de contraditório. Por ela se pode ver que o debate não correu muito bem ao Primeiro-Ministro, mas isso não é em si relevante, só viria a favor da síntese televisiva. O problema é o que acontece depois, mais um Momento-Chávez perfeito.

À saída. O Primeiro-Ministro é perguntado sobre declarações de Jardim, reduzidas ao estilo do som que morde ou seja, depuradas de argumentos, a favor da frase bruta. Aí a culpa é só de Jardim que se põe a jeito pelo modo como fala. Até aqui muito bem, era um facto novo e tinha sentido perguntar, naquelas entrevistas de porta de saída, o que o Primeiro-Ministro pensava. O problema é que, depois dos 15 segundos que são relevantes para a resposta, seguiu-se uma longa exposição de vários minutos, uma imensidade de televisão que desequilibra totalmente a reportagem, em que, num discurso limpo, se repetem pela enésima vez argumentos conhecidos das teses governamentais sobre o OE.

O Primeiro-Ministro acaba assim, sem nunca ter sido interrompido por uma corte de jornalistas silenciosos (pelo menos da RTP), por repetir sem contraditório o que acabara de dizer dentro da sala, reforçando nessa fala límpida tudo o que o governo queria dizer. Do ponto de vista jornalístico não há aí nada de novo, e é isso que é favorecer a propaganda do governo. O Primeiro-Ministro faz o seu papel, debita o seu spin, os jornalistas da RTP, que não o interromperam ou não reduziram a peça aos poucos segundos iniciais, é que não estão a fazer o deles.

Quando estiver em Rede este telejornal das 20 horas de hoje, vale a pena ver e que cada um julgue por si.

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Um bom exemplo de privatização e do princípio consumidor / pagador :
"O Teatro Art"Imagem não está sozinho (...) O movimento Juntos pelo Rivoli vai lançar uma campanha de recolha de fundos que incluirá um leilão de obras de arte e um concerto com músicos do Porto. Os eventos ainda não têm data marcada, mas o objectivo está definido: somar os 20 mil euros de que aquele grupo teatral se viu privado, depois de ter recusado subscrever a cláusula do protocolo que o impedia de criticar o município."
(hoje no Público.)

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Enquanto estudante e profissional da indústria da comunicação tenho seguido com bastante interesse as opções editoriais dos jornalistas que trabalham nos noticiários da RTP. Tenho a felicidade de poder debater este tema com um grupo de amigos que não têm qualquer formação ou interesse particular pelo jornalismo, mas que, enquanto espectadores atentos, facilmente chegam às mesmas conclusões que eu: há muito que os jornalistas-editores da estação televisiva pública não tinham tão pouco para fazer entre as 18 e as 21. E provavelmente durante o resto do dia, no que respeita à composição do noticiário.

Ontem tive oportunidade para ver abertura do telejornal. Fiquei atento até aos 15 minutos. Durante esse período fiz uma amadoríssima análise de conteúdo, em tempo real, das peças que passaram. A sua análise já esclarece um pouco sobre o que se passou, mas gostaria de acrescentar apenas mais alguns dados, pistas sobre a forma como a informação da RTP parece estar altamente condicionada pelo crivo dos gabinetes de comunicação governamentais:

- O noticiário abriu com o anúncio de Sócrates sobre o aumento da inspecção fiscal da banca. Durante a peça, foi possível ver, durante mais de 2 minutos, o Primeiro-Ministro num permanente auto-elogio e promoção das medidas governativas que têm obtido resultados positivos. A referência ao aumento da inspecção fiscal da banca surgiu apenas numa pequena frase de José Sócrates, sem qualquer contextualização ou desenvolvimento da aplicação da medida. Curiosamente, uma pequena referência ao tom do PM na resposta às interrupções no seu discurso provocadas por elementos exaltados dos partidos de oposição, (algo como "Caros deputados, com gritaria não fazem valer os vossos argumentos") teve a mesma duração.

- O contraditório foi mau demais: O PSD teve o destaque óbvio, mas nessa peça, cerca de dois terços do tempo foi dedicado à polémica "Madeira", que merecia referência mas não o destaque principal. Os restantes partidos foram remetidos a pequeníssimos excertos dos seus líderes, com a intervenção do CDS/PP a remeter-se exclusivamente às SCUT, o PCP ao discurso contra "o grande capital" e o Bloco de Esquerda à polémica entre Louçã e Sócrates relativa à redistribuição do auxílio financeiro a deficientes. E de novo com grande destaque para a resposta do PM, no seu registo deselegante, autoritário.

- Conclusão: não tivemos a oportunidade de ver e ouvir a opinião da Oposição sobre a nova medida do Governo, que teve destaque de abertura do noticiário e acabou por ser, apenas, uma mediática referência numa diminuta frase do PM. Já na SIC e TVI os telespectadores puderam ouvir especialistas do CDS e do PSD a defenderem a sua posição relativamente à medida, bem como o comentário de Miguel Sousa Tavares sobre o debate do Orçamento de Estado. O necessário contraditório para que a informação seja isenta e cumpre a sua função: informe a opinião pública sem a direccionar para uma determinada corrente de pensamento.

- Seguiu-se a "entrevista" a Sócrates, com o seu monólogo habitual - o referido "Momento-Chávez". E sem qualquer contraditório ou pergunta da jornalista.

Trata-se de uma questão que nos afecta a todos - estudantes, jornalistas, professores, políticos, cidadãos - por se tratar da estação pública, de dinheiro que é de todos, de uma mensagem que deveria ser para todos. E que parece ser produzida à medida de alguns, para reduzir a amplitude de análise e pensamento de quem vê as notícias sem um olhar crítico, constante. Por isso quis deixar este pequeno apontamento, um pequeno contributo (sem ambição ou tratamento científicos) para o debate.

(Guilherme Pires)

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Devo começar por lhe dizer que não me encontro nos defensores deste governo, nem tão pouco da RTP. Mas acho que devemos procurar ser justos nas nossas apreciações e não embarcar em campanhas como a que V.Exª quer protagonizar: a de que a RTP tem favorecido o governo. Vejo os telejornais e, sinceramente, não me parece haver nada de comparável com o que consta que se passa na Venezuela. Pelo contrário. O que dizer, por exemplo, da forma com que ontem o telejornal abriu lançando a ideia de que "o governo declarou guerra aos bancos"? para todos concluirmos que este governo é conflituoso com todos os sectores; o que pensar daquele spot que começa assim:"Ganhou o não no referendo..."?sendo afinal uma notícia do anterior referendo ao aborto do tempo de Guterres. Dois exemplos apenas. Mas já agora outro:Então o senhor não acha vergonhosa a "entrevista" que foi feita no Canal Dois pela jornalista de serviço à Ministra da Educação? Será aquilo uma entrevista? Bastava olhar para os olhos da entrevistadora, de que agora não me recorda o nome, para se ficar com a ideia de como a senhora detestava, ou mesmo odiava, a ministra. No final da pretensa conversa a jornalista tem o desplante de fazer a sua apreciação pessoal sobre os casos quentes do Ministério da Educação não ligando nenhuma, absolutamente nenhuma, importância às declarações da Ministra. Bem esta queria acrescentar no fim algumas palavras, mas a jornalista, do alto do seu poder, alegou que não havia tempo. Só havia de facto tempo para a sua opinião pessoal. A forma como essa entrevista decorreu diz bem da falta de educação da pivot, para além de constituir uma lição de como não se deve entrevistar seja quem for - amigo ou inimigo.

Não acho, pois, que o senhor tenha razão. Tenho a lamentar o facto de um homem inteligente, independente quanto baste, e observador muitas vezes arguto que dá gosto ler, tome algumas posições tão parciais como a que constitui objecto desta crítica. Com que objectivo?

(Fernando Barros)

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