LENDO VENDO OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 28 de Novembro de 2006
O melhor que se pode dizer da série mais recente dos Prós e Contras é verificar que alguns dos mais importantes debates sobre a nossa vida pública só aconteceram ali. Várias coisas se conjugam para os debates terem sido um sucesso: em primeiro lugar, a escolha dos interlocutores certos, seja pelos seus lugares, seja pelo seu saber, seja pela frontalidade com que exprimem a sua opinião. E depois, porque há tempo, esse bem precioso para deixar que a racionalidade, mesmo envolvida ne emotividade e no empenho, se desenvolva.
Foi o caso do debate de ontem sobre o ensino superior: estando-se atento percebia-se tudo, percebia-se todo um grupo de fracturas, essencialmente políticas no sentido de envolverem políticas, que nunca antes tinham estado presentes no debate público, a começar pelo sítio onde já podiam e deviam ter sido discutidas como é o caso do Parlamento. Houve momentos decisivos, como quando Mariano Gago, numa rara intervenção emotiva, falou como nenhum ministro até hoje tinha falado da resistência da nossa universidade à inovação e competição, o seu desdém pela formação académica no estrangeiro, o seu corporativismo no favorecimento de carreiras interiores, sem avaliação e competição, o bloqueio à investigação. Para combater estes males percebe-se que Mariano Gago actua ao modo jacobino, centraliza e manda, como dava para ver pelas queixas dos reitores a propósito da forma como foram feitos os acordos com o MIT. Mas há que reconhecer que o ministro ao usar uma linguagem dura e directa foi mortífero para os seus críticos. Isso não significa que muitas das críticas feitas à actual política governamental não devam ser ouvidas com muita atenção porque elas revelam riscos reais e erros, mas foram quase sempre feitas a partir de uma posição encurralada, defensiva, de quem perante a enorme tempestade que lhe caiu em casa descobrisse que não cuidou dela como devia.
Ser preciso que seja um debate televisivo a mostrar as fracturas de interesses e posições institucionais numa área central das políticas públicas, mostra o desfasamento dos partidos da oposição, em particular o PSD, do conhecimento de realidades para além do poder local, da macroeconomia, da justiça, da política institucional. Áreas inteiras da acção pública, como a cultura, a educação, a universidade, a investigação, só são entendidas pelas notícias da comunicação social e não por um conhecimento interior, permanente, atento e cuidado, o que exige que se fale com quem sabe e estude os problemas. Como seriam diferentes os debates políticos e parlamentares, sobre questões como os acordos com o MIT ou o subfinanciamento das universidades, se se soubesse mais e melhor...
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Prós e Contras/Ensino Superior- sindicatos excluídos & etc. João Cunha Serra, da Fenprof/Ensino Superior escreve que "os sindicatos foram excluídos do debate dos Prós e Contras de ontem (segunda-feira), na RTP, sobre o Futuro de Ensino Superior – os reitores não representam os docentes e o Prof. Moniz Pereira apenas se representa a si próprio". Aqui fica registado.
Registe-se também que o importante debate da passada segunda-feira começou mais uma vez após as 22h30 e acabou pelas duas da manhã! E que os principais serviços noriciosos da RTP1 no dia seguinte nem se dignaram fazer um breve resumo do que ali se passou. Isto apesar de muito longos minutos, uma vez mais, terem sido dedicados ao futebol - até o secretário técnico do Atlético teve tempo de antena no Jornal da Tarde, mas os reitores das universidades portuguesas, o ministro da Ciência, etc., etc., a RTP1 calou-os pelas duas da manhã... É o serviço público que temos. Pactuar com isto é pactuar com o pior deste país.
(F. RUI CÁDIMA)
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De facto o programa Pros e Contras proporciona vários debates importantes e com tempo, na televisão pública - é até a sua obrigação. Sou estudante do ensino superior e segui o programa de ontem com particular interesse, mas - não obstante o mérito de haver algum debate - não posso deixar de lamentar a maneira como o programa é gerido. Todo o aparato de Arena em que o público bate palmas indiscriminadamente cada vez que algum dos intervenientes diz algo de mais polémico. Ontem então houve um momento em que a Sra Fátima deve ter achado que a discussão ia demasiado ordenada e interrompeu o Presidente do Conselho de Reitores para lhe dizer: "Ponha o dedo na ferida. Onde dói, onde dói". O Presidente tentou dizer algo que dava a entender que queria continuar o seu raciocínio, e foi de novo interrompido, "Vá Dr, vá onde dói! Onde dói..."
Obviamente que não se deve evitar a polémica, mas não cabe à moderadora fomenta-la, nem lhe cabe criar um ambiente hostil como cria quando interrompe o Ministro para dizer: "Ah então está a chamar subdesenvolvido ao Sr Reitor?" Não me parece certo que, sobretudo a RTP, pegue em temas importantes e os transforme em espetáculo.
(Filipe Grácio)
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Isso não significa que muitas das críticas feitas à actual política governamental não devam ser ouvidas com muita atenção porque elas revelam riscos reais e erros, mas foram quase sempre feitas a partir de uma posição encurralada, defensiva, de quem perante a enorme tempestade que lhe caiu em casa descobrisse que não cuidou dela como devia.
No contexto ou fora dele esta sua frase resume a actuação deste governo.
Se muita da sua acção é passível de critica séria, sob o ponto de vista da discrepância entre objectivos e resultados (incluo a sua critica nesta categoria), a maioria da crítica é feita de posições encurraladas, diria eu, na sua própria argumentação, uma vez que a consequência lógica da mesma é quase sempre a manutenção do status-quo que na maioria dos casos os próprios criticam.
Se por um lado esta critica é sempre apresentada como protesto, insatisfação, revolta, indignação "dos Portugueses", por outro lado, a mesma surge também como defesa corporativa de interesses, os quais o governo tenta "pôr na ordem" em nome do superior interesse público. Este double-talk dos media e por arrasto do mainstream da opinião pública, é um jogo de equilibrismo que acabará por cair para um dos lados, ditando a sorte deste governo.
Se assim não fôr, acho que este se arrisca a ficar numa situação ainda pior que a anterior. De um lado estarão aqueles que acham que a sua acção é cosmética, que as reformas não vão longe ou não vão no sentido certo, ou não vão sequer para lado nenhum e são mero chavão politico tal qual a planificação económica pós-PREC sustentado em propaganda. Do outro aqueles que acham que o governo reforma demais, que aquilo que está é que está bem, não funciona, mas a culpa não é dos que deviam fazer funcionar, é sempre dos políticos, dos ministros, dos governos, das maiorias, dos critérios de convergência, das políticas economicistas, da globalização... E todos eles terão o seu voto de protesto concentrado na altura certa.
Este governo socialista começa pois a criar o seu próprio "Iraque" do qual vai ser dificil sair incólume e no qual vai ser dificil ficar sem baixas pesadas. O que vai acontecer dependerá sempre dos "Iraquianos" por mais culpas que estes deitem ao governo.
(Mário Almeida)
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A propósito da intervenção de Mariano Gago (ministro que tenho em muitíssima conta) sobre a já tristemente célebre "resistência da nossa universidade à inovação e competição", gostaria de tecer alguns comentários. Desde já há duas coisas que saltarão à vista de muita gente: que este é um mal que já foi diagnosticado há muitos anos; e que o foi ainda antes de Mariano Gago ter sido ministro de 3 governos (2 de Guterres, 1 de Socrates) durante quase 8 anos. Voltarei já a este ponto.
Este "mal" de que estamos a falar tem vários aspectos que já referiu: uma certa alergia à investigação por uma parte considerável do corpo docente universitário; a continuação da escandalosa prática de contratação preferencial de gente incompetente, numa aparente tentativa de prolongar este estado de coisas por mais 1 ou 2 gerações; o facto de a maneira mais eficaz de se por pé numa carreira na universidade portuguesa ser a entrada como assistente, ou seja ainda antes de se ter qualquer currículo, em contraste com a dificuldade que encontram aqueles que (portugueses ou não) tentam saltar dalgumas das melhores instituições científicas internacionais para uma universidade portuguesa.
Ora, acontece que este estado de coisas seria bem diferente se o estatuto que rege a carreira docente fosse outro, se p.ex. deixasse de haver assistentes "do quadro", se houvesse concursos públicos e um dos critérios fosse o mérito, se todo e qualquer docente tivesse de ser doutorado. Até seria "engraçado" se fosse ilegal, como o é na Alemanha, que alguém fosse docente na universidade em que se doutorou, mas isto já é sonhar alto! E se o estatuto não é outro devêmo-lo também ao Ministro Mariano Gago, que já teve mais de 7 anos para fazer alguma coisa... Há um ano atrás prometeu em entrevista no "Diga lá Excelência" que em Janeiro de 2006 veríamos finalmente a proposta deste governo de alteração da carreira docente. Ontem prometeu que no decorrer de 2007 algo acontecerá...
Para mim tenho que o Ministro receia a berraria que se espera para o dia em que certa "malta" docente vir a sua vida catita terminada. Senão, alguém que me explique este "fenómeno": a FCT (a fundação que financia a investigação científica em Portugal) abriu um concurso especial de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento para ex-docentes do ensino superior. Para ex-docentes! Reconhecendo que estes representam um contingente especial, incapaz de concorrer com o resto dos portugueses nos concursos ordinários para bolsas da FCT sem alguma discriminação positiva, o estado mais uma vez decidiu acolher no seu colo os mais pobres e necessitados... Haja paciência! Esperemos que 2007 de facto traga algo de novo.
(Filipe Paccetti CorreiA)
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Até agora, em vários noticiários, a RTP tem gasto bem o dinheiro de todos nós na sua cobertura da viagem do Papa à Turquia. Os seus jornalistas no local têm procurado informar-se com correcção, têm visitado os locais certos com os comentários certos, feito entrevistas elucidativas mesmo quando são entrevistas de rua, têm evitado generalizações superficiais e politizadas, em suma, um caso exemplar de utilização dos recursos públicos para fazer bom jornalismo.