ABRUPTO

31.7.06


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OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 31 de Julho de 2006


"Má fé" no Kontratempos.

Acrescento mais um exemplo: a utilização da palavra "massacre" nos noticiários da RTP1 e no Público de hoje (os que vi, é provável que apareça noutros meios de comunicação). No Dicionário da Academia é claro que a palavra implica matar "indiscriminadamente" "com selvajaria e crueldade", tendo como significados "chacina", "matança", e o acto de massacrar significa "chacinar" "trucidar", "dizimar", "exterminar". Podem parecer cruéis estes preciosismos vocabulares, mas o uso da palavra "massacre" não é descritivo é propagandístico porque implica haver dolo por parte de Israel. Se um inquérito revelar que o ataque a civis foi deliberado, então é legítimo usar a palavra "massacre", até lá é uma opinião disfarçada de notícia. Qualquer manual de deontologia jornalística ensina o que se deve fazer em casos destes, seja qual for a opinião do jornalista, a indignação que possa ter perante a violência da guerra e a sua inerente injustiça face a inocentes.

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Confesso que me incomodam alguns comentários de leitores do Abrupto que na minha opinião fazem uma leitura muito ligeira do que se passa no Líbano. Como se vê pelos vários comentários, opiniões e “notícias” é cada vez mais difícil a uma Democracia fazer a Guerra. Há até quem defenda que a barbárie não depende dos actos, mas antes da condição de quem os pratica.

Pode hoje um regime democrático defender-se de um ataque terrorista? Ou de uma acção militar? Sabemos que qualquer guerra implica actos violentos, bárbaros, massacres se quiserem e quase sempre provoca vitimas inocentes e que nada têm a ver com o conflito. Houve demasiados exemplos durante o século XX para que alguém ache que uma Guerra pode não ser assim. É por isso legitimo colocar a questão; pode um regime democrático cometer actos de barbárie mesmo em legitima defesa? Se pode, então há quem questione se de facto o regime é ou não democrático; se não pode, então a democracia está impedida de existir quando é atacada.

A resposta à questão parece-me evidente. Uma Democracia deve poder defender-se com todos os meios ao seu alcance quando é atacada. Não obstante tentar evitar ao máximo atacar quem nada tem que ver com o conflito, sabe contudo, que quando inicia a sua defesa vai inevitavelmente causar sofrimento, cometer barbaridades e com probabilidade elevada vitimizar, massacrar inocentes. É isto a Guerra.

É importante que não nos esqueçamos destes “detalhes” quando nos apressamos a condenar Israel pelos ataques ao Sul do Líbano. Têm sido usados os mesmos adjectivos para analisar os actos terroristas do Hezbolla, que matam inocentes de forma deliberada, dos ataques de Israel às posições do grupo terrorista que mata inocentes de forma acidental. Só espíritos malévolos e pouco dados à análise concluem que Israel atacou postos das NU e matou inocentes em Qana de forma deliberada. Como é evidente isso só prejudica a posição política de Israel. Os pressupostos dos ataques do Hezbolla e de Israel não se confundem. Os primeiros visam o terror e o extermínio e por isso o objectivo principal é atacar alvos civis; os segundos têm como objectivo criar uma zona tampão que evite os bombardeamentos às cidades do Norte de Israel e por isso actuam sobretudo sobre as posições do grupo terrorista. O que também toda a gente conhece é que o Hezbolla se refugia junto de civis para evitar os ataques do exercito israelita. Só isto já demonstra o carácter sinistro deste tipo de actuação, que para tirar dividendos políticos não se importa de pôr em risco as populações compatriotas.

(Ricardo Sousa)

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Impressiona-me a rapidez, e a precisão vocabular, com que procura “desmontar” a suposta má fé no tratamento da notícia relativa ao massacre perpetrado pelos Israelitas sobre a população libanesa. Com que vocabulário podemos então descrever as constantes humilhações que a população palestiniana tem sofrido há décadas? Os actos de resistência dos Palestinianos contra a ocupação israelita, já o sabemos, são rápida e comodamente designados de terrorismo… Impressiona-me, além do mais, na leitura de blogs e da imprensa, uma tendência fortemente maniqueísta no tratamento deste tema. Estudei especificamente a construção do discurso ideológico de justificação da guerra territorial contra o Islão entre os séculos XI e XIII (tese em história medieval, fcsh/unl) e não encontro, nos discursos contemporâneos, a diferença que justificaria a passagem, de então para cá, de mais de oito séculos. Confesso que as minhas leituras sobre temas contemporâneos têm sido pouco sistemáticas, dada a cronologia das minhas investigações, e por isso gostaria sinceramente que o Dr. J. Pacheco Pereira, que creio conhece bem estas matérias, nos oferecesse um texto escrito sob o ponto de vista palestiniano (quer queiramos quer não, o actual problema do Líbano insere-se basicamente na questão palestiniana). Li há meses o livro de Hamira Hass e fiquei impressionado com a arbitrariedade e a humilhação a que são sujeitos os Palestinianos, visível também num excelente documentário sobre os “checkpoints” apresentado no festival Doc.Lisboa no ano passado.

(Armando de Sousa Pereira)

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Na Wikipedia "massacre" : "the human rights commission agreed on a specific definition: "A massacre shall be considered the execution of five or more people, in the same place, as part of the same operation and whose victims were in an indefensible state."

(Filipe Dias)

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Como é que chamaria ao "incidente", como lhe chama a CNN?
Dano colateral?
Aquele que não tem nome?
Para que não me chame anti-semita e para que não pense que estou de má-fé, deixe-me dizer-lhe que conheço israelitas, que vivem e trabalham em Israel, na classe média, sem as vantagens dos políticos ou diplomatas, e não conheço árabes. E que gosto dos israelitas que conheço. São pessoas decentes, trabalhadoras, sensíveis, que criticam os que no seu próprio lado vêem apenas um lado da questão. Gosto de ouvir falar com mais inteligência do que a dos partidários de uma coisa. Como diria o outro, o mundo está perigoso. Não é hora de fundamentalismos. Nunca é hora de fundamentalismos.

(M.)

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