ABRUPTO

4.7.06


EARLY MORNING BLOGS

810 - "NÃO PUDE NEGAR - QUE ERA POUCO"

Ao outro dia cedo, encerrado com o general num dos quiosques do jardim, contei-lhe a minha lamentável história e os motivos fabulosos que me traziam a Pequim. O herói escutava, cofiando sombriamente o seu espesso bigode cossaco.

- O meu prezado hóspede sabe o chinês? - perguntou-me de repente, fixando em mim a pupila sagaz.

- Sei duas palavras importantes, general: «mandarim» e «chá».

Ele passou a sua mão de fortes cordoveias sobre a medonha cicatriz que lhe sulcava a calva:

- «Mandarim», meu Amigo, não é uma palavra chinesa, e ninguém a entende na China. É o nome que no século XVI os navegadores do seu país, do seu belo país...

- Quando nós tínhamos navegadores... murmurei, suspirando.

Ele suspirou também, por polidez, e continuou:

- Que os seus navegadores deram aos funcionários chineses. Vem do seu verbo, do seu lindo verbo...

- Quando tínhamos verbos... - rosnei, no hábito instintivo de deprimir a Pátria. Ele esgazeou um momento o seu olho redondo de velho mocho - e prosseguiu paciente e grave:

- Do seu lindo verbo «mandar»... Resta-lhe portanto «chá». É um vocábulo que tem um vasto papel na vida chinesa, mas julgo-o insuficiente para servir a todas as relações sociais. O meu estimável hóspede pretende esposar uma senhora da família Ti Chin-Fu, continuar a grossa influência que exercia o Mandarim, substituir, doméstica e socialmente, esse chorado defunto... Para tudo isto dispõe da palavra «chá». É pouco.

Não pude negar - que era pouco.

(Eça de Queirós, O Mandarim)

*

Bom dia!

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]