ABRUPTO

11.11.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DIA DO ARMISTÍCIO



Hoje é dia 11 de Novembro. Um pouco por toda a Europa e em vários países do resto do mundo celebra-se o Dia do Armistício. Celebra-se o fim da Grande Guerra e homenageia-se os que nela morreram. Tanto quanto sei, em Portugal não se fala sequer disso. E, no entanto, também nós lá estivemos. Também morreram portugueses nos campos da Flandres. E ninguém sequer lembra o que este dia representa. Apesar de novo, já me habituei a este tipo de coisas em Portugal. Gostava era de saber porque é que é assim.

Lembro-me de ouvir a minha avó dizer, quando se falava na Grande Guerra, que o seu pai tinha estado "na França" nessa altura. Não sei se o meu bisavó esteve ou não a combater na França, e a memória da minha avó (já falecida) não permitia tirar conclusões definitivas. Será que em Portugal se pode obter os nomes dos que foram enviados para combater? Essa informação existe de todo?

Acho triste não se falar deste dia em Portugal. Sei que no Reino Unido é um dia de grande significado. Basta sintonizar a BBC e ver os apresentadores com as papoilas vermelhas da Flandres ao peito. Acho que numa altura em que a Europa enfrenta crises de maturidade é apropriado que se lembre a guerra que acabou com a sua inocência.

(Jorge Pereira)

Uma vez que "lançou" o meu e-mail (...) talvez não sem importe de colocar este poema como forma de lembrar os mortos da Grande Guerra, incluindo os nossos. Trata-se do poema "In Flanders fields" do médico canadiano John McCrae, que morreu em França.

In Flanders fields the poppies blow
Between the crosses, row on row,
That mark our place; and in the sky
The larks, still bravely singing, fly,
Scarce heard amid the guns below.
We are the Dead. Short days ago
We lived, felt dawn, saw sunset glow,
Loved, and were loved, and now we lie,

In Flanders fields.
Take up our quarrel with the foe:
To you from failing hands we throw
The torch; be yours to hold it high.
If ye break faith with us who die
We shall not sleep, though poppies grow
In Flanders fields.


*

A msg de Jorge Pereira (DIA DO ARMISTÍCIO), sugere-me uma outra observação sobre a memória colectiva. Que, no caso, até se reporta bastante à sua área de investigação (e de vivência...), e bem demonstra o apagamento presente de um passado que naturalmente nos conformou e cuja relevãncia não soubemos, afinal, reter:
Por alturas do PREC, numa vila do Alentejo Litoral, falando com gente operária/artesã (sapateiros, carpinteiros, gentes assim) de geração anterior (que então teria 45/70 anos, para os meus 20), era comum dizerem-me terem lido Vitor Hugo, Zola, Kropotkin, tudo amalgamado numa literatura/pedagogia revolucionária que teria sido usual (?) no seu meio social e profissional e na sua juventude, isto é, lá para os anos de 30/40/50. Mas acrescentavam mais: que essa literatura vinha desde os tempos de outra geração - a que imediatamente os antecedera, ou seja, a que fora coetânea da Grande Guerra e da Revolução Russa.

Daí, dava-se o caso, pelo que me transmitiam, que aquelas leituras e influências tinham vindo de França trazidas pelos soldados portugueses expedicionários.
E mais, ocorreria uma junção «sócio-cultural» entre a influência daqueles soldados e das suas experiências «franco-socialistas» e a influência que, pela altura, exercia a Revolução Russa, de tudo resultando uma geração operária (ou, talvez melhor, dos artesãos locais) que, no meio local, na Vila, veio a ficar conhecida como a d' «os camaradinhas», gente que ainda em 1974 era conhecida de toda a sociedade local, a qual teria desempenhado com algum vigor oposição ao Estado Novo e era o contraponto, no mundo do trabalho, aos homens «da Legião».
Como é bom de ver (e aqui volto à msg «DIA DO ARMISTÍCIO»), a transmissão da memória - que a historieta que relato demonstra que se manteve naturalmnete até, pelo menos, aos anos 70, até às transformações sociais que vivemos nas nossas vidas - deixou de se efectuar. Com que custos e perdas de valores sociais?

(António Marques)
*
Diz o leitor Jorge Pereira, e com razão, que em Portugal ninguém se lembra de comemorar o armistício da Grande Guerra. E dos mortos na Flandres.

E eu acrescentaria: e poucos sabem que em África, em Moçambique e em Angola, onde os portugueses defrontaram os alemães do Tanganica e da Namíbia (então colónias deles), morreram tantos portugeses (2500, sem contar os “indígenas”) como em França (2400)! De facto, proporcionalmente à população nacional das épocas, morreram quase tantos portugueses então, nessa intervenção militar de 2,5 anos que visava garantir o direito português ao seu quinhão colonial, como na própria Guerra colonial (8300, incluindo os “indígenas”?)!

(Pinto de Sá)
*
Ja' que os mortos aliados da Grande Guerra se estão a manifestar no seu blogue, sugiro que conceda algumas linhas ao Wilfred Owen, morto uma semana antes do Armisticio.

THE NEXT WAR

War's a joke for me and you,
While we know such dreams are true.
SIEGFRIED SASSOON

Out there, we've walked quite friendly up to Death;
Sat down and eaten with him, cool and bland, -
Pardoned his spilling mess-tins in our hand.
We've sniffed the green thick odour of his breath, - Our eyes wept, but our courage didn't writhe.
He's spat at us with bullets and he's coughed
Shrapnel. We chorused when he sang aloft; We whistled while he shaved us with his scythe.

Oh, Death was never enemy of ours!
We laughed at him, we leagued with him, old chum.
No soldier's paid to kick against his powers.
We laughed, knowing that better men would come, And greater wars; when each proud fighter brags He wars on Death - for lives; not men - for flags.

Muito melhor ainda do que as evocações de poetas mortos, seria a comemoração da inteligência que resta. A minha recomendação seria a leitura do clássico Témoins, essai d'analyse et de critique des souvenirs de combattants édités en français de 1915 à 1918 de Jean Norton Cru, publicado pela primeira vez em 1929. Melhor exposição da grande mentira (Dulce et decorum est pro patria mori) de que falava o Owen, bem como das legiões de pequenos mentirosos, não conheço.

(A.S.M.)

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© José Pacheco Pereira
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